Doze anos atrás, o operador de empilhadeira Juraci Esmerindo Pereira, de 43 anos, tinha um emprego totalmente analógico. Hoje, em busca de trabalho, ele tenta se reinserir em um mercado cada vez mais digital. "As fábricas estão muito modernas. Perdi muita oportunidade de crescer por não saber mexer com computador", conta.
Esse foi um dos motivos que levou Juraci a frequentar um curso gratuito de informática. Ao ter contato pela internet pela primeira vez, encontrou um mundo de possibilidades que se expandem muito além da busca por um emprego. O currículo, claro, foi devidamente publicado em sites de recursos humanos.
Em 2000, quando Juraci ainda era "analógico", a internet era acessada por 9,8 milhões de brasileiros menos de 6% da população. Pouco mais de uma década, o agora alfabetizando digital assiste às aulas com a intenção de se tornar parte de uma rede de quase 70 milhões de internautas. A tribo agora abrange 35% do país e a tendência é de conversão quase integral ao longo dos próximos dez anos.
Foi a década da informática no Brasil. O computador ruma para se tornar um item presente na maioria dos lares do país, tendo como obstáculo apenas a possibilidade de se tornar obsoleto antes de romper a marca, substituído por tablets e celulares inteligentes. O Censo 2010 apontou a presença de algum tipo de computador (desktop, laptop, notebook ou netbook) em 38% dos domicílios. Desses, três em cada quatro estão conectados à internet.
Barreira econômica
O avanço brasileiro foi ligeiramente superior à média do resto do mundo e, assim como ocorre globalmente, a penetração da internet obedece a padrões econômicos. Sul e Sudeste (46% e 48% são usuários, respectivamente) estão mais conectados que Norte e Nordeste (23% e 22% de usuários).
Por isso, analistas como Eduardo Tude, presidente da consultoria em telecomunicações Teleco, se apressam em frear a empolgação dos gráficos e lembrar que dois terços do Brasil ainda estão fora da web. "O crescimento rápido está associado à pequena quantidade de usuários que existia antes. As novas gerações estão acessando mais, porém ainda existe uma barreira muito grande a ser transposta", pondera.
Nesse contexto, o freio imposto pelas limitações econômicas é apenas parcial. A experiência brasileira mostra que a alternativa encontrada por jovens de baixa renda, que transformaram as lan houses em um fenômeno social, carrega em si uma fórmula de expansão nas classes baixas. "O dinheiro é um fator determinante para se ter a internet em casa, mas não para se tornar um usuário dela. Basta que as pessoas sejam apresentadas à tecnologia para começar a entender as possibilidades", avalia.
O cenário de amplo acesso se torna ainda mais plausível diante de um cenário de mudança tecnológica, em que a portabilidade passa a ser predominante. "O modelo de computador caseiro já está migrando para o serviço móvel. Hoje os celulares atingem quase toda a população e planos pré-pagos podem fornecer um acesso amplo e custo baixo", diz Tude.
Quanto maior a rede, mais rica é a experiência
Uma rede é tão forte quanto a quantidade de pessoas inserida nela. E quanto mais pessoas passam a adotá-la, mais rica é a experiência dos usuários inclusive dos que já estavam dentro anteriormente. Esses conceitos teóricos, que demonstram a importância da inclusão digital, qualificam a internet para se tornar tema de política de estado.
O filósofo francês Pierre Levy, um dos maiores estudiosos do impacto da internet na sociedade, ressalta que a revolução da web está ancorada na possibilidade de produção de conteúdo. "Isso gera uma inteligência coletiva e organizada em rede", analisa Antônio Luiz de Medina, doutor em Psicologia Social e professor nas Universidades Cândido Mendes e Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Em uma democracia, por exemplo, a decisão passa a ser influenciada não apenas por quem a toma, mas também pelos que serão afetados por ela. "No Brasil, vimos surgir grandes demandas a partir de mobilização via internet, como a criação da Lei da Ficha Limpa", cita Medina, que pesquisa o impacto da internet 2.0 na construção de representações sociais.
Para que essas possibilidades se tornem reais, o fator tempo é essencial. Além da penetração em todas as parcelas da população, a prática social consciente requer amadurecimento dos usuários nesse novo ambiente. "Esse é um processo histórico, mas que não tem retorno e tende a se acelerar cada vez mais", afirma Medina.
Ferramenta de ensino
A presença da internet na educação básica é um exemplo dessa falta de calibragem. "Os alunos bem novinhos já tem Facebook, porém quase não existe construção de conhecimento dentro de sala de aula usando essa conexão", aponta a pedagoga Dilmeire Vosgerau, professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e pesquisadora sobre formação de professores e tecnologias educacionais.
Ela compara a internet a uma biblioteca física. O uso está associado à pesquisa complementar à aula, uma experiência complementar e externa. "Tanto que nas escolas os computadores não estão nas salas e sim em laboratórios", lembra. "Para um uso pedagógico mais eficiente, o professor teria de desenvolver estratégias como publicar resultado de trabalhos, fazer blogs. São ferramentas de interação para o aprendizado. Mas para que isso aconteça precisamos de uma escola conectada", ressalva. (OT)