A Polícia Civil e o Ministério Público do Paraná apuram as causas de quatro mortes que ocorreram nos últimos três meses em uma entidade filantrópica que atende pessoas com deficiência em Campina Grande do Sul, na Região Metropolitana de Curitiba. A Associação Padre João Ceconello, local onde as mortes ocorreram, acolhe pessoas com graves comprometimentos de suas capacidades motoras, mentais e intelectuais.
Será investigado também se a Secretaria de Estado da Família e Desenvolvimento Social (Seds) tem responsabilidade nestas fatalidades, já que a pasta foi alertada dias antes da fragilidade estrutural da instituição em que estavam as vítimas.
Um dos mortos, por exemplo, não podia comer alimentos sólidos e acabou morrendo engasgado com um pedaço de cachorro quente o que pode indicar negligência no atendimento.
Para apurar essas mortes e descobrir se houve responsabilidade da Seds e da entidade, a Delegacia de Campina Grande do Sul e o Ministério Público abriram um inquérito policial e um procedimento administrativo. O promotor da cidade, Otacílio Sacerdote Filho, afirmou que deve entrar, no começo da semana que vem, com uma ação civil pública para a transferência imediata das pessoas atendidas pela Associação.
Responsabilidade
A ação também vai verificar uma possível omissão do estado no caso já que a Seds tinha conhecimento, segundo o MP, das necessidades da entidade para abrigar os internos. De acordo com o promotor Willian Lira de Souza, da 4.ª Promotoria de São José dos Pinhais, que iniciou a investigação do caso, a Seds foi oficiada no dia 7 de março, cinco dias antes da primeira morte, para tomar medidas imediatas em relação à falta de estrutura da associação.
A apuração inicial constatou que a associação não tinha estrutura adequada receber os internos de outra instituição. No dia 6 de junho, a associação informou à Seds o desinteresse em dar continuidade ao contrato.
Além das mortes, alguns internos escaparam da instituição por falta de segurança. O estabelecimento é uma chácara para pessoas que podem ficar em meio aberto.
Faltou cuidado no atendimento, dizem familiares
A área onde está instalada a Associação Padre João Ceconello tem lagos e foi neles que uma das mortes ocorreu. Quando o lago estava sendo esvaziado, os peixes chamaram atenção de Thiago. Ele teria entrado em um dos tanques que ainda não estava completamente vazio e, por um suposto descuido de um dos orientadores, se afogou. Acontecimento semelhante ocorreu em 2010, quando o interno João Alves da Silva também morreu afogado num dos lagos da associação.
O irmão de Thiago, Sérgio Fernandes revelou uma carta que enviou ao promotor Otacílio, após o afogamento. O parente reclamou do estabelecimento e do tratamento dado ao rapaz, cobrando que algo seja feito em relação aos outros internos. "A associação não possui estrutura muito menos funcionários preparados para cuidar daquelas pessoas. E agora? Quem vai aliviar os meus sofrimentos e da minha família?", disse Sérgio na carta.
Nas visitas que os parentes da vítima realizaram, segundo Sérgio, os internos estavam misturados, homens, mulheres, dependentes químicos e até ex-presidiários. Além disso, não havia nenhuma fiscalização quanto aos horários de visitas. Como a associação funciona por regime meio-aberto e qualquer pessoa pode entrar e sair de lá. Há registros de fugas de dois internos e a instituição não avisou as famílias das mesmas.
Outro ladoEntidade não reconhece falhas e diz que mortes foram acidentais e naturais
Para Luis Antônio Marques de Mendonça, médico da Associação Ceconello, a morte de Thiago foi acidental e as outras ocorreram por causas naturais. "É uma população fragilizada, sujeita a problemas clínicos apesar do acompanhamento, e grande parte dele demanda atendimento paralelo à manutenção", afirmou. Questionado sobre a falta de estrutura e segurança, ele não reconheceu o problema e disse que a filosofia da instituição é que os internos vivam em área aberta, com liberdade e contato com a natureza.
Em nota, a Secretaria de Estado da Família e Desenvolvimento Social (Seds) afirmou que a contratação foi acompanhada por assistentes sociais e profissionais de saúde para monitorarem as atividades da associação, sendo que essa assumiu expressamente o compromisso de atender às pessoas com qualidade.
O ofício do MP, segundo a Seds, se refere à possibilidade de que as pessoas fujam do local e coloquem em risco a própria vida e, portanto, não é possível relacionar as mortes com a preocupação do MP.