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Saúde

Epidemia silenciosa

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O Brasil deverá presenciar nas próximas décadas uma espécie de epidemia silenciosa, cujos sintomas demoram a ser percebidos e o tratamento gera elevados custos para a saúde pública. Trata-se da demência, uma síndrome que afeta a memória e o comportamento dos pacientes e que acomete principalmente os idosos. A forma mais comum é a doença de Alzheimer.O envelhecimento da população será o propulsor dessa epidemia. Hoje, a demência atinge cerca de 1 milhão de idosos no Brasil. O país está na região que, segundo previsão da Alzheimer’s Disease International, organização internacional sobre a doença, poderá ter o maior crescimento proporcional de portadores acima de 60 anos nas próximas duas décadas. A América Latina tropical, que abrange Brasil e Paraguai, registrará um aumento estimado de 146% entre 2010 e 2030. A quantidade de pacientes subirá de 1,05 milhão para 2,6 milhões. No mundo, a estimativa é de 85%.

Para a professora do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Márcia Scazufca, que participou de um consenso mundial sobre o crescimento, as projeções são alarmantes. Segundo ela, o Brasil tem uma dificuldade a mais na comparação com países desenvolvidos, onde o aumento da população idosa foi lento. "No Brasil, o número de idosos está crescendo vertiginosamente e fica mais difícil de se preparar", diz.

Custos

O crescimento exigirá mais investimentos na área de saúde, qualificação dos profissionais, formação de cuidadores de pacientes e conscientização da população, apontam especialistas. E isso gera uma despesa elevada. O custo estimado da demência no mundo no ano passado foi de US$ 604 bilhões, segundo a Alzheimer’s Disease International. O valor equivale a cerca de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) global.

A vice-coordenadora do Departamento de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia, Sônia Brucki, explica que há gastos diretos, gerados pela medicação, hospitalização e contratação de cuidadores, e outros indiretos, causados pelos pacientes e familiares que deixam de trabalhar por causa da doença.

Sônia revela que, assim como outros países, o Brasil não está preparado por enquanto para lidar com a situação. Segundo ela, existem médicos que "ainda deixam muito a desejar" na suspeita de declínio cognitivo. "Uma coisa fácil de você fazer é incorporar na consulta, qualquer que seja a especialidade médica, a pergunta se o paciente está com algum problema de memória, com dificuldade de fazer o que fazia antes."

Necessidade

No Brasil, o doente ainda é "subtratado e subdiagnosticado", afir­­ma o neurologista, geriatra e gerontólogo Luiz Carlos Ben­thien. Segundo ele, o aumento de casos de demência será um seriíssimo problema de saúde pública e é importante que o sistema comece a treinar os cuidadores de pacientes.

Outra necessidade é que a população fique atenta aos sinais da demência. De acordo com a Academia Brasileira de Neurologia, um paciente demora, em média, mais de três anos para saber que tem a doença de Alzheimer. Para o psiquiatra Leonardo Caixeta, da Universidade Federal de Goiás, as demências são consideradas epidemias silenciosas. "Na cultura latino-americana, o déficit de memória não é experimentado pela família. Quando o idoso chega [ao médico] já está entrando em fase moderada", diz. A demência não tem cura, mas o diagnóstico precoce e o tratamento aumentam a sobrevida e a qualidade de vida do paciente.

Ações

Para tratar os casos, o Ministério da Saúde informou que instituiu o Programa de Assistência aos Portadores da Doença de Alzheimer. A ação funciona por meio de Centros de Referência em Assistência à Saúde do Idoso, responsáveis pelo diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos pacientes. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, o sistema público oferece a rivastigmina, a galantamina e o donepezil, remédios utilizados no tratamento. Também estão sendo capacitados profissionais do SUS para atendimento aos idosos.

"Minha mãe nem sabe que tem Alzheimer"

Esquecimento, mudança de comportamento e dificuldade com atividades cotidianas são alguns dos sintomas que podem indicar a demência. No entanto, as manifestações muitas vezes passam despercebidas e, quando se procura ajuda médica, a doença já está em estágio avançado.

O caso de Lúcia*, de 91 anos, é considerado exceção: procurou o médico assim que começou a notar os sintomas e logo começou o tratamento, que hoje dura quase dez anos. Ela tem princípio de Alzheimer, mas não sabe disso. "A mãe bem no começo sempre falava: ‘Graças a Deus que não tenho Alzheimer’. A gente procura não falar para ela", conta o filho.

Segundo ele, a mãe tem uma vida normal: viaja, se reúne com as amigas, vai à igreja, borda, assiste à novela. "Ela sabe o que quer, não está alheia, conversa, dá recados, lembra de fatos de agora e anteriores", conta.

Na família há outros casos de pessoas com demência. Devido à experiência, ele orienta que as famílias fiquem muito atentas ao comportamento dos idosos.

* Nome fictício

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