O presidente da OAB, Beto Simonetti, que proferiu fala dura contra os abusos do STF.| Foto: Carlos Moura/SCO/STF
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No começo do mês, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Beto Simonetti, fez críticas contundentes a abusos do Supremo Tribunal Federal (STF) em um evento voltado a jovens advogados, marcando uma mudança de tom em relação à postura tímida do órgão nos últimos anos na defesa das prerrogativas da advocacia.

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“O Supremo tem que deixar o Brasil seguir adiante", afirmou. “A diferença entre o remédio e o veneno é a dose. Jamais permitiremos ou apoiaremos que envenenem a nossa democracia sob o bom propósito de curá-la."

O presidente da OAB já vinha ensaiando uma mudança de atitude em relação ao STF desde o fim do ano passado, mas acontecimentos recentes culminaram na adoção de um discurso mais incisivo. Juristas consultados pela Gazeta do Povo enxergam três razões principais para essa mudança: o ataque a medalhões da advocacia; a iminência das eleições internas da OAB; e a maré anti-Moraes na opinião pública.

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Pegou mal mesmo entre advogados alinhados com a visão de mundo predominante no Supremo, por exemplo, a forma como o ministro Alexandre de Moraes tratou o criminalista Alberto Toron, um medalhão da advocacia, cortando uma fala sua em uma sessão do Supremo no começo de abril. A discussão se deu após Moraes impedir a sustentação oral do advogado Gustavo Mascarenhas em um julgamento na Primeira Turma.

Moraes tem negado reiteradamente a sustentação oral de advogados de defesa em casos relevantes, usando o regimento interno do Supremo como justificativa. Toron, que é membro do conselho federal da OAB, argumentou com base em uma lei de 2022 que a fala do advogado era permitida. Moraes interrompeu com rispidez a intervenção de Toron.

O advogado Emerson Grigollette, especialista em Direito Digital, que há anos vem sendo vítima de um dos principais abusos do Supremo contra a advocacia nos últimos – a falta de acesso na íntegra aos autos dos processos dos inquéritos do STF –, ressalta que os abusos "finalmente estão acertando os grandes", o que explica o interesse repentino da OAB em combatê-los.

"O nível de arbitrariedades e de ilegalidades tem sido tamanho que passou a atingir todo mundo", diz. Ele é cético, contudo, em relação a efeitos práticos dessa sinalização recente da OAB.

"Vislumbro isso muito mais como uma questão política eleitoral da própria ordem, porque sobretudo os grandes escritórios têm uma gama de advogados muito grande, e isso impacta diretamente nas eleições. A partir do momento em que a OAB toma a frente e ajuda esses advogados, obviamente eles vão ter uma preferência, inclusive, no cenário eleitoral. É uma questão muito mais eleitoreira do que qualquer outra coisa", afirma.

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Para Grigollette, a própria PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que Simonetti está propondo para garantir a sustentação oral de advogados sinaliza o caráter eleitoreiro da reação. "E a legislação que já existe e que não vem sendo cumprida? É fato que a OAB não tomou nenhuma medida judicial contra isso. Não impetraram o mandado de segurança, não tomaram nenhuma medida jurídica em relação a essa questão, para nenhum dos advogados, nem para os grandes. Do que adianta uma PEC para tratar desse tema com a ampla e farta legislação que a gente já tem? Pode criar quantas leis forem, porque, se a lei não for cumprida, vai ser mais uma lei morta. Vejo isso muito mais como uma questão eleitoral, de vender uma imagem."

Rodrigo Marinho, mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, diz que a forma como a atuação de Moraes tem impactado os grandes advogados, especialmente na questão da sustentação oral, foi um divisor de águas na mudança de tom da OAB. "Até hoje os advogados não conseguem a cópia dos autos [nos inquéritos do STF], não conseguem ter acesso ao processo, não conseguem fazer sustentações orais presenciais em casos criminais. Isso tudo é só parte do problema. Há uma reação muito forte a isso, que começa a acontecer pela mudança do cenário político."

Mudança na opinião pública favorece reação

Para Jorge Casagrande, advogado especialista em compliance, a decisão da OAB de adotar uma postura mais firme contra o STF se deve também a uma gradual mudança de percepção entre os próprios advogados sobre os abusos do Supremo, especialmente os "advogados militantes, de base".

"O STF tem sido exacerbadamente rigoroso ultimamente, o que tem incomodado bastante os advogados, principalmente aqueles que não estão tão perto do poder, que não podem marcar um cafezinho com os ministros", diz. "Estamos vendo uma mudança geral na percepção dos advogados militantes sobre o que é aceitável ou não quando falamos do tratamento e respeito a liberdades individuais pelas autoridades."

Casagrande também atribui a mudança à proximidade das eleições da OAB. "A verdade é que os advogados da base geralmente veem os mesmos líderes sendo eleitos, e estão cansados da falta de ação e da conivência com o autoritarismo, com as rupturas institucionais e constitucionais. Isso está mudando a forma como eles veem a liderança da ordem tanto nacionalmente quanto nas seccionais", comenta.

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Marinho sugere que a Janela de Overton está se abrindo dentro do campo jurídico brasileiro. "Algo que era impensável para a ordem dos advogados do Brasil, que era fazer uma crítica pública ao Supremo Tribunal Federal, passou a ser politicamente viável", afirma. Para ele, as recentes declarações do empresário Elon Musk sobre a situação do Brasil encorajaram a discussão sobre o assunto em todas as esferas.

Ele não descarta, contudo, a possibilidade de mero interesse eleitoreiro, já que a crítica feita por Simonetti é só "pontual e não endereça todos os problemas dos advogados que têm suas prerrogativas violadas nos inquéritos". "Essa pauta é popular para os advogados, principalmente a ideia da sustentação oral", afirma. "Isso acaba gerando uma pressão. Por óbvio, a [iminência da] eleição gera busca por popularidade, a busca por crescimento eleitoral por parte do presidente Beto Simonetti, para conseguir eleger o seu sucessor."

As eleições para o comando da OAB no triênio 2025-2028 ocorrem em janeiro de 2025. Em dezembro de 2024, ocorrem as eleições para as seccionais da Ordem, isto é, para seu comando nas diferentes unidades federativas.

Brigas entre OAB e Moraes vêm desde novembro do ano passado

Os desentendimentos entre a OAB e o ministro Alexandre de Moraes, do STF, têm aumentado ao longo dos últimos meses.

O primeiro momento de tensão ocorreu em novembro passado, quando Moraes negou a possibilidade de sustentação oral durante um recurso envolvendo um caso de contrabando de cigarros. A decisão provocou uma reação imediata da OAB, que emitiu uma nota expressando preocupação com a possibilidade de "flexibilização ou supressão do direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa".

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O conflito se agravou durante um julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ainda em novembro, em que Moraes também negou sustentação oral e fez uma ironia quanto à possibilidade de críticas nas redes sociais. "A OAB vai lançar outra nota contra mim, vão falar que eu não gosto do direito de defesa. Vai dar mais uns 4 mil tuítes dos meus inimigos", disse.

O caso recente com o advogado Alberto Toron acentuou a tensão e, pela primeira vez, provocou uma reação mais contundente e estruturada da OAB, que começou a se mobilizar para apresentar a chamada "PEC do Devido Processo Legal". A OAB diz que a proposta busca garantir o direito de sustentação oral nos tribunais superiores, evitando as limitações que possam ser impostas pelo regimento interno.

Em meio a embate, documento revela que OAB solicitou ação de Moraes contra advogados conservadores

Em meio às tensões da OAB com o Supremo, o documento divulgado pelo Congresso americano na semana passada sobre os abusos do STF no Brasil, expondo decisões de Moraes, revelou que o Conselho Federal da OAB (CFOAB) pediu recentemente a censura de outro conselho de advogados, a Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil (OACB).

No começo de 2023, a OAB nacional acusou a OACB de promover ações que colocariam em risco o Estado Democrático de Direito. Segundo a representação da OAB, a OACB estaria usando suas plataformas em redes sociais para incentivar protestos e acampamentos diante de instalações militares, além promover um discurso antidemocrático.

Baseado nesses argumentos, o ministro Alexandre de Moraes, em decisão datada de 28 de fevereiro do ano passado, optou por suspender as garantias individuais de membros da OACB.

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Para a consultora jurídica Katia Magalhães, deve-se evitar a ilusão de que a OAB está do lado da liberdade de expressão. O caso da OACB é uma evidência disso.

"É aterrador constatar que a OAB não apenas se tornou uma entidade aparelhada pela esquerda e prosélita – fato notório há anos –, como também se converteu em apologista do autoritarismo censor contra opiniões divergentes daquelas repetidas nos 'mantras' de seus membros. Atentado à honra e à dignidade da nossa profissão reside na afirmação, por parte da Ordem, sobre a suposta 'necessidade de repressão' às tais notícias falsas, o que configura, em português explícito, a defesa da repressão, o ataque à liberdade de expressão pela qual todo o causídico deveria zelar, e a 'elevaçã'” do braço togado estatal à condição de parâmetro único de definição do que seria 'verdadeiro ou fake'", comenta.