As suspeitas contra a médica Virgínia Soares de Souza e outros seis funcionários do Hospital Evangélico de Curitiba foram reforçadas por prova técnica na última semana. É o entendimento do Ministério Público do Paraná (MP-PR), que recebeu a conclusão do segundo pedido de esclarecimentos feito por réus e pelos próprios promotores responsáveis Fernanda Nagl Garcez e Paulo Sergio Markowicz de Lima. A equipe da médica é acusada de abreviar vidas de sete pacientes na UTI daquele hospital. O caso veio à tona em 2013 após uma investigação do Núcleo de Repressão aos Crimes Contra Saúde (Nucrisa), da Polícia Civil.
Segundo a promotora, que concedeu entrevista exclusiva ao jornal Gazeta do Povo, a perícia é conclusiva e apontou que os sete pacientes mortos naquele hospital sob a tutela da equipe da médica Virgínia não estavam em estado terminal e receberam medicamentos para bloqueio neuromuscular, analgesia e sedação desnecessariamente. Além disso, explicou a promotora, a equipe de profissionais daquela Unidade de Terapia Intensiva não trabalhou para reverter o quadro agravado pelas medicações, conforme a técnica médica.
A tese do MP é de que a equipe da médica, sob o comando dela, antecipava as mortes dos pacientes para abrir vagas na UTI. Na época das investigações policiais, interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça mostraram conversas dela mencionando que não adiantaria “entulhar a UTI” e ressaltando que tinha que “girar”, uma suposta referência à liberação de vagas e até perguntando se determinado paciente “já tinha ido”, e em outro momento dizendo que “já tinha ido com dois”.
“O que a gente considera que está comprovado pela perícia médica oficial do IML é que não há nos prontuários de todos os pacientes registros de dados objetivos que apontem a necessidade do bloqueio neuromuscular, analgesia e sedação. Muito menos em doses superiores ao aplicado em casos que necessitam”, afirmou a promotora.
De acordo com Fernanda, a perícia explicou que, se os pacientes estivessem em fase de terminalidade, não seria adequado fazer bloqueio neuromuscular. “Se fosse para usar o bloqueio, o médico não o deixaria morrer logo em seguida sem tentativa correta de reversão do quadro”, explicou.
Além disso, o MP interpretou que a perícia ainda colaborou para compreender que não há recomendação para uso dos medicamentos usados. “A medicina paliativa no mundo inteiro, algo reconhecido pelo perito, não recomenda bloqueio neuromuscular para dar conforto, aliviar sintomas”, ressaltou.
A promotora lembrou ainda que o perito deixou claro que eram todos pacientes com doenças de base diferentes, evoluindo com determinado controle, que receberam tratamentos semelhantes, como a aplicação dos mesmos medicamentos, com as mesmas doses.
“Em todos os pacientes que morreram neste caso, você vê um padrão. Estavam com certa estabilidade, o que não quer dizer que fosse grave ou que não fossem morrer no futuro, mas não houve nada que justificasse a aplicação dos medicamentos, e não morreram pela evolução da doença, mas por terem tido a morte provocada”, explicou a promotora.
MP já criticou a perícia em fevereiro
Quando saiu a perícia em novembro do ano passado, o Ministério Público criticou a análise realizada e ressaltou que beirava a nulidade. O motivo, revelado com mais detalhes agora, é que o perito do Instituto de Criminalística havia cometido erros inadmissíveis, como o uso de sites sem qualidade técnica para embasar a perícia, o que causou algumas impugnações de questões. Depois disso, tanto MP e réus pediram impugnação e esclarecimentos em várias questões.
“Ele inicialmente se fiou em dados que não constavam nos prontuários. Impugnamos isso, ele voltou atrás e corrigiu”, afirmou.
Outro problema encontrado na perícia inicial, impugnada pelo MP, foi um juízo de valor realizado pelo perito ao responder a pergunta de um dos réus. A defesa de um deles questionou se, na aplicação do tratamento, ele percebeu dolo (intenção). O perito havia respondido que não encontrou dolo durante a análise.
“A tese do MP é que a aplicação do medicamento era feita visando a morte dos pacientes. Isso não é objeto de perícia. Falar se agiu com dolo ou não, não é função da perícia. Tem uma pergunta que o perito respondeu num primeiro momento se ele viu dolo, feita por um réu. Ele disse que não. Voltou atrás após nos impugnarmos”, explicou Fernanda.
Retomada das audiências
Até esta segunda-feira (8), não houve novo pedido de esclarecimentos sobre a perícia pelas partes. O MP tem entendido que o processo deverá prosseguir mais rápido, pelo menos até a parte do interrogatório dos réus. O processo ainda está em fase de manifestação após a perícia. Encerrada esta etapa nos próximos dias, o juiz da 2ª Vara do Júri de Curitiba, Daniel Ribeiro Surdi de Avelar, poderá determinar que o perito e o assistente técnico do MP, que é um médico especialista, sejam ouvidos. Após isso, é que a Justiça marcará o interrogatório dos réus. O MP espera que isso aconteça até setembro deste ano. Em seguida, o juiz poderá afirmar se pronunciará os réus a júri ou não.
Apesar disso, a promotoria fez um alerta. O processo ainda será longo em razão de nunca ter havido no país caso semelhante. “É um processo sem precedentes na história do processo penal brasileiro. Tudo neste processo é difícil, no sentido de que não há precedente. É difícil para as partes, perito e vai ser para o júri”, disse Fernanda.