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Influência no poder público

Em meio a lobby de farmacêuticas, Congresso volta a discutir vacinação infantil

Na CCJ, o projeto de lei que criminaliza pais por não vacinarem os filhos está para ser votado. (Foto: Câmara dos Deputados)

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O projeto de lei que criminaliza os pais que não vacinarem seus filhos e quem divulgar notícias falsas sobre vacina está pronto para ser votado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados. De autoria da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), o PL 3.842/2019 prevê pena de um mês a um ano de detenção. Na versão atual, a pena pode ser aumentada em 50% se o crime ocorrer em períodos de pandemia.

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Já o Senado Federal começará a analisar o PL 826/2019, que institui o Programa Nacional de Vacinação em Escolas Públicas. Se aprovado, o programa obrigará todas as escolas de educação infantil e ensino fundamental que receberem recursos públicos a oferecerem uma campanha de vacinação no estabelecimento de ensino com o intuito de facilitar a imunização de alunos.

Enquanto isso, nos corredores dos prédios do Poder Legislativo, transitam profissionais com o objetivo de defender os interesses das farmacêuticas para as quais trabalham. Inteligentes, simpáticos e elegantes, os lobistas possuem várias estratégias para abordar os parlamentares. Muitas vezes, prepararam-se investigando a vida de deputados e senadores, buscando informações que vão desde as suas opiniões sobre temas da área da saúde a hobbies. Isso favorecerá a escolha de um assunto inicial para gerar aproximação e facilitar as conversas posteriores.

Pfizer, Sanofi e AstraZeneca são algumas das fabricantes de vacina que marcam presença nos gabinetes com frequência. Nas investidas dos lobistas com os parlamentares e suas equipes de assessores, não faltam recursos financeiros para tornar a interlocução mais agradável: a indústria farmacêutica está entre os mercados que mais movimentam dinheiro no mundo.

Na prática, isso facilita almoços com os parlamentares em restaurantes caros de Brasília a fim de favorecer o diálogo ou o patrocínio de viagens internacionais para participação em eventos. Os assuntos vão além de vacinas: incorporação de remédios, criação de protocolos terapêuticos, projetos de lei sobre pesquisas em humanos, entre outros.

Há poucos números concretos sobre a atuação dos profissionais de relações governamentais no Brasil, mas, segundo uma pesquisa do Instituto Pensar Relgov, o setor de farmacêuticas é o que mais demanda profissionais desse tipo, tendo sido responsável por abrir 14,8% das vagas na área no período de maio de 2017 a maio de 2018. Os números demonstram um real interesse do setor em influenciar a legislação do país.

Uma baixa cobertura vacinal implica que os estoques dos postos de saúde continuem cheios, diminuindo a necessidade de novas aquisições. O acesso mais amplo à imunização pode, é claro, trazer benefícios à saúde pública, mas também significa um retorno financeiro maior à indústria. Por isso, leis que obriguem a imunização são especialmente atrativas para o interesse comercial das farmacêuticas.

Em busca de lucro, essas empresas tendem a investir mais em profissionais para atuarem dentro do Congresso Nacional, oferecendo vacinas, tratamentos de saúde e remédios, e dando subsídio aos argumentos que justificarão projetos de lei.

Criminalizar quem não vacina os filhos é inconstitucional, explica jurista

A pressão política pela criminalização de pais que não vacinam seus filhos, que ganhou força durante a pandemia da Covid-19, é grave não só por atender a interesses comerciais da indústria farmacêutica, mas também por contrariar as leis do país, de acordo com o advogado Rafael Domingues, doutor em Direito do Estado.

Relator do PL 3842/2019, o deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA) emitiu em julho um parecer que considera constitucional a ideia de criminalizar pais que se contrapõem à vacinação de seus filhos. Domingues diverge do parlamentar.

Para ele, além de inconstitucional, o texto é desproporcional e viola a tradição do Direito. “Tornar crime uma conduta dessa contraria não só o direito constitucional de liberdade geral ou liberdade de consciência, porque o Direito Penal serve como ultima ratio, ou razão última. Ou seja, eu só utilizo o Direito Penal quando eu esgotei todas as outras possibilidades de proteção de um determinado bem jurídico”, explica.

Apesar da ideologização do tema durante a pandemia, dados recentes mostram que, nos últimos anos, a cobertura vacinal infantil para diversos tipos de doenças ficou realmente abaixo do esperado: de 2019 a 2021, período que coincide com o auge da Covid-19, 1,6 milhão de crianças brasileiras não receberam nenhuma dose de DTA, que previne contra difteria, tétano e coqueluche, e de poliomielite, que pode causar a paralisia infantil, segundo o relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) “Situação Mundial da Infância 2023: para cada criança, vacinação”, divulgado em abril. O número chega a 2,4 milhões somando as crianças que, mesmo tendo recebido uma dose, não chegaram a completar as doses necessárias de DTA.

Para Domingues, apesar de o problema ser relevante, é possível usar outros instrumentos que incentivem a vacinação. “Um exemplo é o Bolsa Família, que historicamente condicionava o recebimento do auxílio à comprovação da vacina. Quem comprova a vacinação, ganha o benefício. Essa é a tradição do nosso Direito. Agora, passar a criminalizar é um completo retrocesso”, diz.

A lei do lobby

O lobby não é uma atividade ilegal, mas sua influência sobre órgãos estatais, especialmente quando animada por interesses meramente comerciais, pode torná-lo um inimigo do interesse público.

“O processo legislativo existe para que crie um ambiente saudável de discussão pública, que todas as partes possam se manifestar e, buscando aquilo que é o bem comum, se chegue à conclusão de que aquilo é bom. O lobby descaracteriza isso e faz prevalecer os interesses egoístas daquele que patrocina o lobista”, pontua Domingues.

A atuação de pessoas que procuram influenciar não só o Poder Legislativo, mas também o Executivo e o Judiciário, a fim de defender interesses das indústrias, não é novidade. Nos últimos tempos, há uma preocupação crescente em dissociar essa atividade de sua imagem mais controversa. O próprio termo “lobby” – que, no Brasil, tende a passar uma impressão negativa – tem sido substituído com cada vez mais frequência por “advocacy”.

O trabalho dos lobistas é alvo, atualmente, de uma tentativa de regulamentação no Congresso. Aprovado na Câmara dos Deputados e agora sendo analisado pelo Senado Federal, o projeto de lei 1202/2007, conhecido como "lei do lobby", deseja regular a atividade. O texto de 32 páginas trata de condutas e consolida possíveis infrações de agentes públicos ou representantes de interesses.

Em agosto, a Comissão de Fiscalização e Controle (CTFC) do Senado fez uma audiência pública sobre o projeto, por iniciativa do senador Izalci Lucas (PSDB-DF). Uma das principais discussões foi a necessidade de garantir maior transparência na atuação dos lobistas.

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