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Distribuição está na origem do problema

Onze estados brasileiros são cortados pela faixa de fronteira. No Paraná, 139 dos 399 municípios estão dentro desse limite, onde há possibilidade de o Incra impedir a ratificação dos títulos estaduais, caso os proprietários não tenham o certificado oferecido pelo órgão. Em outros estados, o índice de cidades dentro da linha imaginária ultrapassa os 50% e pode chegar à totalidade, caso do Acre. Apesar de outros estados apresentarem a mesma "limitação", apenas no Paraná existem grandes disputas a respeito dos títulos de propriedade, segundo a procuradora-chefe da Procuradoria Federal Especializada do Incra-PR, Josely Trevisan Massuquetto.

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Reforma fica mais lenta no Paraná

Levantamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Paraná mostra que de 2007 para cá caiu o número de assentamentos homologados no estado. Enquanto em 2007 foram formalizados sete assentamentos para 348 famílias, em 2008 a quantidade caiu para quatro assentamentos para o atendimento de 206 famílias e, em 2009, nenhum assentamento foi regularizado.

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Disputa

Entenda como a distribuição de títulos na década de 1950 continua a ecoar no estado:

1947 a 1951 e 1956 a 1960 – De acordo com o Incra-PR, o governador Moysés Lupion distribuiu títulos de posse de terras no Oeste e no Sudoeste do estado na faixa de fronteira (até 150 quilômetros a partir da divisa do Brasil com outros países). Essas áreas, conforme as várias constituições que o país já teve, são federais.

Década de 1960 – Detentores dos títulos distribuídos pelo ex-governador vão conhecer "seus" terrenos, mas encontram posseiros, gerações antigas de famílias que usavam a terra.

Com isso, a posse de terras era definida a bala.

Década de 1970 – Recém-constituído, o Incra ratificou a posse de terra para antigos ocupantes, mas impediu a permanência dos detentores de "títulos podres". Para retirar grileiros, o Incra entrou com ações de desapropriação, inserindo indenizações irrisórias em vez de pedir a nulidade dos títulos.

2010 – Pelo menos 3 mil ações continuam em tramitação no STF e STJ, pois parte dos detentores dos títulos podres pede a atualização dos antigos valores para o preço do mercado.

Uma ação do governo do estado nas décadas de 1950 e 1960 pode custar caro para a reforma agrária do Paraná e, sobretudo, para a Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra-PR). O instituto pode ser obrigado a arcar com o pagamento de aproximadamente R$ 20 bilhões em indenizações de terra que, na origem, eram federais. Quase cinco vezes maior do que o orçamento do Incra nacional, o valor corresponde a pelo menos três mil ações de desapropriação de terra ocorridas na década de 1970. Ao valor da terra, somam-se os juros compensatórios e moratórios, a correção monetária e as custas de quase 40 anos de disputa judicial. As ações tramitam atualmente no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF), com jurisprudências contraditórias.

O valor já foi depositado em juízo pelo Incra em Títulos da Dívida Agrária (TDA). Caso o governo federal perca na Justiça, o dinheiro – que poderia assentar com folga as quase 6 mil famílias que vivem acampadas no estado e dar fôlego à reforma agrária do país – terá de sair dos cofres para substituir os TDAs vencidos.

Apesar da existência de jurisprudência para os dois lados, a maior parte dos julgamentos em 1.ª e em 2.ª instâncias foi favorável aos detentores de títulos cedidos pelo governo do estado. Conforme especialistas que estão do lado de fora da batalha, existe tendência de que os tribunais superiores sigam as decisões da 2.ª instância. As peculiaridades dos casos, contudo, dão esperança ao Incra-PR. "Quem precisa provar a propriedade é o particular. A premissa constitucional é de que as terras são públicas, federais nesse caso, pois se encontram na faixa de fronteira (de 0 a 150 quilômetros da divisa com outros países)", avalia a procuradora-chefe da Procuradoria Federal Espe­cializada do Incra-PR, Josely Trevisan Massuquetto.

História

É preciso voltar no tempo para compreender a questão. Moysés Lupion, governador do estado por duas vezes (de 1947 a 1951 e de 1956 a 1960), cedeu títulos de propriedade a inúmeras pessoas nas regiões Oeste e Sudoeste, supostamente com a intenção de povoar o Paraná. Os títulos, no entanto, não eram válidos, pois a Constituição Federal da época determinava que a faixa de fronteira era propriedade federal – artigo, aliás, mantido na atual Constituição. Apesar de inválidos, os documentos causaram disputa jurídica. Houve também disputa violenta no campo pela posse das terras, acabando com mortes de posseiros no interior do Paraná.

Com a intenção de acabar com as disputas, um recém-criado Incra, na década de 1970, realizou operação pente-fino para determinar os reais donos da terra. Na época, o órgão adotou o critério legal de garantir a posse a quem realmente explorasse as áreas. Para isso, contudo, havia necessidade de expulsar alguns dos detentores de títulos nulos.

À época, existiam dois instrumentos jurídicos possíveis: declarar nulidade dos títulos ou desapropriação. "A nulidade seria correta juridicamente. Mas, como não havia tutela antecipada, demoraria muito e manteria a disputa na base da violência", explica Josely. Em época de ditadura militar, o instituto adotou a segunda possibilidade, porque o procedimento levaria, no máximo, 48 horas. "Foi o contexto social que determinou a escolha", afirma.

Professor de Direito Proces­sual Civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Manoel Caetano Ferreira Filho avalia que as decisões do STJ e do STF podem ser favoráveis aos antigos detentores dos títulos de Lupion. "Geralmente, os julgadores tendem a seguir o raciocínio formal. Como o Incra usou a desapropriação, ele reconheceu a propriedade dessas pessoas", esclarece. Ferreira Filho afirma, no entanto, que, em casos específicos, os ministros podem julgar de maneira distinta. "Soluções excepcionais acontecem em casos excepcionais. É necessário ter em mente o contexto no momento de julgar e que a indenização pode onerar o estado", diz.

A professora de Direito Agrário da Pontifícia Univer­sidade Católica (PUCPR) Ana Paula Liberato afirma que a disputa entre interesse público e privado é o que está em jogo. Por esse motivo, em sua opinião, o Incra-PR pode ser obrigado a arcar com o pagamento dos R$ 20 bilhões, já que a Justiça geralmente tende para as causas particulares. "O que vale mais? A ideia da proteção constitucional ou o interesse emitido em cima de um título?", questiona a professora. "Infelizmente, a jurisprudência tem uma forte tendência a proteger os proprietários", conclui.

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