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Quando o Gabriel nasceu eu me sentia quase uma especialista em bebês. Já havia lido vários livros, revistas e assistido a programas específicos. Enquanto ele crescia, novas questões surgiam, mas tudo era facilmente esclarecido pela família ou pela pediatra dele. Até o dia em que não consegui mais tirar minhas dúvidas. Ele passou a ter um comportamento curioso. Uma das coisas marcantes foi seu grande interesse por letras e números, até hoje seu brinquedo favorito. Antes dos dois anos, já lia o alfabeto e era tão detalhista que todas as letras tinham de estar bem alinhadas e escritas na sequência correta. Também ensaiava escrever por conta própria suas primeiras palavras. Todos se perguntavam se ele era superdotado. Pela cidade queria ditar os caminhos, pois já havia decorado todos os percursos feitos.

Quando pedia para mamar dizendo "você quer mamar", achávamos engraçado. A cada dia escolhia um objeto para carregar, fosse um brinquedo ou um tubo de pasta de dente. Cantava músicas de filmes, comerciais e reproduzia grandes trechos de diálogos dos seus personagens favoritos, com entonações de voz diferentes. Uma época, fechava todas as portas e gavetas que encontrava abertas. "Ele vai ser muito organizado", pensávamos. Um dia, na escola, não o deixei fechar uma porta. Foi a primeira vez em que ele perdeu o controle. Apesar de não serem muito frequentes, essas situações eram perturbadoras. Se contrariado, ele gritava e dava tapinhas na própria cabeça. Quando foi sugerido que eu o levasse a um especialista, quase me senti ofendida. Mas o fato de ele se isolar e ignorar outras crianças me preocupava e, depois de um tempo, resolvi investigar. Quando ele fez 3 anos ouvimos a palavra autismo pela primeira vez. Foi um susto!

Tivemos orientações erradas, crises familiares e momentos de desespero, especialmente durante os ataques de raiva. Como os médicos não conseguiam responder todas as nossas dúvidas, passamos a estudar e mudamos uma série de comportamentos. Quando a família mudou a maneira de tratá-lo – não como uma criança comum, mas considerando suas particularidades – ele conseguiu grandes avanços (ver quadro ao lado).

Hoje ele tem 3 anos e 9 meses, e é provável que seja asperger (os médicos ainda não definem nessa idade). Ainda tem dificuldades para agarrar uma bola que é jogada para ele ou construir frases próprias, por exemplo. Mas olha nos olhos, cumprimenta as pessoas, não tem crises de raiva nem se autoagride. Além de estar mais carinhoso e atento do que nunca.

Até agora tudo foi conseguido sem medicação. Ele deve trocar a escola por uma clínica para tentarmos novos progressos. Mas por tudo o que passamos, ficou muito claro que o que mais o Gabriel e essas crianças precisam é de uma família e escola esclarecidas, muita paciência e amor.

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