Apelidado de "Catedral do Direito", o Supremo Tribunal Federal (STF) foi palco nesta terça-feira (26) de uma disputa de fé entre católicos e evangélicos no debate sobre o aborto de fetos com anencefalia. Relator da ação que permitirá ou não a interrupção da gravidez, o ministro Marco Aurélio Mello presidiu audiência pública na qual falaram representantes das entidades religiosas Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Igreja Universal do Reino de Deus, Associação Pró-Vida e Pró-Família, Católicas pelo Direito de Decidir e Associação Médico-Espírita do Brasil.

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A ala contrária à interrupção da gestação citou diversas vezes a história da menina Marcela de Jesus Ferreira que, apesar de ter sido diagnosticada com anencefalia, viveu 1 ano e 8 meses A mãe da menina, Cacilda Ferreira, estava no STF, assistiu a toda a audiência e tirou fotografias com religiosos favoráveis à manutenção da gravidez nesses casos. Para esse grupo contrário à interrupção da gestação, Marcela é a prova de que uma criança com anencefalia tem vida, possui um cérebro primitivo e pode sobreviver por meses após o nascimento. A ala teme que uma decisão favorável do STF à interrupção da gravidez abra brechas para a legalização de outras modalidades de aborto.

Mello sinalizou que reafirmará sua posição favorável ao reconhecimento do direito às mulheres que esperam fetos com anencefalia interromperem a gestação. Em 2004, ele concedeu uma liminar liberando o procedimento em todo o país. Indagado se tinha modificado sua convicção, ele disse que não. Ele previu que o plenário do STF julgará a polêmica até novembro.

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Os favoráveis à interrupção da gravidez disseram que a mulher tem o direito de escolher se quer manter a gestação de uma criança que viverá por pouquíssimo tempo ou se deseja interrompê-la. O bispo Carlos Macedo de Oliveira, da Igreja Universal, disse que deveria ser liberada a realização dos abortos. Depois de afirmar que a sociedade é tradicionalmente machista, o bispo defendeu que as mulheres têm o direito de decidir se querem ou não abortar um feto. Para o advogado Luiz Roberto Barroso, que defende a autora da ação, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), há dúvidas de que Marcela tinha de fato anencefalia.

Representante da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, o médico Rodolfo Acatauassú Nunes garantiu que Marcela não tinha cérebro. Ele disse que as crianças com essa anomalia podem ter algum nível de consciência. "A anencefalia não é o mesmo que morte encefálica, porque uma pessoa que respira sozinha e que é amamentada pela mãe sem precisar de aparelhos está viva", disse Nunes, que é professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. "Existem muitas reações desses bebês que não se explicam, por isso é necessária a cautela", afirmou.

Cacilda Ferreira, mãe da menina Marcela, afirmou que sua filha "sorria bastante, era muito carinhosa e se sentia feliz". Ela disse que cada segundo da vida de sua filha foi muito importante e que não se arrepende de ter mantido a gravidez.

Já a professora da PUC de São Paulo e socióloga Maria José Rosado, da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, disse que cabe a cada mulher resolver se quer ou não levar uma gravidez de anencéfalo adiante. Maria José leu a carta de uma mãe de Teresópolis, no Rio de Janeiro, que já tem uma filha com hidrocefalia e, na segunda gravidez, descobriu que esperava um feto com anencefalia. A carta foi enviada aos ministros do STF. A mãe tentou interromper a gestação, mas não conseguiu uma decisão judicial a tempo. A criança nasceu e morreu.

"Viver uma gravidez sem esperança é acordar e dormir no desespero", afirma a mãe na carta. "Nunca vou esquecer do caixão com a filha que me obrigaram a enterrar", disse ela. Representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o padre Luís Antônio Bento, rebateu: "É melhor oferecer a um filho um caixão do que uma lata de lixo."

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Apesar de dar sinais de que já tem o seu convencimento formado, Mello disse que o STF quer ouvir todos os lados antes de tomar a decisão. "O Supremo está atento às diversas óticas, mas decidirá acima de tudo sob o ângulo constitucional, tornando prevalecente a Constituição Federal, que a todos, indistintamente, submete", disse o ministro. "Entre a ciência e a Igreja, eu fico no meio termo, onde está a virtude", afirmou. O ministro disse que é necessário ouvir os anseios da população. "Os anseios em si da sociedade não podem ser simplesmente colocados em segundo plano. Eles são considerados. A visão do juiz é global, é a visão do conjunto", afirmou.

Quinta-feira (28), uma nova audiência pública sobre o tema será realizada no STF com representantes do Conselho Federal de Medicina, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, da Sociedade Brasileira de Medicina Fetal, da Sociedade Brasileira de Genética Clínica, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, os deputados federais José Aristodemo Pinotti e Luiz Bassuma e a professora de biologia molecular Lenise Aparecida Martins Garcia. Na próxima terça-feira (2), haverá uma audiência pública com representantes da sociedade.

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