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Para as entidades regulatórias, como a Anvisa, os benefícios superam os riscos do uso da pílula. | Marcio Sacatrut
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Para as entidades regulatórias, como a Anvisa, os benefícios superam os riscos do uso da pílula.| Foto: Marcio Sacatrut /Arquivo/Gazeta do Povo

A analista de sistemas Natalia Pinto tomava anticoncepcional oral há cinco anos – indicação médica para o tratamento das fortes cólicas que acompanhavam seu ciclo menstrual e para prevenir uma gravidez não planejada – quando sofreu uma trombose vascular cerebral e uma trombose venosa profunda aos 28 anos.

Do primeiro sintoma, fortes dores de cabeça, até o diagnóstico foram quatro dias; depois, três em coma induzido e 20 na UTI. Terá de tomar anticoagulantes pelo resto da vida. Foi apenas nessa situação extrema que descobriu ter predisposição a desenvolver trombose, condição que, segundo recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), inviabiliza o uso de anticoncepcionais orais.

Mais casos

Reações adversas a anticoncepcionais orais combinados (pílulas de 3ª e 4ª geração, com estrogênio e progestogênio na composição), como a que Natalia teve, ainda são consideradas raras diante do universo de milhares de mulheres que usam o medicamento – cerca de dez a cada dez mil consumidoras de pílulas.

O problema é que, quando acontecem, costumam ser devastadoras. É isso que revelam centenas de depoimentos compartilhados pelo coletivo “Vítimas de anticoncepcionais – Unidas pela vida”, criado pela professora universitária Carla Simone Castro e hoje com quase 80 mil seguidores.

Os relatos mostram casos de trombose cerebral, trombose venosa profunda, embolia pulmonar e AVC. As vítimas são mulheres de todas as idades e perfis – com mais de 40 anos e adolescentes de 16; que usaram o mesmo medicamento durante anos e que tomaram a pílula durante poucos meses; com diagnóstico de trombofilia (predisposição ao desenvolvimento de trombose) e sem qualquer fator de risco. No caso de todas, permanece a suspeita de que a causa dos problemas foi a pílula.

O que Carla – que desde 2014 lida com as sequelas de uma trombose cerebral e três AVCs em decorrência do uso da pílula – quer é mostrar que os casos raros não são assim tão raros e que muitos poderiam ser evitados com informação adequada e exames para descartar trombofilia.

Comunidade científica dividida

A discussão sobre os efeitos nocivos do uso de anticoncepcionais orais não é de hoje – mas os resultados não são conclusivos e não há consenso entre a comunidade científica.

O professor e chefe do departamento de tocoginecologia da UFPR, Rosires Pereira de Andrade, explica que algumas dezenas de pesquisas associam o uso de pílulas combinadas a um risco aumentado de trombose, infarto do miocárdio e AVC, porém, ele destaca, há também estudos que sugerem que a chance de desenvolver esses problemas é a mesma com anticoncepcionais mais antigos.

“Existe um risco inerente à pílula. Se compararmos mulheres que não tomam e mulheres que tomam, essas últimas têm mais chances de desenvolver tromboembolismo, mas é uma chance reduzida. Porém, se a paciente tiver propensão, o risco aumenta. É preciso ser muito crítico sobre a questão. Muitas vezes a trombose é provocada por outros fatores, embora possa haver associação com o anticoncepcional”, pondera.

Trombose

A trombose acontece quando um coágulo se forma dentro de veias e artérias e bloqueia a passagem do sangue. Às vezes, o coágulo se forma em um ponto, na perna, por exemplo, mas causa o entupimento de vias do pulmão, do cérebro ou de outras partes do corpo.

O surgimento de tromboses está relacionado, mas não unicamente, com a variação de hormônios – por isso mulheres que tomam anticoncepcional oral correm um risco até seis vezes maior de ter trombose. A gravidez também é um período de risco mais elevado.

Trombofilia

Algumas mulheres possuem predisposição genética a desenvolver trombose, condição chamada trombofilia. Pacientes com trombofilia não devem usar anticoncepcionais orais – trata-se de contraindicação formal e expressa, uma vez que a associação entre a condição genética e o uso da pílula aumenta em até 30 vezes o risco de formação de coágulos.

Não existe um exame único para prever a propensão à trombose; hoje há sete exames de sangue principais para identificar mutações genéticas que afetam a coagulação e predispõe à formação de trombos. Entre as causas genéticas de trombofilia estão alterações ligadas aos inibidores da coagulação (como proteína C) ou mutações de fatores da coagulação (como o fator VIII).

Entidades regulatórias entendem que benefícios superam riscos

A despeito das divergências sobre os riscos acarretados pelo uso de anticoncepcionais orais, entende-se que os benefícios do medicamento superam os riscos. Ainda assim, nos últimos anos países como EUA, Canadá e França adotaram medidas para que os riscos e contraindicações sejam melhor esclarecidos: desde alertas enfáticos nas bulas até venda com retenção de receita.

No Brasil, após receber reclamações contundentes – entre 2011 e 2015, foram 200 notificações de reações adversas graves e não-graves relacionadas a contraceptivos orais compostos de drosperinona e etinilestradiol –, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) atualizou o informe sobre efeitos adversos graves associados ao uso da pílula.

O documento enfatiza que todas as mulheres, e não apenas aquelas com histórico familiar ou individual de risco, podem sofrer trombose associada ao uso de anticoncepcionais orais e ressalta que o risco de ocorrência desse tipo de reação varia conforme o tipo de progestagênio contido na formulação. O informe solicita ainda que profissionais de saúde notifiquem suspeitas de reações adversas graves.

Em 2014, a ouvidoria da Anvisa recomendou que a agência estimulasse os médicos a solicitar exames genéticos para verificar se a paciente tem tendência à trombose antes de prescrever o anticoncepcional. A recomendação não foi implementada, mas entidades médicas se mostram contrárias e defendem que a avaliação do histórico médico é mais eficiente do que pedir o exame a todas as mulheres; além disso, em muitos casos os testes genéticos não detectam nada, mas o risco ainda existe.

O professor do curso de Medicina da UFPR, Rosires Pereira de Andrade, concorda. Para ele, o “segredo” para evitar que casos como os de Natalia e Carla se multipliquem está na consulta que antecede a indicação da pílula e no histórico médico familiar de cada paciente. “Do ponto de vista da saúde pública, não justifica solicitar o exame sem qualquer indicação ou suspeita pelo histórico médico familiar.”

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