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Uma engenheira civil com histórico de câncer que passou sete meses presa pelos atos do 8/1 recebeu ordem de despejo devido a parcelas atrasadas da casa, e iniciou uma “vaquinha online” para pagar a dívida. De acordo com a decisão da Justiça, a mulher e o filho têm até o próximo domingo, 10, para deixar a residência. “Mas estamos lutando para manter ao menos parte do que conquistamos até hoje”, conta Regina Aparecida Modesto, de 54 anos. “Essa era nossa casa dos sonhos.”
Moradora de uma residência de alto padrão na Serra da Cantareira, em São Paulo, a mulher parcelou parte do valor do imóvel diretamente com o proprietário, mas não conseguiu manter os pagamentos após a prisão. “Eu tinha meu escritório na Avenida Paulista, mas perdi os clientes nesses sete meses, inclusive dois contratos fortes com multinacionais”, relata a mulher, que fechou a empresa física e agora procura trabalho.
“Atendo a área industrial, residencial, comercial e executiva”, relata a mestre em engenharia de túneis e cogeração que atuou, inclusive, como gerente de projetos da obra do Gasoduto Brasil Bolívia, entre 1999 e 2002. “E consigo sair para trabalhar aqui em São Paulo e região dentro dos horários que a tornozeleira eletrônica permite.”
Segundo ela, sua vida “virou de cabeça para baixo” desde que foi presa dentro do Senado no dia 8 de janeiro. “Eu sempre fui atuante politicamente, e saí de casa na sexta-feira (6), de carro, para participar de mais uma manifestação pacífica da direita conservadora”, relata Regina, que é cristã, formada em Teologia pela Universidade Mackenzie. “Então, fui domingo na Esplanada dos Ministérios para orar.”
No entanto, ela conta que, enquanto estava na rampa do Senado por volta das 15h40, começaram a soltar bombas contra os manifestantes e abriram uma das portas do edifício. “Um homem fardado dizia ‘entra, entra, venha se abrigar das bombas’, e eu fui”, afirma a engenheira, que afirma ter recolhido papeis do chão e conversado com policiais no interior do prédio.
“Tanto que a Regina é umas das poucas pessoas reconhecidas pelos policiais em audiência de instrução, e eles afirmaram que a conduta dela era pacífica dentro do plenário do Senado”, pontua o advogado Hélio Junior. “Ela não cometeu nenhum ato de vandalismo, mas passou meses presa”, completou.
De acordo com Regina, foi levada para um corredor do Senado, onde o tratamento mudou completamente e os manifestantes foram obrigados a ficar mais de 24 horas sentados e sem comida. “Nos trataram como bandidos, e fui coagida com uma arma a dar meu relato e assinar um documento”, conta. “Só depois que assinei, trouxeram uma marmita com arroz, feijão e picanha, e davam risada enquanto comíamos.”
A mulher foi levada ao Instituto Médico Legal (IML) para exame de corpo delito e seguiu para a Penitenciária Feminina do Distrito Federal, a Colmeia. “Não recebi voz de prisão, e fiquei sete meses encarcerada, sofrendo com diversos problemas de saúde.”
Histórico de câncer no útero, vesícula e estômago
Após enfrentar um câncer no útero, em 2011, e também na vesícula e estômago, em 2016, Regina precisa seguir uma dieta restritiva essencial para evitar complicações, mas não conseguiu isso na penitenciária. “Até vinha escrito ‘dieta’ na minha marmita, mas a comida era azeda, com terra e outras coisas que não dá nem para falar, e tínhamos que comer para não passar fome”, pontua a mulher, que começou a passar mal, evacuando sangue por meses na prisão. “Cheguei a ficar 10 dias internada, e quase morri.”
Além dos problemas de saúde, ela informa que não recebeu artigos de higiene, passando dias sem sabonete, toalha ou roupas íntimas para vestir. “Na minha audiência de custódia, por exemplo, precisei colocar um absorvente emprestado nos seios para ser atendida pelo juiz”, relata. “E só consegui uma escova de dentes quatro meses após a prisão, então meus dentes acabaram e preciso de tratamentos de canal.”
Trauma psicológico após revista nua: "parecia um campo de concentração"
No entanto, apesar de todo sofrimento físico, ela garante que o trauma psicológico é o mais difícil. “Falavam que a gente merecia ‘um calibre 12 na cara’, nos xingavam de 'terroristas', 'golpistas' e ameaçavam nos mandar para a solitária”, lamenta a engenheira, ao se emocionar lembrando de uma revista geral em que todas as presas do 8 de janeiro ficaram nuas em um corredor da prisão. “Era o dia do aniversário do meu filho, e aquilo me marcou demais.”
Segundo ela, todas as mulheres foram levadas para o pátio, onde policiais olharam seus pertences e confiscaram peças de roupa ou de higiene em quantidade “a mais que o permitido por pessoa”. Depois, seguiram para um corredor fechado com lonas e cobertores, onde foram obrigadas a se despir. “Todas nós tiramos toda a roupa para a vistoria, e aquilo foi traumatizante porque parecia um campo de concentração. Foi horrível”, recorda. “Assim que cheguei na minha cela, desabei a chorar porque foi muito humilhante.”
De acordo com a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape), “a revista pessoal e do material em posse do custodiado é realizada no momento do seu ingresso ou em qualquer momento em que o policial for realizar algum procedimento no interior das carceragens”.
Em nota enviada à Gazeta do Povo, a secretaria informa que o procedimento “é realizado em local apropriado, com policial feminina, respeitando os direitos de matriz constitucional de direitos humanos” e têm o objetivo de “garantir a integridade física do próprio reeducando e do policial, além da manutenção da ordem, da segurança e da disciplina, como descrito no Código Penitenciário do DF”.
Liberdade provisória e dificuldade financeira
Durante os sete meses de cárcere, Regina teve duas chances de deixar a prisão, ambas negadas pelo STF. “A primeira foi na própria audiência de custódia, porque o juiz deu parecer de liberdade provisória, e depois teve o parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) devido à minha saúde”, relata.
Porém, a liberdade provisória só foi concedida no dia 9 de agosto. “Ao todo, perdi 25 quilos na prisão, porque entrei com 82kg e saí com 57kg, também fiz novos exames quando saí e há suspeita de que o câncer tenha voltado”, afirma a engenheira, atendida atualmente no Sistema Único de Saúde (SUS).
Além disso, ela tenta pagar a dívida da casa para evitar o despejo no próximo domingo (10), e recebeu apoio do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) nas redes sociais. “Regina é uma engenheira e pastora que dedicou anos da sua vida servindo outras pessoas e que ficou sete meses na cadeia”, afirma o deputado mineiro em seus stories no Instagram. “E eu não faço isso como político, mas como ser humano, sabendo que poderia ser uma mãe, uma avó ou uma tia”, continua.
De acordo com Regina, o dono do imóvel entrou com ação na Justiça para retomada da casa, e a juíza acatou o pedido. “Não tenho outro lugar para morar e estou com restrição no meu nome, então peço ajuda e oportunidades”, solicita. “Assim, creio que vou me reerguer com fé, esperança e persistência”, finaliza, ao citar que é possível doar neste link ou por Pix. A chave é o e-mail gianluccamodesto@gmail.com.