Brasília A inclusão da Venezuela no Mercosul, a ser votada na quarta-feira pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, promete ser mais que um debate sobre integração política ou relações econômicas dentro do bloco. Esquentado por seguidas declarações polêmicas do presidente venezuelano Hugo Chávez e pelo apoio que lhe deu, há dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o tema já se transformou, entre os deputados, em uma espécie de julgamento da democracia no continente.
De um lado, um bloco de deputados argumenta que o governo do presidente Chávez não é uma democracia o que, nos termos do Protocolo de Ushuaia, impediria a sua entrada no bloco. Em contrapartida, outro grupo, do qual participa quase toda a base governista, entende que não cabe ao Brasil opinar sobre a política interna de outro país. Depois da votação na CCJ, a proposta vai a votação no plenário.
Irônico, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) entende que há um novo modelo político desenvolvido por Chávez, que tem-se estendido a outros países latino-americanos. Seria uma espécie de ditadura consentida. O deputado propôs a realização de um seminário para discutir melhor esse modelo.
Gabeira diz já ter identificado os principais pontos da nova fórmula. O primeiro é a criação de uma assembléia constituinte extremamente fiel ao governo. Depois, a realização, de vez em quando, de referendos populares. Outros passos consistem na eliminação da oposição, na repressão policial e na repressão aos órgãos de imprensa.
Gabeira conta que, depois das discussões sobre democracia na Venezuela durante a votação do protocolo de adesão do país ao Mercosul, na Comissão de Relações Exteriores, no mês passado, foi procurado por uma delegação de deputados do Equador preocupados com a situação no país. "Eles estão muito preocupados porque foi feita uma assembléia constituinte lá no Equador e já estavam propondo o fechamento do Congresso", acrescentou. O fato sustentou ainda mais a convicção do deputado de que a "ditadura consentida" está em curso nesses países.
"Esse modelo foi desenvolvido na Venezuela, está sendo implantado na Bolívia, com certa dificuldade, e agora no Equador", adverte o deputado. "No meu entender, não é uma democracia tal como conhecemos. Em alguns desses países já começaram a surgir os primeiros ataques à liberdade de imprensa, como é o caso do fechamento da RCTV."
Gabeira critica o argumento da base governista de que os brasileiros não podem aferir se há ou não democracia na Venezuela. "Se aceitarmos facilmente esse argumento, nós teremos muito rapidamente, no Brasil, propostas de constituintes, de fechamento do Congresso e de prorrogação de mandato. Por isso é necessário discutir", afirmou.