Em prol da viabilização do cultivo da maconha em larga escala no país, deputados e especialistas no tema participaram de uma reunião virtual nesta terça-feira (1.º). A questão central de discussão foi a proposta de substitutivo, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), ao projeto de Lei 399/2015.
Além de o substitutivo não ter parecer apresentado ou aprovado em comissão especial, foram excluídos do evento técnico inúmeros representantes que têm relação com o assunto como, por exemplo, a própria Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Teixeira também recusou sugestão do deputado Diego Garcia (Pode-PR) para incluir no evento figuras como a ministra Damares Alves, a secretária da Família, Angela Gandra, o secretário do Ministério da Saúde, Raphael Câmara, além de outros especialistas.
O substitutivo tem sido visto como tentativa de manobra para viabilizar o cultivo da Cannabis com finalidades que extrapolam o uso exclusivamente medicinal da planta. O documento ampara, por exemplo, o "uso medicinal irrestrito" e uso não medicinal, sob critério único que, em sua fórmula, produtos precisam apenas ter teor inferior a 0,3% do chamado Tetrahidrocanabinol (THC), componente responsável pelos efeitos psicoativos imediatos da maconha. A planta possui mais de 400 componentes e, entre eles, há outros que podem possuir efeito psicoativo, incluindo o próprio canabidiol.
Quase a totalidade das pessoas que tiveram oportunidade de falar no evento manifestou apoio ao cultivo da maconha no Brasil. Houve defesa do plantio domiciliar da planta, da flexibilização do teor de THC nos medicamentos e da melhora econômica, com geração de emprego e renda, em decorrência da aprovação do cultivo da Cannabis no país. Assista à integra da reunião aqui.
Confira algumas colocações de participantes do evento virtual sobre cultivo da maconha:
William Dib, ex-diretor presidente da Anvisa: "A Anvisa avançou no tema com um custo excessivamente alto e exigências difíceis de serem cumpridas. Foi um grande avanço, mas não foi o ideal. Se aprovada, essa será uma das melhores legislações do mundo. Vai levar segurança, qualidade e tranquilidade para empresas poderem produzir e comercializar. E vai dar mais acesso à população".
"Deveríamos dar as mãos para aprovar esse projeto. O Brasil terá outra história para ser contada depois da aprovação. Torço para que a pandemia permita, o mais breve possível, a análise dessa proposta no Plenário, e sei que o presidente Rodrigo Maia tem interesse nisso".
Maria de Carvalho, presidente da CULTIVE: "É inegável a transformação que a maconha fez na vida da minha filha. Melhorou, entre outras coisas, a questão cognitiva, hoje minha filha está se alfabetizando, por exemplo. Sem a maconha, não sei se eu teria minha filha aqui hoje [...]. O THC também deve ser flexível".
"Não podemos esquecer que há pessoas que lutam pelo direito de cultivar a maconha em casa. E no projeto, o autocultivo não foi contemplado. Não podemos servir de massa de manobra para enriquecimento dos grandes e para o aumento do encarceramento. Isso [não incluir o autocultivo] seria excluir quem já era excluído do debate e tornar invisível quem não tem acesso [ao medicamento]".
Liane Pereira, mãe de paciente que utiliza medicamento à base de Cannabis: "A regulamentação não trará prejuízos. Nos países em que foi liberada, [a maconha] só trouxe movimentação de mercado, gerou mais renda, empreendimento. Dizer que [a regulamentação do cultivo] aumentará consumo da droga é muito triste".
"Quem quer usar já está usando, não é a lei que vai aumentar o consumo. Precisamos que os médicos prescrevam sem ter medo. O THC fez a diferença na vida da minha filha [...] enquanto muitos dizem que [a substância] é tóxica".
Margarete Santos, coordenadora da Apepi: "Precisamos desconstruir muita mentira que foi construída em cima da planta. É impossível ser contra [a regulamentação do cultivo] quando você entende de verdade a questão".
Pedro Zarur, presidente da Abracannabis: "O próprio ato de cultivar é terapêutico. Traz qualidade de vida para as pessoas. A falta de regulamentação do cultivo doméstico [da Cannabis] é omissão que deixa as pessoas que cultivam para si na marginalidade, sujeitas a constrangimentos".
Janicleide, representante da Federação de Amor-Exigente: "Meu filho passou a fumar maconha por ter dores de cabeça. As pessoas disseram que ele deveria fumar para melhorar. Desde então, ele teve surtos psicóticos, foi internado e diagnosticado com esquizofrenia pós-uso de maconha. Ele também passou a usar outras drogas, como crack e cocaína. E, no último dia das mães, ele faleceu".
"O que me preocupa é que o Brasil não está preparado para o uso apenas medicinais. O brasileiro sempre dá um jeito de fazer gambiarra com tudo pra se favorecer financeiramente. Quem terá o poder sobre o plantio poderá usar isso pra traficar; por que não? Não somos a favor [do projeto de lei] porque não estamos preparados para lidar com crises decorrente do uso da maconha, além de não termos disponibilidade de internação pela rede publica. Vocês que defendem [o cultivo da planta] ainda têm o filho do lado. A mim, só me resta carregar a foto do meu filho".
Diego Garcia, deputado pelo Podemos/Paraná: "O deputado Paulo Teixeira não aceitou os nomes que sugeri para participar do debate, como o secretário nacional de políticas sobre drogas e outras entidades que agregariam muito à discussão. Muitas famílias que têm filhos enfermos estão sendo utilizadas como escudo, tanto pela indústria como pela ala ideológica, que quer o avanço dessa agenda pela liberação das drogas".
"Não somos contra o uso do medicamento, nem mesmo da sua possível incorporação pelo SUS. [...] Esse PL tem sim algo próprio que é legalização da maconha pra uso recreativo, bastando apenas a receita médica. É uma irresponsabilidade tremenda em plena pandemia estarmos levando pra plenário discussão que sequer passou por comissão especial, teve parecer aprovada ou apresentada dentro da comissão. O debate não deveria ser assim, e o deputado Paulo Teixeira ficará conhecido como ditador da Cannabis no país".
Osmar Terra, deputado pelo MDB: "Desde que instalada, essa comissão está conduzindo os trabalhos para a legalização da maconha. Não há preocupação com jovens, crianças, que precisam do remédio. Se fosse essa, já teríamos conseguindo a liberação do canabidiol gratuito pelo SUS. Estamos trabalhando garantir isso a quem realmente precisa, e não será preciso instalar a indústria da maconha no país".
"Atrás disso, há um lobby instalado no Brasil. O interesse é pela maconha recreativa, e não medicinal. Interesse é em ganhar dinheiro e não saúde das crianças. Achar que a maconha cura tudo é ingenuidade. Essa ideia nunca ganhou Prêmio Nobel. Eu já passei da idade de acreditar em conto de fadas. Estou preocupado com milhões de vítimas que vão aumentar se regularizarmos o cultivo. É completamente descabido tentar aprovar essa lei permitindo o plantio da droga em escala, respondendo ao interesse de grandes empresas e ao lobby da maconha no mundo. E se a população está encantada com o tema, deveria ser ouvida no Plebiscito e não em votação virtual no meio de uma crise de coronavírus".
Pedro Cunha Lima, deputado pelo PSDB/PB: "É cruel dizermos que temos que esperar passar a pandemia para votar isso".
Fábio Mitidieri, deputado pelo PSD/CE e autor do PL 399/15: "[Se aprovarmos o projeto], vamos dar qualidade de vida, dignidade e cidadania a muitas pessoas. A pandemia para essas pessoas é todo dia. Não dá pra esperar. E também não dá pra fazer lobby para importar os remédios. Podemos fabricar no Brasil e dar condições de vida a muita gente. Não estamos defendendo o uso recreativo e não estamos dizendo que a maconha vai salvar a vida das pessoas".
Padre Ticão: "Dentro do nosso organismo, há elementos da Cannabis medicinal. Quando ficamos enfermos, ocorre que o nosso organismo, pelo tempo e pela idade, deixou de produzir os elementos da Cannabis. Quando eu tomo [medicamentos à base da planta], é como receber um reforço ao meu organismo".
"Na minha igreja, entrego de 10 a 15 sementes por família que queira plantar, e elas estão plantando com grande sucesso. Durante 70 anos, a maconha sofreu um preconceito injusto e desumano. No Brasil, há um bando de idiotas desumanos, injustos, e que até se dizem cristãos. [...] Viva a Cannabis, viva o povo que precisa do óleo, viva quem está defendendo a Cannabis para crianças, jovens, adultos e idosos".
Ricardo Ferreira, médico: "Quem é o Poder Legislativo para impedir estudos que avançaram, como um duplo-cego randomizado que envolveu 30 pacientes, foi aceito pela Universidade de Oxford e será publicado em revista altamente qualificada? [...] O cultivo individual de Cannabis, além disso, é direito pétreo constitucional. Há mães que têm vergonha de ter um filho maconheiro. Tenho orgulho de ter um filho maconheiro, [que faz o uso medicinal da planta,] com apenas 11 anos de idade.
Carolina Nocetti, médica: "Temos que considerar os custos [de importar o medicamento]. [...] Existem formas de fazer isso de maneira mais eficiente. O SUS não precisa pagar tudo. Para algumas doenças, não há nenhuma outra opção terapêutica [além da Cannabis".
Eliane Guerra, médica: "[Nós, médicos,] precisamos prescrever tudo o que acharmos pertinente. Não é possível que uma pequena parcela de dependentes químicos queira dizer que a Cannabis mata. Ela só mata porque é ilegal".
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