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Orçamento próprio

Empreender para largar o Bolsa Família

A fibra sintética tem tudo para ser o passaporte para a independência financeira da artesã Micarla Gonçalves, de 26 anos, de Londrina. Foi na fabricação de vasos e cadeiras que ela encontrou uma maneira de reforçar o orçamento na casa onde vive com o marido e três filhos. Sem o negócio próprio, a renda do casal giraria apenas em torno dos R$ 160 do Bolsa Família. Mas, com as encomendas arti­culadas e vendas em feiras, a família já estuda formalizar o microempreendimento.

A ação, nos planos de Micarla para este ano, se faz realidade entre 328,4 mil beneficiários do Bolsa Família no país. Juntos, eles representam 11,3% dos 2,89 milhões de microempreendedores individuais brasileiros e mostram que a formalização pode ser uma porta de saída da dependência das transferências de renda do governo federal.

"Se conseguíssemos viver do artesanato, seria maravilhoso. Quero fazer CNPJ. Quando oferecemos os produtos numa floricultura, por exemplo, sempre pedem isso", relata Micarla. Ela e o marido tiram, em média, R$ 600 com a atividade e não temem que o negócio os faça perder os recursos do Bolsa Família. "Nossa vontade é que tudo deslanche mesmo", define.

No Paraná, 37 mil inscritos no Cadastro Único já obtiveram CNPJ para seus empreendimentos, com faturamento de até R$ 60 mil ao ano e com, no máximo, um empregado. Entre os beneficiários do Bolsa Família, o número chega a 10,9 mil, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). A quantidade de participantes no programa, contudo, ainda está longe do registrado em outras regiões do país – no Nordeste são 111 mil e no Sudeste, 101 mil, contra 27 mil no Sul.

Corte

A renda gerada com esses microempreendimentos não implica, de imediato, o corte dos inscritos no Bolsa Família. Isso só ocorrerá se, mesmo com a nova renda, os ganhos mensais da família ultrapassarem R$ 140 por pessoa. Apesar dessa possibilidade, hoje o governo ainda desconhece quantas famílias deixaram o programa motivadas pela formalização de uma renda própria.

Segundo o diretor de Inclusão Produtiva Urbana do MDS, Luiz Herberto Müller, embora ainda seja difícil estabelecer uma relação entre a saída do Bolsa Família e a formalização, é certo que o empreendedorismo tem trazido resultados positivos. "Temos vários cases de sucesso no país. É algo que muda a vida das pessoas", diz. Ele também observa que o número de beneficiários com microempreendimentos formalizados ainda chama mais atenção no Nordeste. "Em função do ‘peso’ que ações de formalização têm naquela região", resume.

A participação dos setores de assistência social locais tem sido essencial nesse cenário. "Eles encaminham pessoas com potencial para serem microempreendedoras ou mesmo quem está na informalidade para programas de inclusão produtiva. É o caso do Pronatec, do Sine e de ações de Economia Solidária", pontua.

Formalização abre acesso a novos serviços

O economista Carlos Magno Bittencourt, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), avalia que o microempreendedorismo individual é uma alternativa para que os inscritos no Bolsa Família tenham novas perspectivas. Uma vez formalizados, diz ele, os beneficiários passam a ter acesso a crédito com condições diferenciadas e a mercados que exigem essa condição. "Hoje, para qualquer atividade é importante ter nota fiscal, isso inclui serviços domésticos também", comenta.

Bittencourt salienta que os benefícios para o microempreendedor acabam sendo maiores que a contrapartida exigida dele. É necessário contribuir mensalmente com menos de R$ 40 em taxas que serão direcionadas à Previdência Social, ISS ou INSS. Por outro lado, há a possibilidade de contar com benefício da Previdência Social mais adiante. "A formalidade é a maior vantagem. A pessoa passa a ter uma empresa, antes estava na clandestinidade. Ela tem agora o ‘guarda-chuva’ do Estado sobre ela", define o professor.

Ele argumenta, entretanto, que ainda falta mais acessibilidade às orientações de entidades como o Sebrae para a formalização. O mesmo ocorre quando o assunto é a capacitação técnica. "Falta qualificação desse pessoal para a parte tributária, recursos, vitrine, disposição dos produtos, o trato com o cliente. Isso pode partir de uma política pública em nível municipal", sugere.

Medo de perder o benefício já é bem menor

Como a formalização de microempreendedores individuais nem sempre leva, num primeiro momento, ao cancelamento do benefício do Bolsa Família, o receio dos inscritos em perder essa fonte de renda tende a ser menor. "Não teria sentido o governo conceder um direito e tirar outro. O benefício não é salário, mas complemento de renda", defende o diretor de Inclusão Produtiva Urbana do MDS, Luiz Herberto Müller.

O mesmo sustenta o diretor técnico do Sebrae Nacio­nal, Carlos Alberto dos San­tos. "O auxílio tem um limite, não é muito dinheiro e as pessoas também não pensam em viver apenas disso. É uma ajuda por um período", diz. Na opinião dele, quando o negócio formalizado passa a ter um bom andamento e a garantir uma renda maior para os beneficiários, o próximo passo é sempre a entrega do cartão do Bolsa Família.

Assessoria

Santos salienta que, para que o empreendimento tenha êxito, o Sebrae busca cooperar com a capacitação dos microempreendedores individuais, por meio de um convênio junto ao Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). "Não é de se esperar que todos sejam MEIs. Mas é importante que eles recebam assistência, orientação", diz. Nesse caso, o público tem à disposição os programas "Negócio a Negócio" e "Sebrae nos Territórios da Cidadania". Só nos 105 municípios abrangidos pelo "Territórios", 30% dos beneficiários do Bolsa Família também são empreendedores.

Uma cartilha foi desenvolvida pelo Sebrae com foco nesse público. O material traz os benefícios da formalização e assuntos relacionados ao empreendedorismo.

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