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Criado no clima de pós-ditadura, o MST completa 25 anos em um país que já mudou bastante. Na sua avaliação, por quais transformações o movimento passou nesse período?

Realmente, o MST nasceu no bojo da abertura democrática, na criação de movimentos sociais e pastorais. Nesses 25 anos o movimento manteve seus três objetivos na ponta da língua, e por isso foi absorvido e legitimado como movimento camponês mais representativo da sociedade brasileira. Nesse tempo também criou capacidade de fazer política, de forma autônoma e sem nenhum emparelhamento partidário, sendo respeitado por qualquer governo. E na reforma agrária, a presença do movimento foi decisiva pra pautar, para colocar a reforma agrária na agenda política brasileira. Talvez hoje a reforma agrária estivesse fora de pauta sem a presença do MST.

É possível dizer que a inclusão da reforma agrária na reforma constitucional de 1988 foi a primeira grande vitória do MST?

Sem dúvida sim, mas isso foi uma vitória decorrente da grande mobilização da sociedade brasileira, incluindo as autoridades e a mobilização social, típica daquela época, que incluiu o MST. Mas entre as grandes conquistas não dá pra deixar de fora o 1º Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), no governo José Sarney, e o 2º plano nacional, com o Lula, que foi outra grande conquista. Mesmo sem ser cumprido pelo governo, os planos em si são uma vitória, porque em outras épocas nem plano havia. Isso é fruto de articulação política com a intervenção da sociedade brasileira.

Até meados de 2005, MST mantinha o otimismo de que o governo Lula iria efetivamente realizar a reforma agrária. Hoje a esperança caiu bastante. Como o senhor encara esse divórcio do movimento com a política apresentada pelo governo federal nesses sete anos?

O avanço da reforma agrária depende da mobilização da sociedade, essa é a nossa leitura. Achamos que o governo Lula foi muito aquém da demanda e da necessidade, fez muito pouco frente ao compromisso social que ele tinha. Mas também não queremos uma mudança de cima pra baixo, tudo isso só é possível quando há movimento social. O governo Lula está tratando a reforma como política compensatória, resolvendo conflitos localizados, mas isso não é reforma agrária. No atual estágio do Brasil, com o capital especulativo e avanço das monoculturas da soja e da cana, achamos que a sociedade brasileira deve tomar a reforma como tarefa dela, não mais apenas do MST. A demanda por alimentos saudáveis é uma questão de soberania alimentar, então achamos que é possível ter engajamento da sociedade brasileira e chamar pra si a responsabilidade de mobilização social.

O MST teve corte de recursos públicos por irregularidades na prestação de contas. Como o senhor enxerga esse problema, e como reverter o desgaste na imagem do MST?

A perseguição da direita desde o começo do governo Lula ganhou uma outra roupagem e redefiniu a tática de atacar o MST, agora por diversas frentes -- o Judiciário apertou o cerco, também os deputados, e agora o Tribunal de Contas. Mas eu digo que isso não nos assusta. Atrapalha, é claro, porque como o Estado não consegue cumprir a parte deles nos investimentos sociais, diminuem nossos recursos para a área social. Tivemos no Paraná um convênio em que comprovamos os gastos por A mais B, defendemos na Justiça, viramos as contas do avesso, mas foi cortado. E foi cortado essencialmente por perseguição política. Os auditores do Tribunal de Contas, da Controladoria Geral da União, não vão fazer um levantamento do que avançou de positivo na produção, nas escolas, no índice de mortalidade infantil -- que é menor do que em qualquer canto --, da juventude tendo acesso às universidades. É olhar o problema de uma vírgula e não olhar o resultado. Resumindo, isso não vai afetar nossa imagem, e não temos receio de dizer que a corrupção não nos atinge. Se todos os convênios do governo brasileiro tivessem o resultado que têm os assentamentos, todos deveriam ser feitos assim. A eficiência na aplicação dos recursos e no resultado nos deixa de cabeça erguida porque são extremamente satisfatórios.

O próprio MST diz que o Paraná é um dos estados com maior índice de violência contra trabalhadores rurais. O movimento perdeu um militante em 2007, mas mais casos vêm acontecendo -- na semana passada houve outro confronto com morte, sendo que o invasor foi acusado de ter dado o disparo. Como evitar isso?

De forma geral, o Paraná tem uma marca de violência por questões de terra. Teve a Revolta dos Posseiros no Sudoeste em 1957, a Revolta de Porecatu nos anos 40, que resultou em massacre dos posseiros... existe uma história de grilagem de terra, um grito no campo muito antigo. Essa cultura permanece até hoje. O que aconteceu essa semana foi o remonte dessa cultura do latifúndio, porque hoje o autor não é mais o coronel, mas é o filho do coronel que antigamente espalhava terror nas terras do Paraná. No MST, nós tratamos a reforma agrária com ações políticas. É uma orientação política do movimento buscar mais aliados que inimigos, independentemente de partido. Aprendemos nesses 25 anos a arte de fazer política. E, se possível, tirar a polícia dos conflitos, porque questão agrária não é questão da polícia.

São 25 anos de mobilização sem data para terminar. O que esperar para os próximos 25?

O MST vai continuar sendo uma organização forte que atua no campo brasileiro. Vai continuar pressionando autoridades pela reforma agrária, as ocupações vão continuar acontecendo, bem como o combate ao modelo agrícola vigente da monocultura. E, com a crise econômica atingindo todos os trabalhadores, esperamos que a sociedade brasileira perceba que já passou aquele período de acumular riquezas e fazer muita farra com a especulação financeira. Chegou o momento de acordar e exigir que o governo atual pare de queimar dólar do caixa público, pra salvar os bancos e as empresas falidas, e aplique no povo brasileiro. Que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) seja de crescimento do povo, e não apenas de poucos escolhidos.

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