Crítica
Sistema atrapalha concentração de alunos em Campo Mourão
Campo Mourão - Dirceu Portugal, correspondente
A professora Liane Cristina Maciel atende simultaneamente duas turmas em uma mesma sala de aula na Escola Rural Municipal Manoel da Nobrega, em Campo Mourão, no Centro-Oeste do Paraná. São seis alunos em classe três no 3º ano e outros três no 4º ano do ensino fundamental. Apesar do número de reduzido de estudantes, ela acredita que o sistema multisseriado torna o aprendizado mais lento.
"Enquanto a turma do quarto ano está fazendo a tarefa, a turma do terceiro está tentando aprender um assunto já visto pelos colegas. A concentração fica limitada e o processo além de ser lento, acaba sendo prejudicado, pois não há como desenvolver um assunto sem interrupções", explica.
Distante 15 quilômetros da cidade, a escola atende cerca de 30 alunos em período integral, da educação infantil ao 4º ano do ensino fundamental. "Com a pouca quantidade de alunos, as professoras, algumas vezes, conseguem trabalhar individualmente o aluno", diz a diretora da escola, Maria Rosa Naida, que defende a divisão de turmas. "O aprendizado poderia ser melhor se cada turma estivesse nas respectivas salas de aula. Seria bom para o professor e para o aluno", argumenta.
Aprendizado
Mãe de um aluno de 5 anos da Escola Manuel da Nobrega, a estudante universitária Viviane Pereira acredita que o processo de aprendizagem fica prejudicado com o sistema de ensino multisseriado. "Como uma criança consegue se concentrar na tarefa com a professora explicando matérias diferentes aos colegas. Tenho certeza de que o aluno terá déficit de aprendizado, pois a atenção de todos os alunos fica voltada a professora", diz.
Para a secretária municipal de Educação, Rita de Cassia Cartelli de Oliveira, o sistema multisseriado interfere no processo de aprendizado. "Ele é prejudicial. Para sanar essa defasagem, o município implantou nas escolas rurais programas e projetos de letramento e reforço com professor de apoio", diz. Ao todo, três escolas municipais rurais da cidade funcionam com o sistema multisseriado e atendem 91 alunos.
Levantamento
Escolas rurais sofrem com estrutura ruim
As escolas rurais, que concentram a maioria das classes multisseriadas, são as mais prejudicadas em termos de infraestrutura, segundo estudo encomendado pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), divulgado ano passado. Enquanto em apenas 30% dos estabelecimentos rurais existe uma biblioteca, a média geral dos colégios brasileiros é quase o dobro, com 57%. No campo também faltam ginásios de esporte, laboratórios de ciências e informática e até itens básicos como banheiro adequado.
Quando escolas rurais e urbanas são comparadas, o campo quase sempre perde no quesito infraestrutura. Dos mais de 50 mil estabelecimentos, quase metade tem apenas uma sala. Somente um em cada quatro colégios tem computador, enquanto na média geral brasileira o índice chega a 90%. Outros itens tecnológicos que poderiam auxiliar o ensino, como televisão e DVD, inexistem em 50% dos locais. O quadro e o giz ainda são os únicos recursos disponíveis para quem está longe das cidades.
O levantamento da CNA mostra que as escolas rurais têm problemas com esgotamento sanitário, banheiros, sala de aula, rede elétrica e iluminação. Nestes itens, mais da metade dos docentes avaliaram as escolas como inadequadas ou apenas regulares.
Com a falta de infraestrutura, os professores assumem funções como elaboração da merenda e até faxina. Nas classes multisseriadas, de cada dez docentes, três têm tarefas como estas. Em metade dos estabelecimentos não há sequer diretor ou coordenador pedagógico.
Pais preferem colégios mais próximos de casa na RMC
Na região metropolitana de Curitiba (RMC), as classes multisseriadas estão cada vez mais raras, seguindo a tendência nacional. Ao invés de manter as crianças em escolas rurais afastadas, os gestores têm preferido investir no transporte escolar, que, por outro lado, nem sempre é seguro e de qualidade. Apesar disso, alguns pais ainda preferem que os filhos estudem perto de casa.
É o que ocorreu em Fazenda Rio Grande, onde a única escola rural multisseriada ficou em primeiro lugar na disciplina de Matemática em uma avaliação interna da Secretaria Municipal de Educação. Em Português, os estudantes do ensino básico ficaram em segundo. O secretário Ednelson Queiroz Sobral conta que há transporte escolar disponível, mas os pais não concordaram em transferir os filhos.
Em Colombo, o número de escolas multisseriadas caiu de nove, em 2007, para três atualmente. Ao todo são 127 alunos. O município construiu um núcleo rural que abriga atualmente 400 estudantes e conta com infraestrutura melhor que as antigas unidades rurais multisseriadas. A assessora da Secretaria Municipal de Educação Edilene Milani conta que os alunos contam hoje ginásio, biblioteca e ainda neste ano vão ter aulas de informática.
Para 1,2 milhão de alunos, a sala de aula ainda é composta por colegas de séries e anos diferentes. Em muitas cidades, as classes multisseriadas são a única alternativa de estudo. Elas abrigam 2,5% dos 50 milhões de estudantes brasileiros. Mas a adesão a essa modalidade de ensino vem caindo nos últimos anos. Entre 2008 e 2009, a redução chegou a 6%. Para especialistas, o ideal seria que o ensino seriado fosse universalizado, mas, sem alternativas, o sistema multisseriado acaba sendo melhor do que a negação do direito de estudar. No contexto brasileiro é quase impossível não haver classes misturadas. A falta de alunos no campo ocasionada tanto pelo êxodo rural quanto pela evasão escolar e o baixo número de escolas no interior e em cidades pequenas dificultam a implantação de salas de aula homogêneas. Pesquisas mostram que a média de alunos por turma em classes multisseriadas chega a 32,5. Um desafio para o professor, que precisa lecionar diferentes conteúdos para meninos e meninas com idades diversas.
Outro problema é a especificidade do ensino no campo, que exige uma contextualização de temáticas ligadas à vida rural nem sempre presentes em sala, apesar de existir legislação estabelecendo que a educação rural deva ter este tipo de conteúdo. A inexistência da questão da agricultura na temática curricular, por exemplo, pode ser o definidor do abandono escolar.
Castigo
Por causa das diferenças entre lecionar no campo e na cidade, muitas vezes trabalhar em classes multisseriadas é quase um "castigo". Pedagoga e especialista em educação no campo, Luciane Rocha Ferreira diz que no Mato Grosso do Sul, por exemplo, é comum o professor ficar a semana toda na área rural para lecionar e só nos finais de semana voltar para a cidade grande. "Ele está preparado para atuar no meio urbano e acaba corroborando para precarizar o ensino no interior", diz.
Segundo o cientista político e coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, é importante que este modelo seja substituído para melhorar a oferta de educação no campo. Ele acredita que as classes multisseriadas dificultam o trabalho do professor e contribuem para a dispersão dos estudantes. "As turmas exigem atenção diferenciada do professor e não a têm, o que pode resultar em um aprendizado menor." Este problema pode afetar principalmente àqueles que estão em idade de alfabetização. Além de haver necessidade de investimento em infraestrutura, Cara lembra que o governo federal deve ajudar a subsidiar o transporte escolar, que atualmente fica a cargo dos municípios.
Luciane argumenta que as classes multisseriadas são uma necessidade em função do baixo número de estudantes, mas que há precarização das escolas rurais. Este panorama faz com que, segundo Luciane, muitos pais vejam o envio dos filhos para as grandes cidades como a única perspectiva. "Percebemos que, às vezes, as crianças já têm introjetado na identidade delas que o rural não é bom, não é futuro e não oferece possibilidades", explica. "O primeiro dinheiro que a família tem é para mandar o filho à cidade mais próxima para estudar."
Classes exigem preparo maior do professor
O trabalho com classes multisseriadas exige formação e dedicação ainda maiores do professor da escola pública. Professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), a pedagoga Evelise Portilho argumenta que as classes multisseriadas são um desafio para os docentes. Isso porque em uma turma com crianças de idade semelhante o aprendizado já é diferente e quando se inclui no mesmo espaço meninos e meninas de anos diferentes (as antigas séries) esta discrepância é amplificada.
O docente que trabalha com esta modalidade de ensino precisa conhecer as diferentes etapas de desenvolvimento dos alunos. Evelise afirma que é necessário ter domínio de diversos modelos de metodologia para abranger os variados tipos de ensino e aprendizagem. "Quando o professor atende um grupo com determinada especificidade, o que o outro estará fazendo? É preciso saber equilibrar as atividades", diz.
Diferenças
Pesquisador e professor da Universidade de Campinas (Unicamp), Guilherme do Val Toledo afirma que é importante o projeto pedagógico das escolas prever as diferenças. No início do ano letivo, o docente deve fazer um levantamento do repertório das crianças e analisar como será o aprendizado de cada uma delas. "É necessário conhecer os desafios e situações pedagógicos para saber o que as crianças sabem e organizar estratégias de ensino."
Toledo argumenta que os gestores municipais e estaduais precisam oferecer formação de qualidade para os docentes de classes multisseriadas em função da grande complexidade do trabalho. Ele sugere que os docentes possam ter um tempo para trocar experiências entre si e com colegas de outros estabelecimentos. Todas as semanas deve haver espaço para este tipo de debate, além de cursos a ações continuadas.
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