São 21 horas. Um grupo de nove homens, todos jovens, é deixado por uma Kombi em um descampado de Piraquara, na região metropolitana de Curitiba. Eles estão saindo do Centro de Triagem II, no complexo penal, para voltar à liberdade. No meio da noite fria, no entanto, alguns deles vão perceber que sua nova realidade não será fácil. Para muitos, a carona na Kombi, patrocinada pelo Estado, será a última ajuda que receberão. Daqui para frente, cada um terá de se virar como pode.
A unidade prisional fica na área rural de Piraquara. Eles são deixados em um lugar ermo. Sem nenhuma proteção, o vento torna a noite fria. De chinelos de dedos e de bermuda, eles não estavam prontos para enfrentar isso. Na verdade, não estão preparados para muita coisa.
A maioria não sabe nem o meio de transporte que irá usar para voltar para casa. Uns pedem um táxi, outros conseguem na hora um celular emprestado da reportagem e avisam os parentes. Os que sobraram vão de carona, sem saber muito ao certo o seu destino: "Me deixa ali pelo Centro de Curitiba".
Há dois mais afortunados. São os únicos cujas famílias foram até Piraquara buscá-los. As mães contam que foi um período difícil: sofreram, emagreceram, passaram humilhação nas visitas, choraram. No reencontro, rendem-se à emoção. Tudo o que esperam, agora, é não ter de voltar nunca mais à penitenciária. Os que não estão com a família por perto estão mais perdidos. Um deles, perguntado sobre o que vai fazer da vida a partir daqui, dá a medida exata da desorientação: "Moça, eu nem sei onde eu estou".
A falta de orientação e de ajuda para recomeçar a vida do lado de fora passa a ser o novo drama de quem está saindo da cadeia. E, por esses dias, em função do Mutirão Carcerário promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Paraná, há muita gente deixando a prisão. A ideia é rever processos e libertar quem estava na cadeia há mais tempo do que deveria.
Em um mês de trabalho, 592 presos foram libertados no estado. A todos eles, o Estado até dá auxílio, por meio do Patronato Penitenciário. Mas há o preconceito, a dificuldade de arranjar trabalho, a necessidade de se readaptar. E há o medo de cair de novo em erro.
Elton Aparecido Bastos, 28 anos, é um dos beneficiados pelo mutirão. Elton ficou cinco meses preso por "descuido" (furto) e recebeu liberdade provisória. Foi preso duas vezes e disse que retornou por causa de más influências. "É só fazer coisas erradas e vou cair aqui de novo." Quer ter uma nova vida, mas sabe do esforço grande pela frente. No Brasil, estima-se uma taxa de reincidência são altas (veja infográfico).
Elton pensa no filho de 7 anos, na oportunidade de trabalho como pedreiro, no término da construção da casa e, principalmente, em nunca mais decepcionar a mãe. "Minha mãe e meu irmão sempre tiveram uma vida certinha. Ela nunca tinha vindo na cadeia e quero agora dar alegria para ela", diz.
Oportunidade
Segundo o coordenador nacional do mutirão, o juiz federal Erivaldo Ribeiro dos Santos, é preciso dar oportunidade aos egressos. Ele reconhece que isso é difícil no modelo atual, com déficit de 180 mil vagas no sistema penitenciário. "Em presídio superlotado, não se consegue fazer curso de capacitação, de educação, alfabetização e muitos presos são analfabetos funcionais."
Porém Santos se coloca como um otimista. Ele é coordenador do Começar de Novo, do CNJ, de oportunidade de emprego a detentos. Em quatro meses, o projeto preencheu 330 vagas de trabalho em parceria com empresas e outras 344 para curso de capacitação. No Paraná, a próxima empresa a participar do programa será a Itaipu Binacional. O Departamento Penitenciário do Paraná (Depen-PR) também tem programas parecidos, de cursos profissionalizantes.
Para quem não está inserido em programas, o desafio é maior. Um ex-presidiário que prefere não se identificar conta que só recebeu uma oportunidade de emprego após falsificar o atestado de antecedentes criminais. O ex-presidiário, que ficou preso por cinco anos por roubos, reconhece que a falsificação foi um crime. "A pessoa quer sair do mundo do crime, mas não acha ninguém que abra as portas", reclama.
Quem tem apoio vai mais longe. Quando estava na prisão, em Minas Gerais, Cleubert Gualberto de Oliveira, 32 anos, já imaginava quais crimes iria cometer voltando às ruas. Foi preso de seis a sete vezes, não sabe ao certo, e diz que decidiu mudar de vida quando foi para a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, entidade voltada para a recuperação dos presidiários, com 57 unidades pelo país. Hoje Cleubert é colaborador da associação e está cursando o quinto período de Direito. "Quando saí, tive oportunidade para voltar ao mundo do crime. Não voltei."
"Escola do crime"
O presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná, Clayton Agostinho Auwerter, afirma que, apesar de não ser o ideal, o sistema pode trazer efeitos positivos. No entanto, afirma que a realidade é outra: "Uma unidade penal acaba sendo feita para depósito de preso e não para ressocialização", critica.
O professor da UniCuritiba Maurício Kuehne, diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) entre 2005 e 2008, diz que os problemas no Brasil estão na falta de estabelecimentos adequados, de pessoal treinado, de tecnologia e de conhecimento sobre quem são os presos.
O Estado também falha quando não acompanha o egresso, diz Kuehne. "No quadro brasileiro, o juiz assina o alvará de soltura. O preso sai sem dinheiro, com a roupa do corpo e vai fazer o quê? Não tem dinheiro nem para a passagem de ônibus", questiona. A resposta para essa pergunta ninguém tem. Muito menos os presos.
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Interatividade
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