"De costas para o povo" ou "de frente para Deus"?
Bento XVI tem se deixado filmar e fotografar celebrando missas segundo o rito novo, mas versus Deum, ou de costas para a assembleia. Raramente utilizada, essa forma também é permitida pelo missal.
Bispo "enganou" Vaticano para aprovar tradução
A história da primeira tradução do missal para o Brasil tem em dom Clemente Isnard seu personagem principal. Hoje bispo emérito de Nova Friburgo (RJ), na década de 60 ele foi um dos responsáveis pela edição brasileira do missal.
Há 40 anos, em dezembro de 1969, começou uma das maiores revoluções pelas quais a Igreja Católica passou no século 20: os fiéis passaram a ouvir a missa celebrada em seu próprio idioma, em vez do latim; além disso, o próprio rito da missa sofreu alterações e o padre passou a rezar o tempo todo de frente para o povo. Mas não demorou muito para as inovações escaparem do controle: sacerdotes inventando suas próprias orações, pulando ou acrescentando partes na missa, até os extremos de showmissas na Áustria, as missas rave são a última novidade. Mas, cansados da bagunça e querendo restaurar a reverência no culto católico, grupos de leigos estão na internet defendendo que os celebrantes sejam obedientes ao que pede a Igreja. Estão, literalmente, ensinando padres a rezar missa.No fim de 2008, o professor paulistano Michel Pagiossi, 24 anos, criou o Movimento Litúrgico. "Como ando muito de um lado para outro da cidade, eu já pude presenciar coisas muito feias e erros bem graves por onde passei, e isso me inquietava demais", conta. Logo se juntaram a ele mais três pessoas, de outras regiões do Brasil. É o mesmo perfil do Salvem a Liturgia, site que tem colaboradores do Rio Grande do Sul à Paraíba. Em comum, ambos têm como prioridade uma agenda positiva: quando necessário, criticam publicamente missas desleixadas, mas preferem ressaltar os bons exemplos e lembrar as regras litúrgicas. "Além de artigos, publicamos também fotos de missas bem celebradas, tanto no Brasil como no exterior", diz o psicólogo gaúcho Francisco Dockhorn, 27 anos, que já passou por uma situação em que um padre lhe negou o direito de receber a comunhão ajoelhado (a Igreja diz que nenhum fiel pode ser obrigado a comungar em pé ou receber a hóstia na mão).Os dois sites também oferecem recursos para padres e equipes de liturgia. O Movimento Litúrgico tem tutoriais explicando a maneira considerada correta de celebrar a missa e criou seu próprio folheto; já o Salvem a Liturgia publica uma revista eletrônica em formato PDF, que pode ser baixada do site. "Soube de um padre na Grande São Paulo que usou nossos recursos para celebrar uma missa versus Deum (com padre e povo voltados para a mesma direção) em um retiro", diz Pagiossi. O diácono Sérgio Almeida, coordenador da Comissão Litúrgica da Arquidiocese de Curitiba e pós-graduado em Liturgia pela PUC de Salvador (BA), não conhecia os sites, mas aprova iniciativas que ajudem os padres a celebrar melhor. "Infelizmente os seminaristas têm pouco conteúdo de liturgia enquanto se preparam ao sacerdócio", lamenta.FormalismoQuerer que o padre "leia o preto e faça o vermelho" referência às cores usadas no missal para indicar o que o padre deve dizer e os gestos que deve executar durante a missa não tem nada de mero formalismo, diz Almeida. "Tudo na vida tem regras, e se a Igreja estabelece o modo como deve ser celebrado o culto divino, nossa obrigação como católicos é seguir as determinações buscando a unidade da Igreja", afirma. O próprio Papa João Paulo II já havia feito apelos para que os padres e bispos celebrassem corretamente.
Dom Antônio Carlos Rossi Keller, bispo de Frederico Westphalen (RS), é um dos bispos que aprovam os sites leigos. "O fato de que fiéis leigos católicos assumam esta postura positiva de cobrar dos sacerdotes e dos bispos uma maior fidelidade à liturgia da Igreja é um belo sinal de maturidade e de corresponsabilidade", afirma. Antes de se tornar bispo, dom Antônio era pároco em São Paulo e já era conhecido pelas celebrações liturgicamente tradicionais. Ele concorda com o diácono Almeida a respeito da fraca formação litúrgica dos padres e diz que mesmo bispos às vezes se omitem por medo de controvérsias. "Temos muitos padres com boa intenção, o que falta é conhecimento", acrescenta Almeida. Um exemplo prático citado pelo diácono é o hábito de pedir que o povo reze junto com o padre orações que deviam ser exclusivas do sacerdote. "O padre quer incluir o povo, mas a participação dos fiéis já está determinada pelo missal. Em certas partes, o padre reza, e o povo acolhe pelo amém. Se o povo reza junto a parte do padre, quem vai acolher? É como deixar o leigo se servir da Eucaristia. O correto é o padre dar a comunhão. A participação do leigo nessa hora é ser servido pelo padre", compara, citando dois erros que, segundo o diácono, também costumam ser cometidos em Curitiba.
Participação
Os jovens leigos que atuam na internet não se limitam ao apostolado on-line. Pagiossi, do Movimento Litúrgico, é cerimoniário na sua paróquia. Na equipe do Salvem a Liturgia, três dos membros são cerimoniários ou acólitos (pessoas que auxiliam na cerimônia). Em Curitiba, existe a Escola Arquidiocesana de Liturgia, com cursos de dois anos de duração, explica o diácono Almeida. Mas a Igreja garante a todo leigo o direito de expressar sua insatisfação diante de uma missa mal celebrada. "Em primeiro lugar, eu recomendo procurar o padre. Se não der certo, o fiel pode procurar dom João Seneme, que é o bispo auxiliar responsável pela liturgia em Curitiba", explica Almeida. Nessa hora, no entanto, é preciso humildade. "O fato de o padre celebrar errado não dá direito ao fiel de vir apontando o dedo. O padre é humano e largou tudo para se dedicar à Igreja", aconselha.
Leia mais
Movimento Litúrgico: www.movimentoliturgico.com.br Salvem a Liturgia: www.salvemaliturgia.com Escola Arquidiocesana de Liturgia: a próxima turma começa em março. Inscrições pelo telefone (41) 2105-6363
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