Nos últimos 21 meses – desde o início de 2014 –, mais de mil mulheres foram estupradas em Curitiba, segundo levantamento da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp). Em média, são três novos casos a cada dois dias. Detrás dos números frios das estatísticas, estão mulheres que tiveram a vida mutilada por um crime repugnante e que lutam para superar o trauma e seguir adiante.

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CIC é o bairro que concentra mais casos

O Cidade Industrial de Curitiba (CIC) foi o bairro que concentrou o maior número de estupros, entre janeiro de 2014 e 30 de setembro de 2015. Segundo a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), 75 mulheres foram estupradas no bairro. O número equivale a 7% do total de registros deste crime na capital paranaense. Cajuru, Tatuquara, Boqueirão e Uberaba também enfrentam altos índices.

Segundo as autoridades, a maior parte dos crimes ocorre às escuras: no período noturno ou na madrugada, antes de o dia amanhecer (veja o gráfico). Muitas mulheres têm sido rendidas por estupradores a caminho do trabalho ou no retorno para a casa. De garotas mais jovens até senhoras, ninguém parece estar imune. Uma das vítimas atendidas pelo Núcleo de Apoio à Vítima de Estupro (Naves) tem 68 anos de idade.

Algumas das orientações são para que elas evitem transitar por ruas pouco movimentadas e que procurem caminhar em companhia de outras pessoas. Os especialistas reiteram a necessidade de registrar as ocorrências, como forma de combater o crime. “Muitas vezes, a mulher não registra porque as equipes policiais são, em sua maioria, formada por homens, e ela fica com vergonha de dizer que foi vítima de estupro. Por isso, há subnotificação”, disse a capitã Solange Tedeschi, da Polícia Militar (PM).

Para apoiá-las, em novembro de 2013, o Ministério Público do Paraná (MP-PR) criou o Núcleo de Apoio à Vítima de Estupro (Naves). Mais do que acompanhar as mulheres durante todo o curso processual, o grupo as acolhe, oferecendo suporte psicológico, médico e social, dentro de uma perspectiva mais humanizada.

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“O que motivou a criação do núcleo foi o sofrimento das vítimas. Queríamos tutelar essas mulheres, dando um apoio para que não restem sequelas emocionais. É claro que queremos a condenação dos autores, mas só a condenação não acaba com o sofrimento das vítimas. É preciso ir além”, observou a procuradora Rosângela Gaspari, coordenadora do Naves.

Por causa disso, o grupo não espera pelas vítimas: vai atrás delas. Assim que os casos são registrados pela Polícia Civil ou Polícia Militar, ou que vítimas são atendidas pelo Instituto Médico-Legal ou Hospital de Clínicas, esses órgãos avisam o Naves. O próprio núcleo entra em contato com as mulheres e passa a acompanhá-las, em atendimentos individualizados e sigilosos. No total, desde o início do projeto, foram 337 vítimas atendidas. Destas, 197 se referem a casos cujos inquéritos policiais foram instaurados após a criação do grupo.

Traumas

Invariavelmente, os crimes deixam marcas doloridas nas vítimas. Muitas mulheres se sentem culpadas por terem sido estupradas e/ou mantêm resistência em representar contra os estupradores. Por isso, o trabalho de acolhimento e convencimento é importantíssimo. O resultado já é palpável. Antes da criação do Naves, a média era de 11 denúncias oferecidas à Justiça por ano. Após o grupo ter saído do papel, já foram 52 denúncias em menos de dois anos.

“Nos casos em que a autoria foi reconhecida, temos 100% de sucesso, com os autores sendo processados, condenados e presos”, disse a promotora Elaine Munhoz Gonçalves.

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Além disso, o grupo criou um banco de retratos-falados, em parceria com a Delegacia da Mulher e o Instituto de Identificação. Imagens de estupradores feitos por peritos a partir do relato de vítimas são compilados e podem ajudar vítimas a identificar criminosos. “O estuprador tem conduta reiterada. Ele estupra hoje, dali seis meses, por exemplo, volta a estuprar. Nunca é um caso isolado”, apontou Rosângela.

Atendimentos ajudam vítimas a superarem traumas

O dia mal tinha amanhecido, quando Durvalina* esperava o ônibus para ir trabalhar, no bairro Cidade Industrial de Curitiba. Ela foi surpreendida por um homem armado, que a levou a um terreno baldio e a estuprou. A partir de então, viu sua vida desmoronar. O marido não aceitava o fato de a mulher ter sido vítima. Com o tempo, se separou dela. Durvalina* só se reergueu com apoio do Núcleo de Apoio à Vítima de Estupro (Naves).

“Ela conseguiu voltar a trabalhar, retomar a vida, encontrou um novo companheiro. Este trabalho pesou muito neste processo”, apontou a psicóloga Erica Angelina Cardoso Mendes.

“A culpabilização ainda é muito grande. Muitas vezes, a vítima chega com a sensação de que foi estuprada por estar usando determinado tipo de roupa. Isso precisa ser desmistificado”, apontou a delegada Iara Dechiche, da Delegacia da Mulher.

Cerca de 30% das vítimas acolhidas pelo Naves acabam aceitando o atendimento psicológico. Entre as mulheres que representaram criminalmente contra os estupradores, o índice sobe para 70%. Os atendimentos são feitos semanalmente, de acordo com o perfil da paciente. Este suporte tem sido decisivo para que vítimas consigam ter forças para, além de reconstituir a própria vida, enfrentar audiências e fazer justiça.

“Para nós [integrantes do Naves], também não é fácil. Muitas vezes, sentimos esse peso, principalmente sob o ponto de vista psicológico. Mas o que nos move é essa necessidade de fazer a diferença”, disse a promotora Elaine Munhoz Gonçalves.

*nome fictício

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]