Na Vila Torres a experiência da educação integral foi uma demanda da própria comunidade. A região abriga um número enorme de carrinheiros, responsáveis pela maior parte da separação do lixo na capital. Mas o trabalho pesado traz consequências para as famílias. Pais e mães precisam passar o dia todo perambulando pela cidade em busca de papel e papelão e as crianças, que ficavam somente um período na escola, não podiam ficar sozinhas à tarde. Além disso, a experiência está garantindo que o direito à educação seja cumprido. Estender o número de horas na escola possibilita que crianças ampliem seu repertório. Além do conteúdo formal, os meninos e meninas da Vila Torres agora têm na grade escolar atividades como dança, música e capoeira. O currículo não deixou as disciplinas formais no período da manhã e o "lazer" à tarde. Isso permite que os estudantes percebam o aprendizado em todas as áreas. Eles chegam às 8h e vão embora às 17h, fazendo três refeições diárias. São atendidos 350 crianças e adolescentes do 2.º ao 9.º ano do ensino fundamental.
Para a dona de casa Roseli Vidal, a ida dos netos à escola em período integral é um passaporte para um futuro melhor. Há dois anos a mãe de Fábio, 15 anos, Valéria, 14, Vitália, 13, Fabiana, 11 e Fabíola, 9, faleceu e a avó precisa sustentá-los com apenas R$ 800 por mês. "Quero que eles tenham uma vida diferente da minha e possam construir seus sonhos", diz Roseli.
Implementação
O processo de implementação da educação integral no Colégio Estadual Manuel Ribas ainda está em construção. No início, tanto professores quanto alunos estranharam a novidade. Os meninos e meninas achavam que ficariam "encarcerados" durante todo o dia e houve conflitos. Para os docentes, lidar com essas expectativas e desentendimentos também foi difícil. Mas, no final do primeiro semestre de 2010, o saldo é positivo para ambos os lados.
Na última semana, os professores discutiram animados como integrar todas as disciplinas e fazer com que a aprendizagem seja algo constante. "Nossa principal impressão hoje é que é impossível pensar a formação dos alunos em apenas quatro horas. Estamos buscando uma educação emancipadora e para isso é preciso um período maior", conta o vice-diretor Sérgio Luís do Nascimento.
Arlete Baglioli leciona Matemática e relata que foi preciso muito diálogo para criar um bom clima na sala de aula. Alguns alunos chegaram a pedir transferência para outras escolas. "Agora sabemos que não é impossível. Quero muito que esta experiência dê certo", diz a professora que também foi aluna da instituição. A conselheira tutelar Maurina Carvalho da Silva, líder comunitária do local, afirma que o órgão já percebeu os benefícios. "Nossa preocupação era quando os pais levavam as crianças para buscar material reciclável. Isso já diminuiu."
Desafios
Além da recusa inicial de alguns alunos, o desafio dos professores do Manuel Ribas será manter a escola atraente, principalmente para os jovens do 6.º ao 9.º ano. O colégio ainda sofre com problemas de infraestrutura. Faltam banheiros, salas de aula ambiente, espaços de lazer e um refeitório adequado. Fátima Yokohama, diretora de políticas e programas educacionais da Secretaria de Estado da Educação (Seed), informou que já foi aberto um processo para construção desses espaços.
Modelos públicos que deram certo
Em todo o país há bons exemplos de políticas públicas que conseguiram implantar com sucesso a educação integral, embora ainda sejam iniciativas isoladas. No Paraná há casos reconhecidos em premiações e trabalhos acadêmicos. Em Paranavaí, Noroeste, o Centro de Atendimento Especial à Criança e ao Adolescente (Cecap) se aliou às escolas do município e desenvolve um trabalho de ensino integral que conseguiu ampliar a nota do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 4 para 5,2 em dois anos. No horário alternado da escola, os meninos e meninas têm oficinas de dança, música, educação artística, leitura, contação de histórias e participam de atividades culturais.
Em Porecatu, município do Norte do estado, com 15 mil habitantes, as crianças e adolescentes ficam em tempo integral na escola desde 2005. Além de melhorar a nota do Ideb, passando de 3,2 para 5,1, o ensino ajudou a diminuir a evasão escolar causada pela cultura canavieira. A professora da Universidade Federal do Paraná Verônica Branco, que acompanhou a implementação da iniciativa, explica que o segredo foi aplicar bem o valor destinado ao setor. Processo semelhante também ocorreu em Apucarana.
Em Belo Horizonte (MG) a prefeitura trabalha desde 2006 com o conceito de bairro-escola. Isso significa que os alunos têm aulas em diversos espaços da cidade.
* * * * *
Interatividade
Como tornar o ensino integral mais atraente?
Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br
As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.