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Educação

Ensino multisseriado em queda

A professora Fabiana Rodrigues orienta alunos multisseriados da Escola  Alô Guimarães, em Fazenda Rio Grande: turma tirou o primeiro lugar em avaliação de matemática | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
A professora Fabiana Rodrigues orienta alunos multisseriados da Escola Alô Guimarães, em Fazenda Rio Grande: turma tirou o primeiro lugar em avaliação de matemática (Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo)
Nos últimos anos, o país registra queda no número de alunos em classes multisseriadas |

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Nos últimos anos, o país registra queda no número de alunos em classes multisseriadas

Para 1,2 milhão de alunos, a sala de aula ainda é composta por colegas de séries e anos diferentes. Em muitas cidades, as classes multisseriadas são a única alternativa de estudo. Elas abrigam 2,5% dos 50 milhões de estudantes brasileiros. Mas a adesão a essa modalidade de ensino vem caindo nos últimos anos. Entre 2008 e 2009, a redução chegou a 6%. Para especialistas, o ideal seria que o ensino seriado fosse universalizado, mas, sem alternativas, o sistema multisseriado acaba sendo melhor do que a negação do direito de estudar. No contexto brasileiro é quase impossível não haver classes misturadas. A falta de alunos no campo – ocasionada tanto pelo êxodo rural quanto pela evasão escolar – e o baixo nú­­mero de escolas no interior e em cidades pequenas dificultam a implantação de salas de aula homogêneas. Pesquisas mostram que a média de alunos por turma em classes multisseriadas chega a 32,5. Um desafio para o professor, que precisa lecionar diferentes conteúdos para meninos e meninas com idades diversas.

Outro problema é a especificidade do ensino no campo, que exige uma contextualização de temáticas ligadas à vida rural nem sempre presentes em sala, apesar de existir legislação estabelecendo que a educação rural deva ter este tipo de conteúdo. A inexistência da questão da agricultura na temática curricular, por exemplo, pode ser o definidor do abandono escolar.

Castigo

Por causa das diferenças entre lecionar no campo e na cidade, muitas vezes trabalhar em classes multisseriadas é quase um "castigo". Pedagoga e especialista em educação no campo, Luciane Rocha Ferreira diz que no Mato Grosso do Sul, por exemplo, é comum o professor ficar a semana toda na área rural para lecionar e só nos finais de semana voltar para a cidade grande. "Ele está preparado para atuar no meio urbano e acaba corroborando para precarizar o ensino no interior", diz.

Segundo o cientista político e coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Edu­­cação, Daniel Cara, é importante que este modelo seja substituído para melhorar a oferta de educação no campo. Ele acredita que as classes multisseriadas dificultam o trabalho do professor e contribuem para a dispersão dos estudantes. "As turmas exigem atenção diferenciada do professor e não a têm, o que pode resultar em um aprendizado menor." Este problema pode afetar principalmente àqueles que estão em idade de alfabetização. Além de haver necessidade de investimento em infraestrutura, Cara lembra que o governo federal deve ajudar a subsidiar o transporte escolar, que atualmente fica a cargo dos municípios.

Luciane argumenta que as classes multisseriadas são uma necessidade em função do baixo número de estudantes, mas que há precarização das escolas rurais. Este panorama faz com que, segundo Luciane, muitos pais vejam o envio dos filhos para as grandes cidades como a única perspectiva. "Percebemos que, às vezes, as crianças já têm introjetado na identidade delas que o rural não é bom, não é futuro e não oferece possibilidades", explica. "O primeiro dinheiro que a família tem é para mandar o filho à cidade mais próxima para estudar."

Classes exigem preparo maior do professor

O trabalho com classes multisseriadas exige formação e dedicação ainda maiores do professor da escola pública. Professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), a pedagoga Evelise Portilho argumenta que as classes multisseriadas são um desafio para os docentes. Isso porque em uma turma com crianças de idade semelhante o aprendizado já é diferente e quando se inclui no mesmo espaço meninos e meninas de anos diferentes (as antigas séries) esta discrepância é amplificada.

O docente que trabalha com esta modalidade de ensino precisa conhecer as diferentes etapas de desenvolvimento dos alunos. Evelise afirma que é necessário ter domínio de diversos modelos de metodologia para abranger os variados tipos de ensino e aprendizagem. "Quando o professor atende um grupo com determinada especificidade, o que o outro estará fazendo? É preciso saber equilibrar as atividades", diz.

Diferenças

Pesquisador e professor da Universidade de Campinas (Unicamp), Guilherme do Val Toledo afirma que é importante o projeto pedagógico das escolas prever as diferenças. No início do ano letivo, o docente deve fazer um levantamento do repertório das crianças e analisar como será o aprendizado de cada uma delas. "É necessário conhecer os desafios e situações pedagógicos para saber o que as crianças sabem e organizar estratégias de ensino."

Toledo argumenta que os gestores municipais e estaduais precisam oferecer formação de qualidade para os docentes de classes multisseriadas em função da grande complexidade do trabalho. Ele sugere que os docentes possam ter um tempo para trocar experiências entre si e com colegas de outros estabelecimentos. Todas as semanas deve haver espaço para este tipo de debate, além de cursos a ações continuadas.

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Interatividade

Como tornar o trabalho do professor em classes multisseriadas mais eficiente?

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