O sistema de cotas aumentou o número de estudantes negros e pobres nas universidades, mas um problema ainda persiste: a falta de apoio à conclusão do curso. Muitos estudantes de famílias de baixa renda ainda têm de optar entre continuar na universidade ou largar os estudos para trabalhar. Neli Gomes da Rocha, 27 anos, um exemplo de cotista que deu certo, revela que quase abandonou o curso de Ciências Sociais. "Pensei várias vezes em largar, por causa do trabalho", conta Neli, que se forma em julho e ficou em primeiro lugar quando apresentou seu trabalho no Encontro de Iniciação Científica de 2008. "Isso é frequente entre cotistas, principalmente nos cursos integrais. Os alunos não podem trabalhar e não têm como pagar os gastos", diz.
Neli conta que conhece alunos que abandonaram a universidade por falta de recursos. "A evasão acontece porque os alunos não conseguem bancar", comenta. "Eles têm de escolher entre comprar livros ou comida. O problema não é nem o vestibular em si, o problema é sair", afirma. Na avaliação da estudante, cursos como as engenharias e Medicina são ainda mais difíceis para os cotistas. "Os cursos da área de Humanas são menos complicados, porque os alunos vivem de fotocópias. Mas na Engenharia Civil o aluno precisa comprar material caro e ainda trabalhar. Conheço alunas de Nutrição que largaram ou trancaram o curso para trabalhar", conta.
Para Milena Maria Costa Martinez, coordenadora do Grupo de Trabalho de Política Habitacional da Associação dos Professores da UFPR, é necessária a implantação de uma política de assistência aos estudantes. "O sistema de cotas não veio acompanhado de uma política de assistência estudantil", diz. "Os estudantes têm certa dificuldade de se manter na universidade e ter acesso a material pedagógico e científico. O processo de inclusão é muito amplo. Não é só entrar na universidade, é preciso dar condições. Fala-se tanto em inclusão social, mas veem a inclusão apenas como entrar na universidade. Como o aluno vai sair? Esses estudantes estão tendo algum acompanhamento?", questiona.
Renato de Almeida Freitas está no primeiro ano do curso de Direito. Veio de família pobre, sem condições de bancar escola particular. "Não há como um garoto pobre e negro sonhar com a universidade", relata. "Fiz o ensino médio em uma escola que não tinha professores de Química, Física e Inglês, onde traficantes entravam armados e tinha tiroteio toda semana. E as pessoas vêm falar em mérito? Que mérito há em chegar à universidade estudando em uma escola particular e tomando leite Ninho?", diz.
Quando conseguiu entrar em um cursinho pré-vestibular, Renato conta que chegou a ser colocado para fora por um segurança que o acusou de assistir às aulas de graça. Hoje, a relação com os colegas é normal. "A universidade está mais plural", avalia. Para ele, o maior ganho é poder simbólico. "As pessoas passam a ter imagens positivas e não mais somente aquela de que negros só servem para serem porteiros", afirma.
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