Um telefonema alterou a rotina da curitibana Bianca Botter Zanardi, na última terça-feira. Do outro lado da linha, a presidente do Instituto dos Advogados do Paraná (IAP), Rogéria Dotti, informava: Bianca vencera o Prêmio Francisco Cunha Pereira Filho. Criada pelo IAP em homenagem ao ex-diretor-presidente da Rede Paranaense de Comunicação (RPC), a premiação consagrou a melhor monografia jurídica inédita sobre o tema Liberdade de Expressão no Estado Democrático de Direito. Nesta primeira edição, o trabalho vencedor foi o de Bianca, com o título A imprensa e a Liberdade de Expressão no Estado Democrático de Direito: Análise da concepção de justiça difundida pelos meios de comunicação de massa. O prêmio, no valor de R$ 50 mil, é considerado recorde para concursos do gênero. Formada em Direito pelo UniCuritiba, em Jornalismo pela Universidade Positivo, e pós-graduada em Comunicação, Cultura e Arte pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Bianca é advogada e coordenadora de edição do jornalismo da TV Bandeirantes, em Curitiba. Confira os principais trechos de entrevista concedida à Gazeta do Povo.Como foi o seu trabalho vencedor?
Defendi que o exercício da liberdade de expressão é essencial para manutenção e fiscalização de uma sociedade calcada em preceitos de justiça social. E esse conceito de justiça social muitas vezes é definido e delineado pela mídia e por sua ampla atuação na esfera pública social. Baseado em casos e histórias noticiadas pela mídia, tentei mostrar que a liberdade de expressão é capaz de conduzir a opinião pública e interferir no judicante.
De que forma ocorre essa interferência?
Por exemplo, em casos emblemáticos de mudanças de leis. Como no caso do crime de tortura: após denúncias, em reportagens do Jornal Nacional, de abuso de poder na Favela Naval, em Diadema, o crime passou a ser tipificado como crime hediondo. Também abordei fatos investigativos, como o caso dos Diários Secretos (série de reportagens da RPC-TV e da Gazeta do Povo), em que a imprensa iniciou as investigações que se transformaram em denúncias e processos de cassação. Além disso, analisei casos como os do menino João Hélio, Isabella Nardoni e Eloá Pimentel, em que a imprensa pressiona o Estado para que ele dê uma resposta satisfatória à sociedade. Muitas vezes, um suspeito é preso sem necessidade para demonstrar que algo está sendo feito para preservar a sociedade. Assim, o Poder Judiciário apenas cumpre a vontade da coletividade, que é intermediada pelos meios de comunicação de massa. Mas a imprensa não apenas exterioriza a opinião pública, como é responsável por construí-la. Assim, os meios de comunicação social são responsáveis também por estabelecer uma linha de justiça adotada pela sociedade. Por sua vez, o conceito de justo difundido pela mídia pode interferir na concepção de justiça praticada pelo Estado.
Como é essa concepção de justo difundida pela mídia?
As pessoas tendem a julgar os outros de acordo com seus próprios padrões e estereótipos, baseados em referências adquiridas durante a vida. E as mediações culturais feitas também pela mídia interferem na manifestação de pensamento individual. Pesquisas demonstram que as pessoas acreditam mais nos meios de comunicação de massa do que no Poder Judiciário. Isso faz com que os indivíduos busquem a realização do seu direito pela imprensa, que intermedeia o acesso ao judicante. A sociedade procura a imprensa para alcançar um direito que deveria ser assegurado pelo Estado. Em uma pesquisa, concluí que para grande parte da imprensa, o senso de justiça está diretamente relacionado à punição. Quando divulga-se um fato criminoso, parte da mídia clama por "justiça" e, em outras palavras, por punição. Alguns programas televisivos, por exemplo, exigem das autoridades que o suspeito, ainda não culpado pelo Poder Judiciário, seja preso imediatamente, sem respeitar os princípios de defesa, garantidos em leis.
O seu trabalho de conclusão de curso de Jornalismo foi sobre a interferência dos meios de comunicação de massa nas decisões proferidas pelo Júri Popular. Como foi esse trabalho?
Fiz um estudo de caso em que analisei como a imprensa divulgou um acidente ocorrido em 2002, julgado pelo Tribunal do Júri em 2005. Analisei o processo, as notícias divulgadas pela mídia, acompanhei o julgamento e entrevistei os jurados. Conclui que, em que pese existir claramente a influência da mídia no Judiciário, não podemos quantificar o grau desta interferência. Ao pesquisar o que foi noticiado na época, notei que a imprensa divulgou fatos que não constavam no processo. Mesmo assim, as notícias não influenciaram diretamente na decisão do júri.
Casos recentes de coberturas jornalísticas do Judiciário, sobretudo de investigações e julgamentos tratados como espetáculos midiáticos, levantam a questão: qual é o limite da liberdade de imprensa?
Em alguns casos podemos perceber que a imprensa abusa da sua liberdade informativa e se apropria de funções inerentes a outros órgãos, como é o próprio caso de investigações. Eu acredito que o limite da liberdade de imprensa é a garantia de outros direitos fundamentais tão amplamente defendidos como a liberdade, quais sejam: o direito à honra, à privacidade, à vida.
Qual é sua opinião sobre o fim da exigência do diploma para a profissão de jornalista?
Eu considero muito importante a formação acadêmica para exercer a profissão de jornalista, porém não fundamental. Acredito que muito se aprende nos bancos da faculdade. Mas ética, por exemplo, ao meu ver, depende mais do caráter e formação que cada pessoa recebe da sua família e do meio em que vive. Além disso, acredito que algumas funções no jornalismo, como é o caso dos comentaristas, possam ser desempenhadas por profissionais com formações acadêmicas distintas. Para mim, o mais importante é comunicar, transmitir informação.
E em relação à derrubada da Lei de Imprensa pelo Supremo Tribunal Federal, qual é sua opinião?
Eu penso que a liberdade de expressão é pré-requisito para o exercício do Estado Democrático de Direito, como bem defende a Constituição. Mas esse direito constitucional deve também ter suas regras e regulamentações para que não fira outros princípios também amplamente definidos pela nossa Lei Superior. No caso da nossa antiga Lei de Imprensa, penso que é necessário atualizar a norma para que ela se adeque com o atual momento social em que vivemos. É importante existir uma lei própria para regulamentar os meios de comunicação de massa e a liberdade de informação, defendendo o independente exercício da atividade jornalística, sem censura, visando também garantir a existência de um Estado Democrático de Direito.
A liberdade de expressão tem sofrido golpes duros em países latino-americanos, inclusive no Brasil o jornal Estado de S. Paulo está há mais de um ano está proibido judicialmente de divulgar informações sobre a Operação Boi Barrica, envolvendo o empresário Fernando Sarney. Como você vê o atual momento da liberdade de expressão no Brasil e no mundo?
A censura compromete drasticamente a liberdade de expressão de um povo, e não apenas da imprensa. A questão chave é ter o direito de se expressar, por qualquer meio. Penso que também é importante responsabilizar o indivíduo por suas declarações. Ao meu ver, a imprensa cumpre um papel determinante na expansão de conhecimento e informação. É o canal que conecta a sociedade às notícias de todos os cantos do mundo. Censuras como o caso do Estadão, dos países vizinhos e até mesmo da transmissão do jogo da Copa do Mundo pela Coreia do Norte são golpes brutais no direito à liberdade de expressão e no exercício da democracia. Acredito que a sociedade deve lutar contra as censuras e brigar pela existência de um Estado Democrático, como os brasileiros fizeram há décadas atrás. Penso também que se a imprensa em outro país latino americano é perseguida, temos que ajudá-los a lutar por uma sociedade justa e democrática.