Aos 94 anos, a simpática Flora Camargo Munhoz da Rocha, viúva de Bento, é uma testemunha privilegiada da trajetória daquele que é considerado um dos maiores paranaenses da História. Durante essas semanas que antecederam ao centenário do nascimento de Bento, dona Flora vinha recusando conceder entrevistas. Mas abriu uma exceção para a Gazeta do Povo, e só fez um pedido: que o jornal explicasse porque ela tem preferido se calar nas homenagens que o esposo vem recebendo nos últimos dias e o que acha que ele pensaria das celebrações.
"Eu sempre pensava que, no centenário do Bento, ia fazer um discurso muito lindo para ele. Mas eu não pensava que, com 94 anos, a coragem ia desaparecer. Quando eu me dei conta, percebi que não tinha mais condição de fazer um discurso para ele", disse Flora. "Mas eu tenho certeza de que onde ele está, neste misterioso 'além da vida', ele está presenciando todas as homenagens que está recebendo. E acho que ele está dizendo: 'Meu Paraná, minha gente, quanta saudade'".
Gazeta do Povo O Bento deixou uma série de obras e feitos importantes para o estado. Mas qual foi a realização que ele considerava a mais importante, da qual mais se orgulhava?
Flora Munhoz da Rocha A mais importante foi reaver o Território do Iguaçu, que estava perdido. Isso ele considerava seu maior feito. Depois, acho que era o Centro Cívico. E a Biblioteca Pública. A biblioteca estava no coração dele, porque o Bento era um homem de livros.
Houve algo que o Bento não conseguiu fazer e que gostaria muito de ter feito?
Não ter conseguido terminar o Centro Cívico no seu mandato. Teve uma geada muito forte naquela época. Daí faltou dinheiro e ele teve que parar as obras (a geada provocou uma queda da produção de café e, conseqüentemente, da arrecadação do estado). O Centro Cívico e o Teatro Guaíra só foram ser terminados muito tempo depois.
Quando inaugurou essas obras, no centenário do Paraná, o Bento chegou a ser muito criticado por causa da grandiosidade delas. Ele se incomodava com isso?
Ele não ligava. Diziam que o Centro Cívico era um elefante branco. Mas veja só, hoje o Centro Cívico já está pequeno para todas as secretarias. O Bento pensava para frente, via as necessidades do futuro. Ele costumava dizer: "No Paraná, ou se faz uma coisa grande ou não se faz nada".
E frustração na política, ele teve?
Foi aperda de duas eleições seguidas (para o Senado, em 1962, e para governador, em 1965). Principalmente para o Senado, foi uma grande perda para o país. Ele era um grande orador. Chamavam-no de "uirapuru", aquele pássaro da Amazônia que todo mundo pára para ouvir. Quando ele falava, todos ouviam.
Como era o Bento em família?
O Bento em família era um Bento leitor. Ele estava sempre com um livro na mão. Passava pela gente, dava um beijinho, um tchauzinho e já ia ler. Ele era um intelectual. Aliás, ele preferia ser chamado de professor do que de político. Mas o mais engraçado é que eu tinha me casado com um professor que era todo metódico, ia almoçar em casa todo dia, fazia tudo certinho. De repente, eu me vejo casada com um deputado, que me leva com cinco crianças para o Rio de Janeiro e que eu não vejo mais. Que sai às 8 horas da manhã e que só volta de noite. A política mudou completamente a vida doméstica da gente. A minha maior rival foi a política. Eu detestava essa política. Mas ainda assim eu acabava ajudando-o nas campanhas...
O governador também era conhecido pelo seu espírito liberal. Ele também era assim em casa?
A coisa que o Bento mais prezava era a liberdade. Ele dizia que ninguém tinha direito de tirar a liberdade de ninguém. Em casa, quando eu pedia para ele se podia fazer isso ou aquilo, ele sempre dizia: "Não peça. Me comunique. Não peça licença. Por que vai me pedir? Você sabe o que está certo e o que está errado". Ele não dava ordens nunca. Isso num tempo em que os homens eram muito machistas. Mas eu até escrevia no jornal. Ele deixava. O Bento era muito para frente.
A senhora disse que o Bento sempre foi muito dedicado à política, ao ponto de se privar de um maior convívio familiar. Os historiadores reconhecem nele justamente a figura de um estadista, de alguém que se devota à causa pública, algo difícil de se ver hoje em dia. Como a senhora acha que ele reagiria diante da política de hoje?
Ele ficaria horrorizado. Nunca passou pela cabeça dele essa coisa de caixa-dois. Uma vez ele me disse: "Flora, nunca no meu governo alguém teve coragem de fazer uma proposta que não fosse correta." Acho que as pessoas conheciam como o Bento era. Uma vez aconteceu uma coisa muito engraçada. Logo que ele se elegeu governador, todas as manhãs chegava, anonimamente, uma cesta de frutas. Depois de algum tempo, apareceu um senhor sírio que queria falar comigo. Ele disse que era a pessoa que mandava as frutas todos os dias. Eu agradeci. As frutas eram maravilhosas. Mas então aquele senhor me disse: "Eu queria que a senhora falasse com o governador para ver se ele deixava eu abrir uma casa de jogo, porque daí eu dividia com a senhora os lucros e a senhora poderia usar o dinheiro nas suas caridades". Eu, quanto vi aquilo, disse que ele não precisava falar comigo. Disse que eu ia apresentá-lo ao governador e ele que falasse com o Bento. E só fiquei esperando. De repente, eu vejo uma gritaria lá dentro do escritório e aquele homem corre para fora. E nunca mais apareceu. Para o Bento, a honestidade não era uma qualidade. Era uma obrigação. Porque uma vez que a pessoa fica desmoralizada, não tem mais volta. (FM)
Leia a entrevista completa com Flora Munhoz da Rocha no site gazetadopovo.com.br/parana.
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