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Justiça

Em três anos, 13 mil detentos foram soltos em mutirões no Paraná

Presos de Piraquara colocados em liberdade receberam tornozeleira com rastreamento via satélite | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
Presos de Piraquara colocados em liberdade receberam tornozeleira com rastreamento via satélite (Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo)

Na última semana de outubro, os juízes Moacir Antonio Dalla Costa e Eduardo Lino Fagundes Júnior cruzaram, mais uma vez, o portão que dá acesso ao Complexo Penal de Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba. Desde 2011, eles vêm trocando periodicamente os gabinetes que ocupam no Fórum de Execuções Penais de Curitiba pelos presídios. Juntos, idealizaram o mutirão carcerário no Paraná. Em 42 edições, a iniciativa concedeu 12,9 mil progressões de regime a detentos da região de Curitiba que tinham esse direito. O volume corresponde a 46% da massa carcerária paranaense e a 37% dos 34,4 mil mandados de prisão cumpridos no estado no período.

Diante dos números, não é difícil entender porque o mutirão tem sido um dos programas mais louvados e que contribui de forma decisiva para o desafogamento do sistema prisional. A dinâmica é simples. Pelo próprio sistema eletrônico do Judiciário – o Projudi – são identificados os presos que têm direito a progredir de regime. Em vez de esperarem em suas mesas a tramitação individual de cada processo – o que demoraria meses –, os juízes, promotores e defensores públicos que aderiram à iniciativa vão ao presídio. Ali, em uma sala adaptada, ficam frente a frente com os detentos e analisam, na hora, levas e levas de casos.

"A gente percebeu que, indo ao presídio, poderia julgar com muito mais rapidez. A gente autua o benefício na hora, a promotora e o defensor já estão ali. Em cinco minutos você consegue definir", disse Dalla Costa, juiz da 2.ª Vara de Execuções Penais (VEP) de Curitiba. "Hoje a sociedade clama por um magistrado de linha de frente, que veja a situação real. A figura do juiz estático em seu gabinete já caiu por terra", acrescentou.

Em 2011, às vésperas do primeiro mutirão, havia, só na 1.ª VEP de Curitiba, 1.216 presos com pedidos de progressão de regime para serem analisados. O volume equivalia a 35% do total de detentos sob responsabilidade da vara. A solicitação mais antiga aguardava julgamento havia oito anos.

Com mutirões periódicos, os processos deixaram de se acumular. Na última semana de outubro deste ano, eram apenas 16 detentos da 1.ª VEP com direito a benefícios. "Antes o juiz ficava inerte. Os casos mais rápidos eram julgados com um ano de atraso. Era um tempo em que o preso ficava atrás das grades além do que ele devia. O Judiciário trabalhava mais para segurar o preso – como se isso fosse bom – do que para garantir os direitos dele", apontou Fagundes Júnior, titular da 1.ª VEP.

Além de otimizar os julgamentos, os mutirões colocaram os juízes, promotores e defensores públicos em contato direto com a realidade dos presídios. Ali, checam as condições de cumprimento das penas. "O preso precisa ser ouvido, senão se sente abandonado. É o esquecimento que gera intranquilidade nos presídios. O preso, tendo certeza de que vai ter acesso aos seus direitos, não vai pensar em rebelião", pontua Dalla Costa.

Interior

Dezesseis defensores públicos do Paraná e 40 defensores de outros 15 estados concluíram ontem um mutirão em presídios de quatro cidades do interior: Foz do Iguaçu, Cascavel, Francisco Beltrão e Londrina. Os profissionais analisaram o processo e petições de cerca de 6 mil presos, com o objetivo de avaliar quais teriam direito a progredir de regime. A iniciativa é do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege), em parceria com a Defensoria Pública do Paraná. Diferentemente dos mutirões carcerários, o projeto dos defensores não julga os benefícios.

Paradigma

Profissionais querem fim da cultura do encarceramento

Os pontos positivos do mutirão carcerário parecem ir além da concessão de benefícios aos presidiários. A iniciativa trouxe para o centro do debate temas como o modelo carcerário e o papel dos operadores do Direito neste contexto. Os juízes e promotores envolvidos no processo propõem uma quebra de paradigma.

"Se a prisão resolvesse o problema da segurança, não haveria mais crimes. Por décadas, o Brasil apostou num modelo em que se brutalizou a prisão e em que quisemos manter todos presos, como forma de castigo. Hoje, percebeu-se que isso não deu certo", diz o juiz Eduardo Fagundes Junior.

A promotora Marla Blanchet chama a atenção para o perfil da massa carcerária do Paraná e destaca a relação dos presos com problemas sociais. Ela considera que, se não atacarmos a questão de maneira global, não superaremos a condição atual.

"O sistema está lotado de uma massa de humildes e excluídos. Via de regra, são vítimas da evasão escolar, criados só pela mãe ou por uma tia. Sem estrutura, envolvem-se com drogas e pequenos furtos, até chegarem à criminalidade", aponta.

O magistrado Moacir Dalla Costa enumera casos emblemáticos, como o da senhora que foi presa por ter furtado um pacote de bolachas. Para ele, é preciso haver uma revisão da postura do Judiciário. "Muitos juízes e promotores pensam que tem de encarcerar mesmo, mandar para a cadeia, independentemente da gravidade do crime. Isso vai tornar o bandido ‘pé-de-chinelo’ um criminoso profissional. O Paraná é o terceiro estado que mais prende. Mas a história tem comprovado que isso não resolve", afirma.

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