
Para especialistas, sistema tem falhas
A rentabilidade máxima das empresas ou consórcios vencedores da licitação do transporte coletivo de Curitiba será de R$ 62 milhões por ano, durante os 15 anos de concessão. Parte deste valor serve para amortizar os investimentos; o restante é o lucro. Porém, especialistas afirmam que o lucro das vencedoras da concorrência pode ser maior, já que, segundo eles, persistem no edital problemas de fiscalização dos custos do sistema.
Edital muda o cálculo da passagem
A licitação das linhas de ônibus de Curitiba irá dividir o risco da operação. Isso ocorrerá a partir da mudança do padrão de remuneração das empresas e da forma de calcular o preço da passagem. A Urbs deixará de pagar apenas pelo quilômetro rodado sem contar o número de passageiros transportados.
Seleção é obrigatória desde 1988
A licitação para a concessão de serviços públicos, como é o caso do transporte coletivo, é uma obrigação legal. A Constituição atual exige a seleção por concorrência desde 1988. No entanto, as empresas que atuam no transporte coletivo de Curitiba atuam na cidade desde a década de 50 sem licitação.
Glossário
Entenda alguns termos jurídicos e econômicos da licitação dos ônibus:
Licitação
> É um procedimento do poder público para contratar serviços ou comprar produtos de qualquer natureza mediante concorrência das empresas interessadas. É regulada pela Lei Federal 8.666/1993.
A Constituição de 1988 exige licitação para a concessão de todos os serviços públicos.
Concessão
> Contrato jurídico para que o poder público ceda o direito de exploração comercial de serviços a empresas privadas. Normalmente, tem prazo definido e está sujeito a regras específicas.
Preço de outorga
> Uma contrapartida financeira das empresas ao receber a concessão de um serviço público.
Taxa Interna de Retorno (TIR)
> É uma taxa usada para calcular a remuneração de um negócio ao longo do tempo.
Valor presente
> É a fórmula matemático-financeira para determinar um valor atual para um lucro futuro.
Os vencedores da licitação do transporte coletivo de Curitiba terão até R$ 500 milhões de lucro líquido ao longo dos 15 anos de concessão do serviço. O edital, aberto no último dia 29 de dezembro pela Urbanização de Curitiba (Urbs), estipula a Taxa Interna de Retorno (TIR) máxima de 8,95% ao ano. O índice é usado para calcular o lucro do negócio. O valor total da concessão (incluindo não apenas os lucros, mas também os custos) chega a R$ 8,65 bilhões durante os 15 anos de concessão.
Esta é a primeira licitação de transporte coletivo já realizada na cidade. As dez empresas que têm hoje o direito de operar os ônibus da cidade nunca passaram por um processo de seleção. Desde 1988, porém, quando foi promulgada a nova Constituição, a Urbs deveria ter feito a concorrência. A partir de 2001, o Ministério Público passou a exigir que o processo fosse realizado.
A abertura dos envelopes para decidir quais são as empresas que vão tocar o sistema de transporte coletivo acontece em quatro semanas, no dia 25 de fevereiro. A prefeitura, por meio da Urbs, dividiu a cidade em três lotes para a licitação: norte, sudeste e sudoeste.
As empresas ou consórcios que ganharem a licitação terão de arcar com uma despesa inicial de R$ 252 milhões. Esse é o custo da outorga direito de explorar comercialmente as linhas de ônibus mais as despesas com ônibus, garagens e equipamentos.
Na prática, porém, o investimento feito atualmente poderá dobrar até 2025, quando deve se encerrar o contrato. Os números tratam dos valores máximos definidos no edital. As empresas provavelmente baixarão esses valores para concorrer, já que a remuneração é um dos fatores determinantes para a escolha das vencedoras.
Mas especialistas em transporte público ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que falhas na fiscalização e nos critérios de consumo da Urbs poderão aumentar essa lucratividade.
Lucro
O cálculo de R$ 500 milhões de lucro líquido foi feito pelo professor do Departamento de Transportes da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Garrone Rech, de acordo com as informações do edital, a pedido da Gazeta do Povo. Ele aplicou a TIR de 8,95% ao longo dos 15 anos sobre a remunerção máxima anual dos lotes, de R$ 62,04 milhões.
O professor acredita que é importante a Urbs definir uma Taxa Interna de Retorno (TIR) máxima para evitar abusos e afirma que é um índice justo para o tipo de serviço ofertado. "É a taxa de retorno obtida recentemente nas concessões de rodovias do governo federal em 2007", diz. Segundo o professor, essa taxa de remuneração terá o índice próximo à taxa de juros Selic para garantir uma remuneração superior à inflação.
Em nota, a Urbs diz que a definição dessa taxa para limitar o lucro das concessionárias partiu da tendência nacional para licitações de transportes. "Foram feitos estudos considerando todas as licitações e concessões nacionais para avaliar a rentabilidade justa. O edital define a taxa máxima de 8,95%, a mesma de Belo Horizonte".
Aceitável
Os economistas e especialistas no setor de transporte consideram como "aceitável" a Taxa Interna de Retorno estipulada pela Urbs. O pós-doutor em Economia e presidente da Estação Business School, Judas Tadeu Mendes, disse que a rentabilidade do edital é até um pouco menor do que o investimento em títulos do governo no longo prazo. "Não vejo exagero. Se consideramos a Selic com valor médio de 7% (hoje está 8,75% ao ano) é possível dobrar os R$ 252 milhões (valor da outorga)".
"É um bom negócio, considerando que a taxa de retorno real de títulos públicos é de 6,5%", disse o professor de Economia da Pontíficia Universidade Católica no Paraná (PUCPR) Breno Lemos. Porém, o vice-presidente do Conselho Regional de Economia no Paraná (Corecon-PR), Eduardo Moreira Garcia, duvida da segurança desta remuneração. "Existe muita dúvida quanto a viabilidade desta taxa a longo prazo."
O presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Cargas do Paraná (Setcepar), Fernando Klein Nunes, explicou que a taxa de lucro bruto (sem impostos) no transporte de cargas é, em média de 7%. Por isso ele não considera os 8,95% determinados pela Urbs como um absurdo. Porém, ele faz algumas ressalvas. "Não computamos o custo de garagem (como no edital) na remuneração. Temos um custo administrativo em que isto é diluído em todos os clientes".
O Sindicato das Empresas de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Setransp) foi procurado, mas ninguém da diretoria quis se pronunciar sobre o edital ou sobre a rentabilidade das atuais empresas.
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