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Um estudo publicado por pesquisadores dos Estados Unidos e da Itália em agosto de 2020 na revista científica The American Journal of Medicine, atualizado em janeiro deste ano, está causando polêmica no Brasil. Seus autores sugerem que uma combinação de remédios que pode incluir hidroxicloroquina, azitromicina e corticosteroides tem eficácia no tratamento precoce da Covid-19. O Ministério da Saúde usou o estudo para respaldar suas recomendações sobre esse tipo de tratamento, e a pesquisa virou centro de controvérsias.
O autor principal do estudo, Peter A. McCullough, é cardiologista e professor de Medicina da Texas A&M University. Há cerca de dois meses, ele foi ouvido em uma audiência pública no Senado americano sobre tratamento precoce. McCullough tem mais de 89 mil citações em publicações acadêmicas segundo o Google Scholar, o que ajuda a inseri-lo no grupo dos poucos milhares de cientistas do mundo com pontuação maior do que 100 no chamado índice h, uma métrica para medir o impacto científico de pesquisadores e publicações. Alguns de seus trabalhos já foram publicados no New England Journal of Medicine, uma das mais conceituadas revistas científicas sobre medicina do mundo.
Em entrevista à Gazeta do Povo, McCullough explica que a proposta do artigo publicado por ele e outros 22 especialistas no American Journal of Medicine – cujo título é “Pathophysiological Basis and Rationale for Early Outpatient Treatment of SARS-CoV-2 (COVID-19) Infection”, ou “Base fisiopatológica e fundamentação para o tratamento ambulatorial precoce da infecção por SARS-CoV-2 (COVID-19)”, em tradução livre – era reunir diversas pesquisas já publicadas sobre medicamentos usados para tratamento precoce contra a Covid-19 e, com isso, formar uma espécie de guia orientativo para médicos.
Para haver eficácia no tratamento precoce, segundo McCullough, é necessário usar um coquetel de medicamentos, e não um só remédio. “Dizer que uma droga única – hidroxicloroquina, ivermectina, remdesevir –, que uma droga (trata a doença)… é um erro intelectual gigante. Desde o início, deveríamos ter usado vários medicamentos. A verdade é que, quando usamos vários medicamentos combinados, podemos reduzir drasticamente o risco de hospitalização e morte. Mas a chave são vários medicamentos”, afirma.
Na entrevista, ele ainda critica os grandes centros médicos que, segundo ele, foram omissos ao não promoverem estudos clínicos massivos sobre tratamento precoce. Para o especialista, essas instituições terão de prestar contas com a história.
É importante destacar que as declarações de McCullough ao longo desta entrevista não devem ser entendidas como orientação médica, e que suas opiniões sobre o tratamento precoce, embora cientificamente embasadas, não são consenso na comunidade científica.
Confira a entrevista na íntegra.
O que a ciência sabe até agora sobre o tratamento precoce e o uso de hidroxicloroquina para Covid-19?
“O que entendemos é que o vírus tem três dimensões principais de danos ao corpo: uma é a replicação viral, outra é a tempestade de citocinas ou desregulação imunológica, e a terceira é a trombose. São todos os três elementos que fazem com que este vírus seja tão mortal para os pacientes. Como você pode imaginar, a replicação viral, a desregulação do sistema imunológico e a trombose são processos muito diferentes.
O primeiro ponto é: não existe um único medicamento que trate esta doença. Nenhuma droga única. Qualquer tentativa de afirmar que um único medicamento é a cura para a Covid é ridícula, ou dizer que um único medicamento deve ser testado em um estudo é ridículo. Nunca usamos uma única droga para um vírus. Nunca. No HIV, usamos de três a cinco medicamentos. Hepatite C, três medicamentos. É um disparate ficar dizendo: “Tal droga funciona ou não funciona”. Esse foi o primeiro grande erro com a Covid.
Dizer que uma droga única – hidroxicloroquina, ivermectina, remdesevir –, que uma droga (trata a doença)… é um erro intelectual gigante. Desde o início, deveríamos ter usado vários medicamentos. A verdade é que, quando usamos vários medicamentos combinados, podemos reduzir drasticamente o risco de hospitalização e morte. Mas a chave são vários medicamentos.
A hidroxicloroquina pode fazer parte de um programa ou regime de quatro a seis drogas. O errado é dizer: ‘Apenas hidroxicloroquina’. Não temos nenhuma infecção viral fatal em que um único medicamento seja o único tratamento. Por que razão possível faríamos isso para este vírus? Isso não faz sentido.”
O que o estudo publicado no American Journal of Medicine sobre o tratamento precoce tem de original?
“Na época em que começamos uma colaboração entre Estados Unidos e Itália – que foi em maio ou junho de 2020 –, havia 50 mil publicações revisadas por pares na literatura médica, 50 mil artigos sobre Covid-19… Nenhum artigo mostrava aos médicos como tratar o problema. Nem um único artigo.
Fizemos a seguinte observação: no pânico da pandemia, nem os próprios médicos sabem como tratar o problema, nem conseguem organizar o tratamento em um único documento. Simplesmente reunimos todos esses conceitos.
E os conceitos são que, no nível mais simples, o vírus causa alguns danos aos tecidos do corpo. Portanto, usar nutracêuticos faz algum sentido. O zinco é um inibidor moderado da replicação viral. A vitamina C ajuda a proteger as células. A vitamina D ajuda a proteger as células. Existe um feixe nutracêutico que tem algum respaldo científico modesto, que seria o tratamento de base.
Os próximos passos depois disso seriam divididos de acordo com o risco. Percebemos, com base na literatura, que a maioria das pessoas saudáveis com menos de 50 anos não precisavam de tratamento médico prescrito. Apenas um pacote nutracêutico, fazer a quarentena e depois tudo bem voltar ao trabalho e à escola. Portanto, não há problema para a maioria das pessoas com menos de 50 anos.
Mas, acima dos 50 anos, já que o vírus se torna progressivamente mais mortal em pacientes à medida que eles envelhecem – há um gradiente de idade muito acentuado – a estratificação de risco seria aplicada. Pacientes com mais de 50 anos ou com problemas médicos precisam de dois ou mais anti-infecciosos intracelulares. Dois ou mais, porque essas drogas não são perfeitas. Pode ser hidroxicloroquina, ou ivermectina, ou outro medicamento chamado Favipiravir, combinado com um antibiótico intracelular - doxiciclina ou azitromicina. E por que isso? Porque queremos medicamentos que ataquem levemente a replicação viral o melhor que puderem, e os antibióticos intracelulares também têm algum efeito antiviral moderado e também cobrem outros organismos que podem ser sobrepostos, como Chlamydia pneumoniae ou Mycoplasma pneumonia – em cerca de 2% dos casos eles se sobrepõem à Covid. Então, a ideia são dois ou mais anti-infecciosos, e uma combinação muito comum é hidroxicloroquina junto com azitromicina, ou ivermectina junto com doxiciclina.
Isso é apenas para o vírus. Mas não podemos parar por aí. No quinto dia, ou se houver alguma doença pulmonar, usamos corticoide. Não os usamos muito cedo na doença, mas no quinto dia ou em caso de doença pulmonar. Além disso, todo paciente com mais de 50 anos deve tomar aspirina de 325 miligramas. Pacientes com doença pulmonar grave devem tomar um anticoagulante.
Então, o tratamento vai envolver cerca de quatro a seis medicamentos. A duração mínima do tratamento para um adulto com mais de 50 anos é de cerca de cinco dias. A média é de sete dias. Pacientes idosos mais doentes precisam de 30 dias de tratamento. Isso é o que eles chamam de terapia multimedicamentosa sequenciada para Covid-19. E assim publicamos uma atualização do artigo do American Journal of Medicine. Esse artigo agora é considerado o estado da arte para terapia do paciente de Covid. Está muito à frente de quaisquer diretrizes publicadas pelos institutos nacionais de saúde, ou pela Infectious Disease Society of America, ou pela Organização Mundial da Saúde. É considerado o estado da arte. Existem grupos semelhantes na África do Sul, Itália e Inglaterra. Eles têm nomes diferentes, mas também têm protocolos de tratamento semelhantes. A ideia é que, quando os múltiplos medicamentos forem usados, eles possam reduzir as taxas de internação e óbito em até 85%. É um grande impacto.”
O que a atualização publicada em janeiro no American Journal of Medicine traz de novo em relação à versão anterior?
“Uma das atualizações do novo artigo é o uso de anticorpos de proteína anti-spike. Há dois produtos: um deles é um anticorpo produzido pela Lilly, e outro é produzido pela Regenera. Eles estão disponíveis nos Estados Unidos.
O outro grande avanço da atualização é que agora, além da hidroxicloroquina e do Favipiravir, na categoria de antivirais orais, adicionamos a ivermectina. A ivermectina agora está ganhando cada vez mais atenção na América do Sul – acho que na Argentina, no Peru e em outros países da América do Sul –, é amplamente usada na América Central, e em Bangladesh.
E a aspirina, de 81 miligramas para 325, é uma atualização. À medida que aprendemos mais, com base nos dados, continuamos atualizando as recomendações.
A questão é que as recomendações são muito eficazes. Não acho que um paciente com mais de 50 anos com doença pulmonar mais grave deva ficar sem tratamento. O risco de hospitalização e morte é muito alto.”
Por que a hidroxicloroquina recebe tanta atenção?
“A hidroxicloroquina é a droga mais estudada para Covid-19 no mundo. De agosto a dezembro, muitos outros estudos foram feitos, incluindo alguns muito grandes. Continuamos acompanhando as novidades.
No momento, existem 165 estudos com revisão por pares sobre hidroxicloroquina. E geralmente eles apoiam a ideia de que a hidroxicloroquina desempenha um papel na Covid-19. Como eu disse, não é uma droga única. É um dos cerca de quatro a seis medicamentos que usamos em combinação. Mas é a droga mais estudada entre todas as possibilidades.”
Por que você acha que há tanta relutância em se discutir o tratamento precoce?
“Acho que há vários motivos. Mais diretamente, acho que os próprios médicos têm tido muito medo de contrair o vírus. Então, se eles se envolverem no tratamento precoce, podem entrar em contato com o vírus. Eles se sentem desconfortáveis fazendo tudo pelo telefone ou pelo computador. Eu acho que o receio médico é um dos problemas.
Acho que outra razão é que todos os governos, empresas farmacêuticas e agências de pesquisa fracassaram na realização de grandes ensaios clínicos. Por grandes ensaios clínicos, quero dizer que deveríamos ter tudo ensaios de 20 mil pacientes, randomizados para regimentos de múltiplas drogas, e eles deveriam ter sido feitos em março, abril e maio. Mas nenhum desses estudos foi feito. Nenhum dos governos fez um único estudo de alta qualidade. Nenhum. Nenhum estudo randomizado.
Portanto, ficamos com estudos observacionais e fontes de evidências mais fracas. Com fontes de evidência mais fracas, alguns médicos dizem: “Não vou fazer nada até que haja evidências mais fortes”. A questão é que nunca haverá evidências mais fortes. Os ensaios clínicos conclusivos nunca foram realizados. Eles nunca foram planejados. Eles não estão disponíveis.
Temos informações limitadas. O que estamos vendo realmente é que apenas médicos de elite, com habilidades científicas e clínicas de elite, são capazes de tratar os pacientes precocemente da Covid-19. O médico comum não pode fazer isso, e o médico comum está esperando que um governo ou uma diretriz ou uma agência diga a eles o que fazer. E não está chegando. Não haverá instruções para os médicos. As melhores instruções que existem são os dois artigos que publiquei. Não há nada nem próximo dele para dar aos médicos um caminho de como tratar a Covid o quanto antes e com sucesso.”
Como você vê as decisões do Twitter de suspender contas que falam sobre tratamento precoce?
“Um dos grandes desafios é a censura, porque o tratamento precoce é uma ameaça em potencial para algumas partes interessadas. Existem médicos, hospitais, grupos médicos, governos e outras organizações que são contra o tratamento precoce. Os cientistas que apresentam informações sobre isso podem ser vistos como uma ameaça para aqueles que não o fazem.
Portanto, é possível que esses indivíduos sejam censurados. E é isso que está acontecendo. Isso elimina qualquer esperança de que as pessoas descubram o tratamento precoce. Fazê-los aprender sobre mais de cem estudos da hidroxicloroquina, aprender sobre os estudos da ivermectina, os estudos com esteróides, os cinco ou seis estudos com anticoagulantes, os dois estudos com aspirina… São ensaios observacionais e, às vezes, randomizados, e essa informação deveria se espalhar, mas está sendo censurada. Como está sendo censurada, isso está criando mais medo, mais isolamento, grande número de internações e grande número de mortes. A censura de informações científicas pelo Twitter está causando um grande desastre no mundo.”
Como você vê o ambiente científico? Existe uma politização também entre os pesquisadores?
“Coletivamente, não houve nenhum investimento em pesquisas sobre tratamento precoce. Eu diria que a comunidade acadêmica não tem interesse em ouvir sobre o tratamento precoce. É muito difícil publicar artigos. Em centros médicos em todo o mundo, não há esforço para tratar os pacientes precocemente. Zero. Nos Estados Unidos, essa vai ser a principal causa de morte em nosso país no último ano. E nossos principais centros médicos não estão oferecendo nada aos pacientes para tratamento precoce.
A história vai passar a seguinte fatura: que a gente teve uma doença que atingiu a América, atingiu a América do Sul, atingiu todos os países do mundo, os pacientes adoeceram por duas semanas antes de chegarem ao hospital, e nenhum desses centros médicos fez nada para aliviar os sintomas, para encurtar a duração da doença ou reduzir a hospitalização e a morte. Nada. Não há um único estudo ou programa em Harvard, nem um único estudo ou programa da Mayo Clinic. É realmente chocante. É chocante e preocupante que os principais centros médicos não tenham oferecido nada aos pacientes em tratamento precoce para evitar resultados negativos.”