"Eu vou matar, é melhor vocês não fugirem"
"Eu só escutava gritos. Ele [o assassino] gritava: Eu vou matar, é melhor vocês não fugirem. Vou matar de qualquer jeito, não adianta correr." O relato dramático de Jade Ramos de Araújo, de 12 anos, só não traduz de forma mais fiel a tensão que viveu ontem do que a palma da mão que ela mostra, rabiscada.
Trancada em uma sala da Escola Municipal Tasso da Silveira para se proteger do assassino que atirava em outros alunos ali perto, ela recorreu a uma caneta para dar vazão ao medo. "Para me acalmar, fiquei desenhando na minha mão", contou. Jade só saiu da sala onde se refugiou ao ouvir os primeiros tiros de Wellington Menezes de Oliveira após ser localizada pelo irmão mais velho.
"Meu irmão saiu batendo de porta em porta e conseguiu me pegar. Eu só escutava gritos. Parecia uma cachoeira de sangue nas escadas", contou a aluna da 6.ª série. "Agradeço aos policiais que salvaram a minha vida [porque] ele ia encurralar todo mundo lá em cima. Ele gritava: Vira para a parede que eu vou te matar. E atirava. Tive muito medo de ele me matar."
A dramaticidade do relato de Jade foi comum a tantos outros depoimentos de sobreviventes e testemunhas. O carteiro Hercilei Antunes, de 44 anos, mora bem em frente à escola e ficou em pânico quando ouviu os primeiros tiros. Logo pensou na filha, de 15 anos, e num sobrinho, estudantes do colégio. "Eu ouvi os tiros e corri em direção à escola. Mas cada vez que eu ouvia um disparo eu parava, pois não sabia de onde vinham as balas ou quem estava atirando. A polícia chegou rápido e, após a morte do assassino, corri até a sala da minha filha. Vi professores e alunos deitados no chão apavorados. Só lembro de pegar os dois pelo braço e descer as escadas suando", afirmou.
A Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro, foi palco ontem do crime mais brutal num colégio do país. Por volta de 8h15, Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, disparou mais de 100 tiros em duas salas no primeiro andar da escola. Dez meninas e dois meninos, entre 12 e 15 anos, morreram. Doze estudantes ficaram feridos. Quatro deles estão em estado grave. Taiane Tavares Pereira, de 13 anos, foi atingida por três tiros, teve lesão na medula e corre risco de ficar paraplégica.
Veja slide-show com mais imagens da chacina em Realengo
Alertado por dois alunos que, mesmo feridos, conseguiram fugir da escola, o sargento da PM Márcio Alves trocou tiros com Wellington no corredor do primeiro andar. O atirador foi atingido na perna, caiu na escada e, segundo Alves, se matou com um tiro na cabeça. Toda a ação não durou mais do que 15 minutos. O governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), decretou luto oficial de sete dias em memória das vítimas.
Wellington chegou à escola por volta de 8h15 e se identificou como ex-aluno interessado em buscar seu histórico escolar. Estava bem-vestido, de camisa verde, calça e sapatos pretos, com uma mochila nas costas. Subiu direto para a sala de leitura, no primeiro andar. Na hora, foi reconhecido por sua ex-professora, Doroteia. "Você veio fazer palestra para os alunos?", perguntou. A escola está comemorando 40 anos com palestras de ex-alunos bem-sucedidos.
Não era o caso de Wellington. Doroteia pediu que ele esperasse um pouco porque estava ocupada. Minutos depois começou a tragédia. Wellington saiu da sala, largou a mochila, colocou o cinturão com carregadores, entrou na sala em frente, e anunciou: "Vim fazer a palestra". Em seguida, começou a atirar com um revólver 38 mirando na cabeça das crianças sentadas nas primeiras filas. A outra arma, um revólver 32, não foi usada.
Tiros na cabeça
Uma das crianças contou ao pai que Wellington usava fone de ouvido e que ria enquanto atirava. Alguns alunos se jogaram debaixo das mesas. Outros tentaram fugir. Quando Wellington parou de atirar para recarregar a arma, Patrick da Silva Figueiredo, de 14 anos, que estava nas fileiras de trás, saiu correndo de mãos dadas com uma amiga. Mas não deu tempo. Wellington acertou a menina, Patrick escorregou em uma poça de sangue e quebrou o dedo do pé.
Em seguida, Wellington foi para a sala em frente e fez novos disparos. Segundo alunos, ele mandava que os meninos fossem para a parede. Mesmo diante das súplicas para não serem mortas, Wellington atirava na cabeça das vítimas.
Quando estava no corredor, indo para o andar de cima, Wellington encontrou o sargento. Na troca de tiros, Alves acertou Wellington na perna. Em seguida, segundo o PM, Wellington se matou com um tiro na cabeça. Na mochila dela havia uma carta.
Desespero
No momento do massacre, 400 alunos estavam na escola. As professoras, em pânico, fecharam as portas e bloquearam com cadeiras. No andar de cima, uma professora passou em todas as salas e mandou que os adolescentes subissem para o auditório, no quarto andar. Os alunos ficaram sentados no chão. Os professores trancaram a porta e colocaram cadeiras e armários para bloquear a entrada.
As ambulâncias não foram suficientes para socorrer os feridos. Luiz Alberto Coelho Barros, de 58 anos, passava em frente à escola quando viu adolescentes correndo em pânico. Alguns estavam feridos. "Era uma cena pavorosa. A frente da escola estava cheia de criança ferida no chão", contou. Barros levou seis feridos na carroceria da sua Kombi. "Eles respiravam, mas estavam inconscientes. Uma delas tinha um buraco na cabeça." Dois paramédicos foram na carroceria tentando prestar os primeiros socorros. Em dez minutos, escoltado por policiais, Barros chegou ao Hospital Albert Schweitzer.
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