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Apesar dos acenos aos policiais estaduais, que representam 80% de todos os membros das forças de segurança do país, terem sido uma constante na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante o período eleitoral, nenhum representante dessas instituições foi escalado para a equipe técnica de segurança pública na equipe de transição do novo governo.
Entre os 17 membros escolhidos para o grupo temático de segurança pública há apenas um policial: o delegado da Polícia Federal (PF) Andrei Passos Rodrigues, que é responsável pela segurança pessoal de Lula. O restante da equipe é formado por advogados, acadêmicos, ativistas de direitos humanos e políticos, como é o caso do ex-governador do Maranhão e senador eleito Flávio Dino (PSB); o senador Omar Aziz (PSD), que ganhou notoriedade após ocupar a presidência da CPI da Covid-19; e o deputado federal Paulo Teixeira (PT).
Como mostrado pela Gazeta do Povo, atores políticos diversos que participaram da frente de apoio à candidatura de Lula, como lideranças de movimentos sociais, representantes de entidades da sociedade civil e integrantes dos dez partidos que compuseram a coligação vencedora pressionam o petista por espaço no governo.
Abrigar aliados na equipe de transição foi o primeiro desafio de Lula – até agora mais de 300 pessoas foram alocadas nas atividades. As categorias policiais, entretanto, não costumam fazer parte da base de apoio petista e tendem a ser mais alinhadas com a plataforma de Jair Bolsonaro (PL).
Ao anunciar novos nomes para a equipe de transição na última quarta-feira (16), o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), que coordena as atividades, disse que todas as polícias seriam chamadas a participar do grupo técnico, mas não trouxe detalhes sobre como e quando isso ocorrerá. A reportagem solicitou informações adicionais informações a integrantes da equipe de transição sobre como seria essa participação, mas não houve retorno até o fechamento da matéria.
Entidades representativas dizem que ainda não há convite para contribuições
À Gazeta do Povo, os presidentes das principais entidades representativas das polícias militar e civil em âmbito nacional declararam que ainda não houve convite para participação em encontros da equipe técnica.
Rodolfo Queiroz Laterza, presidente da Associação de Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), avalia a opção da equipe de Lula de incluir apenas um policial no grupo como prejudicial às discussões sobre segurança pública. “É uma decisão que não começa de forma positiva. Nenhuma política pública nessa área vai ter efetividade sem se conversar com os atores corporativos qualificados, que são as entidades de classe de âmbito nacional”, afirma Laterza, que é delegado da Polícia Civil do Espírito Santo. “Não adianta querer inventar a roda: segurança pública dissociada do fator empírico, a partir de observação, testagem e verificação dos fenômenos, não funciona”, enfatiza.
Já Marlon Jorge Teza, presidente da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (Feneme), disse à reportagem que houve um contato superficial por parte de um membro da equipe de transição do governo petista à entidade, no qual foi dito que futuramente a categoria seria chamada para participar de um encontro. “Houve um contato bastante superficial. Não tem data marcada, nem nada. Estamos aguardando”, afirmou Teza, que é coronel da Polícia Militar de Santa Catarina.
A ausência de policiais militares e civis na equipe técnica também foi apontada pelo presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima, como um “sinal muito ruim”. “A voz que está sendo ouvida não é a dos policiais. Todo problema da segurança pública que temos insistido nos últimos anos, como falar de carreira, lei orgânica, lei geral, estrutura de regimentos disciplinares, fica comprometido. O sinal é muito ruim”, declarou Lima em entrevista ao UOL.
Decisão vai na contramão de promessas de Lula a policiais durante campanha
Segundo dados do 16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, dos cerca de 630 mil agentes de segurança distribuídos entre todas as corporações do país, quase 500 mil são agentes estaduais, dentre policiais militares e civis.
Durante a campanha eleitoral, Lula fez sinalizações diversas às categoriais policiais. Em seu plano parcial de governo, destacou a valorização do profissional de segurança pública como princípio orientador de todas as políticas públicas da área. O documento trouxe propostas à categoria, como implementação de canais de escuta e diálogo com os agentes, programas de atenção biopsicossocial; debates sobre padronização de escalas e jornadas de trabalho e diretrizes nacionais sobre direitos humanos dos policiais.
Foi aventada também a controversa proposta de “reeducar policiais”, que se daria, segundo o plano parcial de governo petista, por meio de atualização de doutrinas das corporações, reformulação dos processos de seleção e melhoria da qualificação técnica dos policiais. Contudo, várias das propostas que se relacionam com policiais militares e civis deverão ficar apenas no discurso, já que essas corporações estão sob o controle dos governos estaduais, não do governo federal.