O bilionário sul-africano Elon Musk ameaça suspender o acordo de aquisição do Twitter, uma das maiores redes sociais do planeta. A razão seria a falta de provas de que apenas 5% dos usuários seriam contas falsas, os assim chamados “bots”, ou robôs. Pesquisas mostram que essas contas “fake” podem ser até quatro vezes mais do que diz o Twitter, e engana-se quem pensa que a preocupação de Musk seria apenas com “fake news” ou liberdade de expressão. Na verdade, é econômica: como o principal ativo da rede social é a sua influência social e política, principalmente junto à imprensa, a comprovação de que os assuntos podem estar sendo distorcidos pelos bots reduz bastante o preço do Twitter. Mas, independentemente dos interesses de Musk, os bots afetam a liberdade de expressão?
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Os bots são “um pedaço de código que imita a interação humana online”, na definição de Tamer Hassan, CEO da Human Security, agência especializada em defesa de ataques digitais. Tirando os perfis robotizados oficiais – aqueles que prestam algum tipo de serviço e quem os segue sabe que não são humanos –, os bots disfarçados de pessoas comuns têm sido usados não apenas para engrossar o número de seguidores de algumas contas, mas para coordenar ações em diferentes perfis para divulgar mensagens nem sempre verdadeiras ou até cometer crimes.
Quando se fala em bots e liberdade de expressão, devem ser excluídas contas inativas, propagadoras de malware (softwares maliciosos), praticantes de phising (roubo de dados) e os “bots do bem”. O debate recaí sobre a coexistência de usuários comuns com contas que estariam espalhando desinformação nas redes para beneficiar ou prejudicar políticos, empresas e outros grupos de interesse. Um software que controla bots pode tuitar 1.500 mensagens por minuto, divulgando dados equivocados rapidamente, mudando hábitos, formas de avaliar um assunto ou fazendo com que as pessoas tomem decisões precipitadamente.
A grande questão que afeta a liberdade de expressão é avaliar se o Twitter é capaz de suspender bots sem cancelar ou censurar usuários comuns, pessoas reais com opiniões polêmicas, mas legítimas em um ambiente democrático. Em entrevista para o jornal Washington Post, Jameel Jaffer, diretor executivo da Knight First Amendment Institute na Universidade de Columbia, expressou a preocupação da adoção de medidas propostas por Musk, como a de obrigar que todos usem o nome real nas redes sociais, o que poderia impedir pessoas que vivem em governos totalitários de usar um pseudônimo para fazer críticas reais, sem sofrer represálias. Uma alternativa apontada na reportagem por Jafeer seria a identificação para o Twitter dos usuários na plataforma, mas não publicamente. Dessa forma, o Twitter ainda poderia “autenticar todos os humanos reais”, como Musk pediu, sem proibir o anonimato ou pseudônimo.
De acordo com Francisco Milagres, especialista em tecnologia e conselheiro de empresas, um outro elemento que deve ser pesado nesse equilíbrio entre censura e possibilidade real de difusão de mentiras em grande escala é o fato de pequenos grupos de viés progressista controlarem a informação. O Instagram, aponta ele, é um caso clássico desse controle. “O que atrapalha o debate hoje é o fato de as pessoas se informarem em bolhas de conhecimento dentro da rede social e tomarem decisões a partir disso”, diz. Nesse cenário, os bots potencializam o problema com seu comportamento automatizado, com filtros criados para influenciar principalmente grupos de indecisos ou desinformados.
Outro item que também atrapalharia a guerra contra o potencial nocivo dos bots - tentando ao mesmo tempo proteger a liberdade de expressão - é a atuação das chamadas agências de checagem, de viés progressista, que teriam o papel de definir se uma informação é verdadeira. Algumas mantêm seus próprios bots, como o "bot Fátima", da agência Aos Fatos.
Tais agências, no entanto, não são isentas – já foram questionadas e algumas condenadas por marcar notícias como falsas quando não o eram. A Aos Fatos, por exemplo, já foi condenada a pagar indenização a Revista Oeste após decisão da 41ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo. Isso demonstra o perigo de deixar nas mãos de um determinado segmento a tarefa de definir o que é verdade.
Para o conselheiro de empresas e fundador da startup Gonew, Anderson Godz, autor do livro a "Era das Contradições", hoje não existem apenas os 3 poderes como identificados por Montesquieu, mas atualmente seis, sendo eles: Executivo, Legislativo, Judiciário, Imprensa, Redes Sociais e o sexto seria a própria mobilização das pessoas representada por movimentos como Primavera Árabe e Black Lives Matter. Esse é o contexto em que essa discussão dos bots do Twitter está inserida. Assim as pessoas comuns têm mais vigias nas redes sociais. Isso representa uma equação não bem definida de quem deve atuar e como, quais as regras, quem seria o vigia desses vigias.
Ao mesmo tempo, Godz enxerga o que chama de “armaduras medievais digitais”: bots não identificáveis seriam perfis vestidos com uma armadura que os torna mais fortes e intocáveis e, assim, os excessos acabam ocorrendo. Nesse sentido, o sexto poder, de mobilizações - influenciado pelos bots -, utiliza-se de ferramentas do quinto poder, as redes sociais, para “esculhambar todos os outros quatro poderes”. E esses embates entre poderes estão no contexto dessa discussão. “O que acontece hoje é que as empresas e instituições não têm todo crédito que tinham e ao mesmo tempo são instigadas a se posicionar diante de vários conflitos do mundo. Isso tudo estaria num esquema maior em que não existe só um lado”, diz Godz.
O mundo ideal seria que apenas bots de desinformação fossem banidos. O que é muito difícil na prática. Mas se Musk, de fato, fechar a aquisição da rede social, impedir cancelamentos injustos de perfis, e promover um combate técnico aos bots maliciosos, algo já terá avançado na segurança e liberdade de expressão no Twitter.
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