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A prisão de Roberto Jefferson (PTB) decretada neste domingo (23) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), é mais um capítulo do inquérito das milícias digitais. O petebista virou alvo na investigação em agosto do ano passado, quando foi detido por decisão de Moraes, no âmbito do inquérito que apura supostos ataques contra as instituições democráticas nas redes sociais.
A ordem de prisão de 2021 foi mantida mesmo após o Ministério Público Federal (MPF) ter se manifestado contra a ação - e até o momento não houve manifestação do órgão sobre o pedido de prisão em flagrante deste domingo. Na época, a defesa do ex-parlamentar considerou a decisão arbitrária, pois foi fundamentada em opinião e, além disso, o réu não tinha foro privilegiado para ser investigado no STF.
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Após, nas palavras de Moraes, “repetidas violações” e o descumprimento de medidas cautelares por parte do ex-deputado, o ministro decretou o recente mandado de prisão em flagrante, revogando a prisão domiciliar determinada em janeiro deste ano por questões de saúde do acusado. O petebista resistiu à nova ordem judicial atirando nos agentes da Polícia Federal. Várias autoridades - inclusive os candidatos à Presidência Jair Bolsonaro e Lula - repudiaram o comportamento de Jefferson.
O novo pedido de prisão foi determinado por Moraes após Jefferson proferir uma série de ofensas contra a ministra Cármen Lúcia, em vídeo publicado na última sexta-feira (21). Jefferson comparou a ministra a uma "prostituta" pelo fato de ter concordado com Moraes e votado pela punição da emissora Jovem Pan após a veiculação de informações sobre a condenação do ex-presidente Lula - em processo que depois foi anulado pelo STF e reconduzido à primeira instância.
Irregularidades no inquérito
O inquérito das milícias digitais (Inq 4874) que surgiu após o arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos. O processo é criticado por vários motivos: a exemplo de outras investigações abertas na Corte, reúne atos inconstitucionais como violar o sistema acusatório, prorrogar a apuração acima do tempo previsto em lei - o inquérito já foi prorrogado por cinco vezes -, entre outras irregularidades. Segundo o ministro do STF, esses atos se justificariam pela suposta existência dessa organização criminosa, cujos "fortes indícios e significativas provas" ainda não vieram a público.
A prisão de Roberto Jefferson foi requerida em 2021 pela delegada da Polícia Federal Denisse Ribeiro, que na época estava à frente da investigação, em razão de entrevistas e postagens em redes sociais em que Jefferson criticava os ministros e defendia uma intervenção militar para retirá-los do STF.
Na decisão que fundamentou a prisão, Moraes citou a divulgação de ofensas feitas pelo ex-parlamentar e “uma crescente agressividade do discurso” para justificar a detenção que, segundo a petição, seria a única medida possível para preservar a ordem pública dos ataques promovidos por Jefferson e que “podem culminar na efetiva execução de atos de violência".
Em entrevista à Gazeta do Povo, no ano passado, o professor de direito da UERJ e procurador do Ministério Público do Rio de Janeiro Marcelo Rocha Monteiro apontou vários pontos preocupantes da ação de Moraes contra Jefferson. Mesmo considerando graves algumas declarações do petebista, Monteiro divergiu do caminho utilizado - abertura de ofício pelo próprio STF - e da proporcionalidade da medida imposta pelo ministro.
O procurador recordou que a via correta de ação em situações em que ministros são ofendidos ou ameaçados por pessoas sem foro privilegiado, como era o caso de Roberto Jefferson, seria acionar um delegado para que investigasse o caso perante a primeira instância, no qual outro juiz, que não fosse vítima dos crimes (para manter a isenção e seguir o que está previsto em lei), pudesse supervisionar a investigação.
A Gazeta do Povo publicou um editorial em agosto do ano passado lembrando o caráter abusivo do inquérito das milícias digitais por, "assim como o inquérito das fake news", nascer de ofício, "sem provocação da Procuradoria-Geral da República ou de autoridades policiais, sem objeto definido, e no qual o STF se porta como vítima, investigador e juiz".
PGR e o inquérito
A Procuradoria-Geral da República (PGR) ainda não se manifestou sobre o novo pedido de prisão de Roberto Jefferson. Segundo informações da CNN Brasil, o órgão já iria encaminhar um pedido ao STF nesta segunda-feira (24) para que o ex-deputado fosse reenviado para o regime fechado, após as declarações ofensivas contra a ministra Cármen Lúcia.
Em agosto do ano passado, a PGR adotou uma postura diferente e se posicionou contra a decisão de prisão indicada pelo ministro Alexandre de Moraes. Em nota, a PGR disse em 2021 que "a prisão representaria uma censura prévia à liberdade de expressão, o que é vedado pela Constituição Federal”.
No comunicado, publicado no dia 13 de agosto de 2021, o procurador-geral da República, Augusto Aras, também rebateu a informação do gabinete do ministro Alexandre de Moraes de que não teria se manifestado sobre o pedido de prisão. “Ao contrário do que apontam algumas matérias, houve, sim, manifestação da PGR, no tempo oportuno, como ocorre em todos os procedimentos submetidos à unidade. Em respeito ao sigilo legal, não serão disponibilizados detalhes do parecer, que foi contrário à medida cautelar, a qual atinge pessoa sem prerrogativa de foro junto aos tribunais superiores”, diz Aras.
Jefferson e o mensalão
Natural de Petropolis (RJ), o advogado e ex-presidente do PTB, Roberto Jefferson foi condenado em 2012 a 7 anos e 14 dias de prisão no processo do mensalão, um dos maiores escândalos de corrupção do país, durante os governos do PT. O ex-deputado ganhou notoriedade após revelar o pagamento de propina a parlamentares para que as votações no Congresso Nacional seguissem os rumos desejados pelo governo federal, na época presidido por Lula.