Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade do sistema de cotas raciais para ingresso em universidades. Nesta quinta-feira (26), os ministros Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Rosa Weber, Luiz Fux, Carmen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello acompanharam o voto do relator, Ricardo Lewandowski, que se pronuciou favoralmente às cotas na quarta-feira (25). Neste momento, o presidente do STF, Carlos Ayres Britto, está justificando seu voto, mas já adiantou ser favorável às cotas.
O ministro Antônio Dias Toffoli não participou do julgamento, pois quando era advogado-geral da União se manifestou favoravelmente ao sistema das cotas.
Sem discriminação
O STF julgou que as políticas afirmativas não violam o princípio da igualdade e não institucionalizam, como defendeu o DEM, autor da ação julgada, a discriminação racial. Os dez ministros deram o aval para que universidades brasileiras reservem vagas para negros e índios em seus processos seletivos e afirmaram que as ações afirmativas são necessárias para diminuir as desigualdades. No caso específico julgado, o STF concluiu que a política de cotas estabelecida pela Universidade de Brasília (UnB) não viola a Constituição.
O mais aguardado dos votos foi dado pelo ministro Joaquim Barbosa, único negro a integrar o Supremo e que, na semana passada, disse ser vítima de racismo na própria Corte. "Na história não se registra na era contemporânea nenhuma nação que tenha se erguido da condição periférica à condição de potência política mantendo no plano doméstico uma política de exclusão, aberta ou dissimulada, pouco importa, em relação a uma parcela expressiva de sua população", afirmou Barbosa.
O ministro Luiz Fux, primeiro a votar na sessão desta quinta-feira, disse que é preciso reparar os erros do passado. "A construção de uma sociedade justa e solidária impõe a toda coletividade a reparação de danos pretéritos perpetrados por nossos antepassados", afirmou.
A ministra Rosa Weber afirmou que a disparidade racial no Brasil é flagrante e que a política de cotas não seria razoável se a realidade social brasileira fosse outra. "A pobreza tem cor no Brasil: negra, mestiça, amarela", disse. "Se a quantidade de brancos e negros pobres fosse aproximada, seria plausível dizer que o fator cor é desimportante", acrescentou.
Política temporária
Os ministros ressaltaram, no entanto, que a política de cotas deve ser temporária, até que essas disparidades sejam corrigidas. "As ações afirmativas não são a melhor opção, mas são uma etapa. O melhor seria que todos fossem iguais e livres", disse Cármen Lúcia.
O ministro Marco Aurélio Mello afirmou que a neutralidade estatal ao longo dos anos resultou em um fracasso. "Precisamos saldar essa dívida. Ter presente o dever cívico de buscar o tratamento igualitário", afirmou.
Apesar de votar favoravelmente às cotas, o ministro Gilmar Mendes ressaltou que a reserva de vagas para negros pode gerar situações controversas. Na opinião do ministro, o ideal seria que a ação afirmativa fosse baseada em critérios sócio-econômicos. "Aqui permite-se uma possível distorção. Pessoas que tiveram um desenvolvimento educacional adequado sejam convidadas a trilhar caminho facilitário das cotas", disse. "Ricos que se aproveitam da cota, pervertendo, portanto, o sistema", completou.
Ele classificou como caricatural o estabelecimento de um "tribunal racial" que define se o candidato é ou não é negro, podendo adotar critérios contraditórios. Para ele, esse órgão "está longe de ser infalível". Como exemplo, citou o episódio envolvendo gêmeos univitelinos: um foi considerado negro e o outro branco para a política de cotas.
Gilmar Mendes afirmou ainda haver problemas no Brasil em razão das dificuldades de acesso à universidade pública, em função das poucas vagas. Na UnB, por exemplo, são cerca de 50 vagas no curso de direito por turno. Uma saída, na avaliação do ministro, seria expandir o número de vagas no sistema público de ensino. Mas isso levaria à necessidade de uma dotação maior de recursos. "Se tivéssemos vagas em número suficiente, essa tensão praticamente não existiria", afirmou. Mendes criticou o fato de a política adotada pela UnB ser baseada em critérios puramente étnicos e defendeu uma revisão do modelo daqui a dois anos.
Também a favor da adoção das cotas, o ministro Cezar Peluso disse que o sistema "é um experimento que o Estado brasileiro está fazendo e que pode ser controlado e aperfeiçoado". "Com o diploma, de algum modo está se garantindo o patrimônio educacional", afirmou. "O que as pessoas são e o que elas fazem depende das oportunidades e da experiência que elas tiveram para se constituir como pessoa. O mérito é critério justo. Mas apenas para os candidatos que tiveram oportunidades".
Obama
O voto do relator Ricardo Lewandowski, na quarta-feira (25), foi interrompido diversas vezes por intervenções de Joaquim Barbosa. Ele citou o sucesso de políticas afirmativas nos Estados Unidos e disse que o presidente Barack Obama é o principal exemplo disso. O ministro fez observações sobre os que criticam a política de cotas: "Basta ver o caráter marginal daqueles que se opõem ferozmente a essas políticas".
ONU
Na quarta-feira, a Organização das Nações Unidas (ONU) reafirmou seu apoio à política de cotas raciais nas universidades brasileiras. Em nota, a organização disse reconhecer os esforços do Estado e da sociedade no combate às desigualdades.
"O Sistema das Nações Unidas no Brasil reconhece a adoção de políticas que possibilitem a maior integração de grupos cujas oportunidades do exercício pleno de direitos têm sido historicamente restringidas, como as populações de afrodescendentes, indígenas, mulheres e pessoas com deficiências", diz a nota.