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Família

Entre a proteção e a liberdade

Rosana e Marcos com os filhos Mônica, Bianca, Karen e Erik: “Quando um deles sai à noite, nos revezamos. Sempre um fica acordado até que eles voltem”, conta o pai | Pedro Serápio/ Gazeta do Povo
Rosana e Marcos com os filhos Mônica, Bianca, Karen e Erik: “Quando um deles sai à noite, nos revezamos. Sempre um fica acordado até que eles voltem”, conta o pai (Foto: Pedro Serápio/ Gazeta do Povo)

Não adianta. Para pais e mães, o coração sempre tem razão. E, por isso, eles não pensam duas vezes ao dar uma resposta negativa aos filhos quando o assunto envolve segurança. A violência que assola as grandes cidades inibe até atividades antes corriqueiras como andar de ônibus sozinho. Os pais mudam de endereço, mas a preocupação não. Existe alternativa? Como proteger sem sufocar? Para especialistas, os familiares devem encontrar um meio termo, porque a superproteção pode gerar adultos inseguros. Para isso, é essencial estimular a autonomia desde a infância. A família dos empresários Marcos e Rosana Rodrigues vive esse dilema. "Até hoje não sei se encontramos a fórmula correta, mas sempre tentamos fazer o melhor", afirma o pai. Os quatro filhos, Bianca, 22 anos, Karen, 19; Mônica, 17; e Erik, 14; vivem sob normas rigorosas de segurança. Têm de dar informações sobre o local que vão antes, durante e depois. "Infelizmente a juventude deles não é como foi a nossa. Hoje há perigos que antes não existiam", diz Ro­­drigues. "Eu pego no pé mesmo", admite a mãe. O medo da família não é infundado. Há cerca de dez anos o empresário sofreu um sequestro relâmpago e ficou na mão dos sequestradores durante horas. Teve carro, documentos e dinheiro roubados. "Quando algum deles sai à noite, nos revezamos. Sempre um fica acordado até que eles voltem", conta o pai.

Os filhos começaram a andar de ônibus sozinhos somente a partir dos 14 anos, quando fizeram cursinho para estudar para o ensino médio em escolas técnicas. Viagem de formatura no último ano do ensino fundamental? Nem pensar. E os namoros só são permitidos quando a família conhece os pretendentes. "Até prefiro que elas namorem nerds", brinca Rodrigues. As saídas à noite passaram a acontecer apenas depois da maioridade das duas filhas mais velhas.

Os quatro irmãos encaram a situação com naturalidade. Sem­­pre ao responder com um não os pais tentam explicar os motivos, mesmo que isso ocorra somente no dia seguinte após as "choradeiras". "O importante é manter a isonomia para todos. Acreditamos que a fórmula para educar bem seja amor, disciplina e exemplo. Tentamos mesclar tudo isso. Acho que conseguimos unir liberdade e cuidado", dizem os pais.

Paternidade responsável

Para a terapeuta familiar Cleia Oliveira, os pais devem tentar encontrar um meio termo e estimular a independência. "Ao mesmo tempo que é preciso proteger, é necessário também ajudar o filho a se desenvolver. Se ficarmos muito ligados na violência, teremos adultos despreparados no futuro." Ela afirma que toda família passa por um processo gradativo de aprendizagem. "Infelizmente, o mundo idealizado não existe. As crianças não podem ficar em redomas."

Cleia argumenta que a superproteção pode fazer com que os filhos vivam exatamente o que os pais temem. "O jovem acaba se tornando uma vítima em potencial. A angústia sempre estará presente, é difícil superar, mas os familiares precisam tentar." Para ela, a medida da liberdade vem junto com a maturidade que os meninos e meninas constróem. Por isso a participação é importante. "Conheço famílias que fazem monitoramento eletrônico por meio do celular. Isso não adianta nada. É preciso confiança e conhecimento sobre a rotina dos filhos."

A psicóloga Eneida Ludgero argumenta que a família deve agir de forma preventiva. O ideal é que a criança aprenda a perceber as situações de risco vivendo em um contexto seguro. "É importante também salientar que precisamos viver em uma sociedade mais solidária. Hoje há muita desigualdade". Para isso, ela recomenda a criação e manutenção de vínculos comunitários.

Autonomia começa com pequenas tarefas

O dilema das famílias é encontrar a fórmula para aliar autonomia e proteção. Essa dúvida chega frequentemente no consultório da psicóloga Daniela Bertoncello. "Proteger é uma função natural dos pais. A gradação depende de cada família." Ela argumenta que não existe idade mínima para as atividades realizadas pelas crianças e adolescentes porque tudo depende da realidade familiar.

A autonomia é algo que pode influenciar muito na percepção da criança sobre os riscos e deve ser estimulada desde a infância. "Tudo começa com pequenas atividades, como ajudar a arrumar a mesa, por exemplo." Uma dúvida recorrente dos pais é se eles podem ou não deixar os filhos sozinhos em casa. "Isso depende do bom senso. Crianças mais agitadas, por exemplo, tendem a correr um risco maior. É importante associar a idade ao nível de maturidade."

Prevenção

A autonomia deve ser construída de forma gradativa e a família deve ficar atenta ao risco de acidentes domésticos. A coordenadora da organização não governamental Criança Segura, Ales­­sandra Françoia, lembra que é essencial os pais analisarem a maturidade dos filhos ao imputar alguma responsabilidade. Não é recomendável, por exemplo, que crianças menores de 12 anos fiquem sozinhas em casa. Elas também devem ser alertadas sobre os perigos de ma­­nusear fogo, álcool e produtos químicos.

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