Ricardo Marcelo Fonseca, diretor do setor de Ciências Jurídicas, é um dos candidatos ao cargo de reitor da UFPR. Confira abaixo o que ele pensa sobre políticas de inclusão, como lidar com a empresa pública que gerencia o Hospital de Clínicas e quais as propostas para aumentar o impacto da pesquisa realizada dentro da universidade. A reportagem fez as mesmas questões para os dois concorrentes.
A universidade tem que retomar o seu protagonismo como uma referência local e nacional na produção do conhecimento de ponta. Nós tivemos um ciclo importante de expansão, agora temos que fazer um movimento de verticalização. O fato de termos tão poucos programas nota 6 e nenhum nota 7 é preocupante se olharmos para outras universidades do mesmo porte.
A gestão atual se preocupou bastante com a expansão da oferta, inclusive para fora de Curitiba. Aumentar alunos de campi, de alunos, para chegar mais perto de uma universalização do ensino superior. Agora, precisamos ajeitar a casa, porque mesmo em alguns lugares de Curitiba tem vários cursos e campi que precisam de uma atenção específica. E isso tem que ser precedida de uma avaliação sobre nosso papel, que precisa ser feita continuamente.
Ao avaliar nosso papel, fazer com que a universidade comece a aprofundar seu papel de produzir um conhecimento de ponta, de ser a efetiva reserva da inteligência, do bom senso e do conhecimento no Paraná e no Brasil.
Esse não é um problema da universidade, e sim da sociedade. A sociedade brasileira nos últimos meses demonstrou uma agudização da intolerância e uma incapacidade de discussão. E a universidade nesse contexto tem que ser um guia para a sociedade, ser uma reserva com bom senso, às vezes para lembrar o básico, a necessidade da importância do respeito às opiniões dos outros e do pluralismo, o não ao dogmatismo.
Quando falo de programas de pós-graduação nota seis e sete é disso que falo. Porque são esses programas que têm essa capacidade. Tem um conjunto de possíveis medidas para chegar a isso. Uma primeira coisa é colocar dois pesquisadores efetivos na condução da universidade. Eu e a professora Graciela somos pesquisadores do CNPq, temos uma história dentro das agências de fomento e de avaliação e na pós-graduação.
Temos que jogar todas as fichas na internacionalização responsável, na atenção e no suporte aos programas de pós-graduação para que se consolidem e evoluam. Tudo isso tendo como pano de fundo a consciência de quão diversificadas são as áreas do conhecimento que compõem a universidade. Não existe uma régua para medir toda a ciência produzida pela universidade.
As ciências humanas se ressentem muito de serem medidas com a régua das ciências duras. As próprias ciências duras têm especificidades que precisam ser respeitadas. Precisamos investir no suporte aos programas, na internacionalização.
Temos que mobilizar recursos para estabelecer pontes com áreas do conhecimento que sejam estratégicas. Não podemos fazer um fomento cego para atravessar fronteiras territoriais. É preciso uma prospecção responsável e madura para saber onde as pontes sejam proveitosas. Não adianta ter uma internacionalização de fachada. Não é só uma troca formal de professores. Temos que ter doutorados em cotutela, periódicos em conjunto.
Nós precisamos ter um mecanismo institucional de prospectar parceiros institucionais estratégicos e reconhecidos, a partir das nossas características, bem como prospectar, de modo eficiente, editais em agências nacionais e estrangeiras que possam financiar as pontes com parceiros internacionais.
Queremos criar mais uma reitoria, separando a pró-reitoria de pesquisa em graduação em duas. Queremos dar um salto como como a UFMG deu um salto alguns anos atrás. Um projeto de universidade, que não é um projeto de poder pessoal. Houve um avanço que fez com que do ponto de vista da pesquisa e da extensão talvez seja a federal mais importante do Brasil.
Em primeiro lugar a questão das cotas não tem que ser discutida, é implementada por lei. O Supremo Tribunal Federal testou a constitucionalidade e existe uma lei vigente. O debate sobre a existência das cotas está vencido. Temos agora que discutir qualidade e cidadania. Temos que ter racionalidade pública. Estar atentos a um contexto social e político que vivemos, e que é profundamente desigual. A universidade não pode ser indiferente a isso. O papel de inclusão é um papel irrenunciável.
A universidade tem uma série de políticas, inclusive com essa gestão, que implantou políticas para refugiados e indígenas. Mas não temos que nos preocupar apenas com o ingresso, e sim com a manutenção digna dessas pessoas dentro da universidade. Não adianta só cumprir a lei. Temos que ter uma política de inclusão estudantil muito mais eficiente. Temos que ter preocupação crescente com o nivelamento dos cotistas. Minha experiência mostra que esse eventual desnível com o tempo decresce bastante.
É um problema estrutural cujo debate perpassa muitas complexidades diferentes. Somos herdeiros de um passado. O Hospital de Clínicas precisa aprofundar e retomar com mais força o seu papel de hospital-escola. E acho que a adesão à Ebserh, que comanda o hospital, tem que ser reavaliada a partir desse horizonte, de manter o caráter de hospital-escola. Nós não somos um mero prestador de saúde que não atenda as necessidades formativas do profissional de saúde. E não podemos colocar em questão a racionalidade pública dos serviços prestados na universidade.
Hoje temos um contexto complexo com mais de 800 contratados pela Funpar. Afirmo com força que temos que olhar com atenção para a manutenção desse contingente. Temos muitos funcionários estatutários e temos esse contingente novo muito valoroso da Ebserh. E isso cria desafios novos para hospital.
E existe o desafio do financiamento do hospital, que vai envolver gestões políticas dentro do arco do SUS. E isso pressupõe uma relação com o município, com o estado e com o governo federal. A gente precisa aumentar as intervenções de alta complexidade, porque isso é fundamental para o financiamento. E resolver com a maior emergência possível as carências mais básicas do dia a dia. Eu considero a gestão do HC o maior desafio da próxima gestão da reitoria.
Acho que é uma obrigação da administração pública rever seus atos quando houver problemas jurídicos formais. O que eu digo é que temos que ver até que ponto os compromissos legais assumidos foram cumpridos. E isso vai ser reavaliado.
Temos um problema crônico e agudo de burocratização dentro da universidade. Sistemas que muitas vezes não conversam entre si. E sistemas e práticas que às vezes jogam contra não só as pessoas mas contra a própria fluidez dos serviços. Precisamos de uma revisão disso. Esse exemplo da progressão funcional é emblemático; tem que juntar muitos documentos, às vezes da própria universidade, e isso demora meses.
Eu quero registrar a minha surpresa de tendo há tanto tempo essa reserva de inteligência a gente ainda não ter sido capaz desse salto. Vamos investir pesadamente na construção de sistema que sejam amigáveis e que façam com que os processos fluam. Mas queria fazer um adendo. Tudo isso tem que estar a serviço de uma ideia de universidade. É um meio, não um fim.
Eu acho que cada administração responde aos desafios do seu tempo. Estamos numa universidade, não no centro acadêmico. Temos que ter uma avaliação adulta e serena do que foi feito e do que se deixou de fazer. Nunca fiz parte do grupo político do professor Zaki, embora tenha relações as mais cordiais com ele. Apesar dessa minha excelente relação com ele, óbvio que sendo eu uma pessoa diferente e de um grupo político autônomo, penso a universidade de uma maneira diferente. Tenho críticas ao professor Zaki. Acho que ele fez o que pôde dentro da concepção de universidade dele, mas proponho essa renovação, proponho novas ênfases. Mas falo isso sem uma atitude juvenil, e sim com um espírito institucional.
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