Ouça este conteúdo
O Itamaraty não assinou uma declaração internacional apoiada por 54 países na última sexta-feira (3) condenando recentes abusos contra os direitos humanos na Nicarágua. A omissão no posicionamento contra o ditador Daniel Ortega se soma a uma série de acenos que o governo Lula vem fazendo neste começo de mandato a ditaduras, incluindo Venezuela, Cuba e Irã.
A declaração foi assinada por membros do Conselho de Direitos Humanos (CDH) da Organização das Nações Unidas (ONU) e condena a decisão da ditadura da Nicarágua de privar vítimas da perseguição política de sua cidadania nicaraguense e de seus direitos políticos. Também pede que as autoridades “cessem as detenções arbitrárias e libertem todos os presos políticos, incluindo líderes da Igreja Católica”, e afirma preocupação com “a deterioração da situação dos direitos humanos dos povos indígenas e afrodescendentes na Nicarágua”.
No ano passado, durante as eleições presidenciais, a pedido da coligação de Lula, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) censurou uma postagem da Gazeta do Povo nas redes sociais que mencionava o apoio de Lula a Ortega. Apesar disso, o vínculo entre os dois está bem documentado.
Em 2021, em entrevista ao jornal espanhol El País, Lula defendeu ditaduras latino-americanas comparando seus líderes com figuras democraticamente eleitas do resto do mundo. “Por que Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder, e Daniel Ortega não? Por que Margaret Thatcher pode ficar 12 anos no poder, e Chávez não?”, questionou.
Omissão em relação a Ortega ocorre logo após aceno a ditadura do Irã
Outra polêmica envolvendo a relação de Lula com uma ditadura ocorreu no final da semana passada, quando o governo do petista autorizou dois navios de guerra iranianos a atracarem no Rio de Janeiro. A decisão tem sido questionada e tratada como um erro pelos Estados Unidos. Como relata o jornalista Leonardo Coutinho em sua coluna na Gazeta do Povo, o regime iraniano pode estar aproveitando o retorno de Lula para usar o Brasil como trampolim para provocar os Estados Unidos.
Antes da autorização, a embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, Elizabeth Bagley, chegou a fazer uma apelo para que não houvesse a autorização para ancoragem dos navios de guerra do Irã. “Esses navios, no passado, facilitaram o comércio ilícito e atividades terroristas e já tiveram sanções da ONU (Organização das Nações Unidas). O Brasil é um país soberano, mas acreditamos fortemente que esses navios não deveriam atracar em qualquer lugar”, disse ela.
O regime iraniano tem um histórico de boas relações com a esquerda latino-americana, especialmente com a Venezuela. O ex-ditador venezuelano Hugo Chávez e o ex-presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad chegaram a estabelecer uma cooperação para o desenvolvimento de um programa nuclear na Venezuela, no final da década de 2010.
O governo Lula recebeu Ahmadinejad no Brasil em 2009; meses depois, Lula foi recebido no Irã pelo líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei, que ocupa até hoje o cargo.
Um porta-voz do Departamento de Estado norte-americano afirmou que a decisão do governo Lula sobre os navios de guerra iranianos passa a mensagem “errada”. “Até o momento, o Brasil é o único país do nosso hemisfério que aceitou um pedido de atracação”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo.
O senador Ted Cruz, do partido Republicano, pediu sanções ao Brasil. “A administração Biden é obrigada a impor sanções relevantes, reavaliar a cooperação do Brasil com os esforços antiterroristas dos EUA e reexaminar se o Brasil está mantendo medidas antiterroristas eficazes em seus portos. Se o governo não o fizer, o Congresso deve forçá-los a fazê-lo”, disse Cruz em nota.
Governo Lula tem estreitado laços do Brasil com a ditadura da Venezuela
Logo no primeiro mês de seu governo, em janeiro, na 7ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), Lula defendeu o estreitamento das relações com o ditador Nicolás Maduro, da Venezuela, e anunciou que reataria os laços diplomáticos com a ditadura. A relação com Maduro havia sido suspensa durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas o governo petista já enviou uma missão diplomática brasileira a Caracas.
“O Brasil vai restabelecer relações diplomáticas com a Venezuela. Nós queremos que ela tenha embaixada no Brasil e que o Brasil tenha embaixada na Venezuela. Vamos restabelecer a relação civilizada entre dois estados autônomos, livres e independentes”, afirmou Lula em janeiro. “O problema da Venezuela a gente vai resolver com diálogo, não com bloqueio. A gente vai resolver com diálogo e não com ameaça de ocupação. A gente vai resolver com diálogo, não com ofensas pessoais”, acrescentou. Cumprindo essa promessa, o governo Lula autorizou no próprio mês de janeiro a nomeação do novo embaixador da Venezuela no Brasil, Manuel Vadell Aquino, indicado por Maduro.
Lula ainda fez críticas ao ex-presidente interino da Venezuela Juan Guaidó, que era reconhecido pela comunidade internacional democrática. “Eu vejo muita gente pedindo compreensão a Maduro, e essas pessoas esquecem que eles fizeram uma coisa abominável para a democracia, que foi reconhecer um cara que não era presidente, não foi eleito, que foi Guaidó. Esse cidadão ficou vários meses exercendo o papel de presidente sem ser presidente. E eu fico me perguntando: quem é que está errado?”, comentou.
Em entrevista ao jornal O Globo, Guaidó afirmou que Lula “presta um grande desserviço à democracia ao não se posicionar frontalmente em defesa dos direitos humanos e, por consequência, da democracia”. “Se o ataque ao parlamento brasileiro é deplorável, o ataque ao Congresso venezuelano por parte de Maduro também é deplorável”, disse. “Um presidente com 24 dias de governo que minimiza ou não se pronuncia sobre a crise humanitária mais severa já vista no continente, pior do que em nações que vivem guerras, como a Síria e a Ucrânia, não entende a Venezuela”, comentou o venezuelano, cujo governo interino foi dissolvido pela própria oposição em dezembro de 2022.
Animado com a nova situação, Maduro sinalizou recentemente que pretende inserir a Venezuela no grupo de países interessados em adotar uma moeda comum na América do Sul. “Anuncio que a Venezuela está pronta e apoiamos a iniciativa de criar uma moeda latino-americana e caribenha”, disse. A ideia da criação de uma moeda comum sul-americana foi defendida por Lula e o presidente argentino Alberto Fernández em janeiro.
Lula também teve encontro com ditador cubano
Em 24 de janeiro, também na Celac, Lula teve um encontro com o ditador de Cuba, Miguel Díaz-Canel, em Buenos Aires, na Argentina. O petista chegou a compartilhar nas redes sociais uma foto ao lado de Díaz-Canel e escreveu: “O Brasil restabelecendo suas relações diplomáticas no mundo”.
Lula aproveitou a ocasião para propor o fim do embargo econômico contra Cuba imposto pelos Estados Unidos. "Que se acabe o bloqueio a Cuba, que já dura mais de 60 anos sem nenhuma necessidade. Os cubanos não querem copiar o modelo brasileiro ou dos Estados Unidos, querem fazer o próprio modelo. E quem tem a ver com isso? Portanto, tem que tratar Venezuela e Cuba com muito carinho e, naquilo que pudermos ajudar a resolver seus problemas, nós ajudaremos", disse.
Em 2021, em uma entrevista concedida ao jornal espanhol El País, Lula relativizou a repressão aos protestos ocorridos em Havana contra a ditadura cubana. “Essas coisas acontecem no mundo inteiro. A polícia bate em muita gente, é violenta”, disse. “Você não viu nenhum soldado em Cuba com o joelho em cima do pescoço de um negro, matando ele”, acrescentou, em referência ao assassinato de George Floyd nos EUA.
Após a morte de Fidel Castro, em 2016, Lula o chamou de “maior de todos os latino-americanos” e disse que o cubano “foi sempre uma voz de luta e esperança”, que animou “sonhos de liberdade”. Afirmou ainda que manteve com o ditador “um relacionamento afetuoso e intenso, baseado na busca de caminhos para a emancipação de nossos povos” e disse que sentia sua morte “como a perda de um irmão mais velho”.