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Duas entidades que atuam contra o aborto - a Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família e o Centro de Reestruturação para a Vida (Cervi) - protocolaram uma reclamação no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) em 13 de setembro contra três procuradores do Ministério Público Federal (MPF) de Minas Gerais. No documento, as associações pró-vida afirmaram que os três recomendaram a continuidade do aborto por telemedicina ou “teleaborto” na pandemia - mesmo após posicionamentos do Ministério da Saúde, da Anvisa e do laboratório produtor do misoprostol contra o procedimento. Ainda assim, o MPF afirmou à reportagem que endossa o posicionamento a favor do aborto por telemedicina (leia mais abaixo).
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Na reclamação ao CNMP, a Rede e o Cervi afirmam que “[...] Os ora Reclamados recomendam a continuidade do serviço de telemedicina para o protocolo de Interrupção da Gravidez, para os casos de violência sexual, em total desacordo com as regras estatuídas pelo Ministério da Saúde, asseverando que o Protocolo do NUAVIDAS (Hospital das Clínicas de Uberlândia) atende à Lei 13.989/20201 e às portarias do MS no 467/20202 e 526/20203, pois se trataria de simples suporte assistencial e de monitoramento “[...]”.
Como já foi noticiado pela Gazeta do Povo, a questão do teleaborto causou uma disputa interna no MPF. Enquanto membros do MPF foram à Justiça para obrigar o Ministério da Saúde a agir contra a cartilha que promove o aborto por telemedicina, outros apoiam o “manual para aborto em casa” do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia em parceria com o Instituto Anis, ONG pró-aborto fundado pela antropóloga Debora Diniz.
A cartilha usa a pandemia como pretexto para incentivar a realização de abortos por telemedicina, com o uso do medicamento abortivo misoprostol. Mesmo sem consultar um médico, a mulher receberia o abortivo em casa e realizaria o procedimento. A prática, porém, desrespeita as leis em vigor e coloca em risco a vida das gestantes. O uso do misoprostol só pode ser feito em ambiente hospitalar. Diante isso, já houve manifestações contra a prática do aborto feito em casa por parte do Ministério da Saúde, da Anvisa e do Conselho Federal de Medicina.
“[...] Como noticiado nos vários meios de comunicação, atendendo a uma Recomendação conjunta do Ministério Público Federal com a Defensoria Pública da União (Recomendação no 4445980 – DPGU/DNDH - Recomendação no 15/2021 - PRMG/PRDC – anexo II), o Ministério da Saúde editou a Nota Informativa no 1/2021 – SAPS/NUJUR/SAPS/MS (anexo III), na qual se aponta que “o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez NÃO é compatível com o Procedimento de Telemedicina, tanto por não se adequar ao contido nas hipóteses previstas no art. 2o da Portaria GM/MS no 467, de 20/03/2020, quanto pelo fato do uso do medicamento misoprostol ser restrito ao ambiente hospitalar [...]”, afirmam as entidades pró-vida no documento protocolado no CNMP.
Dessa forma, a Rede e o Cervi pedem que a recomendação favorável ao teleaborto seja anulada, que a outra recomendação - contrária à prática e de acordo com as normas do Ministério da Saúde - tenha ampla publicidade e ainda que os três membros do MPF não possam extrapolar a independência funcional.
O que diz o MPF
Apesar de o Ministério da Saúde já ter deixado claro que o aborto não está entre as modalidades de atendimento que podem ser praticadas por telemedicina, o Ministério Público Federal (MPF) informou à reportagem que o órgão endossa o posicionamento a favor do "teleboarto" em casos de estupro. Na nota enviada à Gazeta do Povo, o MPF informou que "a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão nacional do MPF na temática de direitos humanos, já se posicionou sobre a questão, na mesma linha da recomendação expedida pelos procuradores de Uberlândia".
Em 15 de julho, o MPF publicou uma nota técnica em que informou que a "Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) – órgão do Ministério Público Federal (MPF) – emitiu nota técnica na qual defende a adoção da telemedicina nas etapas de tratamento medicamentoso e acompanhamento do pós-tratamento no caso de interrupção voluntária da gravidez decorrente de estupro. A nota foi entregue pelo procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena, ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em audiência ocorrida nesta quinta-feira (15). Ofício foi expedido também ao presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), ao diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde (Anvisa), aos procuradores-chefes das unidades do MPF e aos procuradores regionais dos Direitos do Cidadão de todos os estados brasileiros".
O órgão também reforçou que houve decisão similar da Justiça Federal. Em 26 de agosto, em decisão preliminar, a juíza federal substituta Thatiana Cristina Nunes Campelo, da Justiça Federal da 1ª Região, também ignorou as normativas das principais autoridades em saúde no país que proíbem a realização do chamado “teleaborto” por causa dos riscos da prática. Ao indeferir o pedido de tutela de urgência de uma ação movida Ministério Público Federal (MPF) contra a aplicação da telemedicina para a realização de abortos em território nacional, a magistrada escreveu que o “teleaborto”, feito com o uso de medicamento misoprostol seria “seguro”, contrariando entidades de saúde e médicos especialistas que já apontaram o risco do uso da substância.
Além disso, no posicionamento enviado à Gazeta do Povo nesta segunda-feira (20), o MPF salientou que as recomendações dos procuradores que se posicionaram contra a cartilha do teleaborto - ou seja, aqueles que agiram de acordo com as manifestações do Ministério da Saúde e da Anvisa - foram anuladas. Diz a nota do MPF: "sobre as recomendações enviadas em maio pela PRDC e DPU ao Ministério da Saúde, CFM e à Anvisa, o MPF informa que foram anuladas após decisão do Núcleo de Apoio Operacional à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (NAOP-PRR 1º Região), que reconheceu que a Procuradoria da República em Uberlândia (MG) é preventa em relação ao tema objeto das recomendações".
O MPF disse também que os procuradores ainda não foram notificados sobre a reclamação da Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família e do Centro de Reestruturação para a Vida (Cervi) protocolada no CNMP.
Já o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) disse que "a reclamação disciplinar será distribuída para um membro da Corregedoria Nacional analisá-la". Apesar disso, não há prazo para o início nem para a conclusão da análise contra os três procuradores de Minas Gerais.