Em 2019, o Brasil aprovou duas leis para tratar do problema da automutilação e do suicídio. A primeira, sancionada em abril, criou a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio. Desde então, as escolas são obrigadas a notificar aos conselhos tutelares os casos de violência autoprovocada. Proposta pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra, a lei prevê que a notificação seja sigilosa e dê subsídio para a formação de um grande cadastro nacional, capaz de municiar com dados a construção de políticas públicas voltadas para a questão.
Mas ainda faltava um aparato legal para coibir o incentivo à automutilação e ao suicídio. Não havia uma forma de lidar com a disseminação de grupos de estímulo à violência contra o próprio corpo e o surgimento de jogos que desafiam os participantes a tirar a própria vida – o mais conhecido deles é o Baleia Azul, que fez vítimas em várias cidades brasileiras, uma delas Curitiba. Em dezembro, a Lei 13.968/19 alterou o Código Civil. Agora, quem induzir ou instigar uma pessoa a se suicidar ou praticar automutilação, ou prestar auxílio material, está sujeito a pena de reclusão de seis meses a dois anos.
Caso a violência autoprovocada resulte em lesão corporal grave ou gravíssima, a pena prevista é a reclusão de um a três anos. Se a pessoa morrer, a pena aumenta para dois a seis anos. E há um agravante: se a internet for usada para incitar automutilação ou suicídio, a pena será aumentada até o dobro. Além disso, nas situações em que a vítima for menor de 14 anos, ou não tiver discernimento no momento, o agente que estimulou será julgado por homicídio, com reclusão de seis a 20 anos.
Aumento nos casos
Com a internet, os casos de automutilação e suicídio estão aumentando? No caso da automutilação, não existem estatísticas confiáveis – muitas vezes quem machuca a si mesmo escolhe lugares do corpo que não ficam à mostra, e até mesmo a família poder ter dificuldade para perceber que a pessoa está passando por problemas. Um sinal de alerta, aliás, é observar se o jovem está usando exclusivamente roupas compridas, mesmo em dias de calor.
Já para o suicídio existem estimativas produzidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O dado mais recente, de 2016, indica que, em seis anos, o número de casos de mortes autoprovocadas aumentou 7% e alcançou a taxa de 6,1 suicídios a cada 100 mil habitantes – a média mundial é de 10,5 suicídios para cada 100 mil habitantes, mas as Américas se destacam negativamente como o único continente em que o índice aumentou entre 2010 e 2016. No Brasil, o suicídio é a segunda causa de morte para jovens de 15 a 24 anos. Em geral, no mundo inteiro, a maior parte dos casos de automutilação ocorre em mulheres. Mas são os homens que mais cometem suicídio.
É difícil medir as causas de automutilação. Mas é importante estar atento a quaisquer sinais, principalmente em pré-adolescentes e adolescentes. “A automutilação é um sinal de alerta”, explica Maria Julia Kovács, professora do Laboratório de Estudos Sobre a Morte do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). “As motivações são de várias ordens. Pode ser a expressão de que está sofrendo e, na impossibilidade de se expressar de outra forma, a pessoa se corta”, explica.
Nem todo caso de violência autoinfringida leva ao suicídio, relata a especialista. “Ouvi de jovens que fazer mutilação é poder sentir que está vivo. Pode ser também uma forma de imitação de colegas”. Mas é importante prestar atenção a esses sinais diz a professora, porque, em alguns casos, pode ser sim um primeiro passo para o suicídio. “Por isso é muito importante não reprimir, e sim procurar saber o que está acontecendo. Escutar o jovem é fundamental. Mais importante do que reprimir ou castigar é abrir canais de comunicação.”
Incentivo negativo
Os sites e páginas de redes sociais que incentivam o suicídio e a prática de automutilação estão espalhados pela internet. “De modo geral, os sites e páginas que incentivam suicídios utilizam-se do encorajamento, facilitação ou promoção do suicídio. A maior parte deles é dedicado no auxílio à busca por métodos mais eficientes, rápidos e indolores para o suicídio e alguns possuem espaços para discussões sobre esse tema entre os usuários”, afirma Elis Cornejo, psicóloga do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio.
Para a psicóloga, alguns desses grupos acabam por alcançar o efeito contrário, o de reduzir a sensação de solidão. “Ainda que os efeitos negativos dos sites que incentivam o suicídio sejam evidentes e preocupantes, alguns estudos com jovens que apresentam comportamento de risco e buscam websites sobre suicídio/automutilação indicam que estes o fazem na busca de obter uma compreensão mais profunda sobre essas questões. Alguns impactos positivos também são relatados por estes jovens. que percebem os sites como espaços onde é possível manter anonimato e encontrar empatia, compreensão, acolhimento e ajuda para lidar com o estresse e questões emocionais. Assim, os jovens podem obter nesses sites uma sensação de valorização, compreensão, pertencimento a uma comunidade.”
Incentivo positivo
Mas, para alcançar esse efeito de acolhimento, existe também, na internet, uma vasta gama de canais que atuam contra o suicídio. “Estes sites trabalham com informações, seja em texto ou vídeo, com esclarecimentos sobre os principais mitos e verdades em torno do suicídio, indicações onde buscar ajuda e o que fazer em momentos de crise, por exemplo”, diz Elis Cornejo.
“Geralmente divulgam uma relação das instituições que oferecem atendimento à pessoas com ideação ou tentativa de suicídio e a seus familiares, sendo a principal delas é o CVV, que está disponível 24h por dia, todos os dias da semana por telefone (188), chat ou e-mail. Alguns sites também possuem salas de bate papo e fóruns para discussões que podem diminuir a percepção de solidão e oferecer acolhimento”.
Para reforçar o apoio aos próprios jovens, seus familiares e professores, o Instituto Vita Alere desenvolveu, com o apoio da Safernet Brasil, do Google Brasil e da Unicef Brasil, uma cartilha sobre a prevenção do suicídio na internet.
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