As decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que consideraram inconstitucionais as iniciativas legislativas de combate à doutrinação em sala de aula, aliadas à falta de apoio político e aos diversos problemas judiciais enfrentados pela organização, levaram o Escola Sem Partido (ESP) a desaparecer do cenário político nacional. Embora enfraquecido, a pauta da doutrinação ideológica das escolas continua em alta e ainda é amplamente utilizada por parlamentares da direita como capital político.
Em 2018, o movimento começou a receber uma série de críticas do filósofo Olavo de Carvalho, que, segundo Miguel Nagib, advogado e fundador do Escola Sem Partido, foram ecoadas por seus seguidores e responsáveis por influenciar Jair Bolsonaro ao assumir a Presidência. Para Nagib, as críticas de Olavo e de grande parte da direita foram o principal motivo do fim das atividades da organização, anunciado em agosto de 2020. Sem apoio político, o movimento que também teve seu ápice em 2018 e pautou parte das eleições presidenciais daquele ano, enfraqueceu.
“O movimento não existe mais. A direita matou o Escola Sem Partido e se uniu à esquerda para esconder o cadáver. Mas subsiste, principalmente na memória da esquerda, a lembrança do impacto que ele causou”, afirmou o fundador.
Apesar do fim oficial do movimento, o tema da doutrinação nas escolas é muito presente no discurso de políticos da direita. No começo da atual legislatura do Congresso Nacional, deputados federais e senadores lançaram a “Frente Parlamentar em Defesa da Educação Sem Doutrinação nas Escolas”. Gustavo Gayer (PL-GO) e Nikolas Ferreira (PL-MG), ambos apoiados por Bolsonaro, são os responsáveis pela presidência da frente.
Reinaldo Azevedo teve grande papel na visibilidade ao tema de doutrinação nas escolas
“De 2007 a 2014, o ESP começou a se tornar nacionalmente conhecido graças ao apoio de pessoas influentes como o, hoje irreconhecível, Reinaldo Azevedo, que fez da doutrinação das escolas um tema recorrente de suas postagens no blog que ele mantinha na revista Veja”, afirma Nagib. Uma das capas da Veja de 2018 chegou a abordar a doutrinação, com a manchete “Escola sem vez – Por que as soluções apresentadas em sala de aula ameaçam piorar o ensino brasileiro”.
Nagib criou o site e as redes sociais do Escola Sem Partido em 2004, com o intuito de trazer visibilidade aos problemas da doutrinação nas escolas. Foi apenas em 2015 que Nagib abriu oficialmente uma associação para promover ações civis públicas em prol de pais e alunos que se sentiam ameaçados pelas narrativas de professores em sala de aula.
Em 2014, Flávio Bolsonaro, então deputado estadual do Rio de Janeiro, procurou Nagib para elaborar anteprojetos de lei com o objetivo de combater a doutrinação em sala de aula. A proposta pretendia obrigar a afixação de um cartaz sobre os “6 deveres do professor” nas escolas. De acordo com os deveres, os docentes não poderiam cooptar os alunos para determinada corrente ideológica ou fazer propaganda político-partidária em sala de aula e deveria tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas de “forma justa” ao apresentar as principais versões de um assunto.
Críticas de Olavo de Carvalho influenciaram Bolsonaro a retirar apoio do ESP, segundo fundador
Olavo de Carvalho chegou a defender o movimento em diversas publicações em suas redes sociais, especialmente em 2016. Em um dos comentários que fez, disse que o Escola Sem Partido “tem de ser doravante o front de luta principal de todos os movimentos populares, se quiserem mesmo mudar o curso das coisas no Brasil em vez de só fazer bonito”.
Depois disso, sua postura mudou. Em 2018, o filósofo afirmou que o problema das escolas era a existência de uma “censura ao pensamento conservador e de direita” em sala de aula. Essa omissão do lado conservador seria fruto de um movimento cultural em funcionamento há 50 anos. Portanto, para o filósofo, o nome mais apropriado para o movimento seria “Escola Sem Censura”.
Nagib, hoje, contesta essa afirmação: “Ora, é burrice chamar de ‘censura’ o ato do professor que sonega aos alunos o acesso a pontos de vista relevantes sobre uma questão controvertida. Censura significa cerceamento à liberdade de expressão, e ninguém está tendo a sua liberdade de expressão cerceada quando um professor age dessa forma”.
Em um vídeo intitulado “Aviso ao Escola Sem Partido”, publicado em 2018, Olavo fez críticas em especial à apresentação de um projeto de lei. Para ele, etapas anteriores seriam necessárias para a adesão à pauta. O primeiro passo, segundo o filósofo, seria o de levantar comprovações juridicamente válidas para iniciar uma discussão intelectual dentro das universidades. Posteriormente, trabalhar na esfera cultural e social, especialmente na conquista da opinião pública, e só depois se deveria passar para a esfera política e, por último, na jurídica.
“Vocês já começaram com a esfera jurídica. Não se vence uma corrente cultural com um projeto de lei. Isso é infantil, isso é pueril”, afirmou o filósofo no vídeo. Nagib responde que “a verdade é que o problema da doutrinação nas escolas nunca foi tão discutido na esfera social e política como entre os anos de 2015 e 2018, e isso só aconteceu graças à estratégia dos anteprojetos de lei do Escola sem Partido”.
Sobre Bolsonaro, Nagib afirma que apesar de o ex-presidente ter se beneficiado com a promessa eleitoral de acabar com a doutrinação na escola, acabou abandonando o ESP, também pela influência de Olavo. “Para começar, eu nunca disse que o ‘governo’ abandonou o Escola Sem Partido. O que eu disse e repito é que os políticos que se elegeram em 2018 com a bandeira do Escola Sem Partido — a começar pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que prometeu solenemente durante a campanha implementar a proposta do ESP — não só abandonaram o movimento, como o boicotaram ao longo de quatro anos, e neste exato momento estão fazendo de tudo para apagá-lo da história.”
A falta de apoio de Bolsonaro teria levado a direita como um todo a desembarcar do projeto. A Gazeta do Povo tentou contato com o ex-presidente, mas não obteve retorno.
Ações no STF contra o Escola Sem Partido colaboraram com o fim do projeto
“Nada teria sido capaz de frear o avanço do ESP, se Bolsonaro não tivesse dado ouvidos a Olavo de Carvalho. Acredito que Bolsonaro desejava realmente acabar com a praga da doutrinação esquerdista nas escolas e universidades. O problema é que ele não conhecia o assunto, e precisava confiar em alguém que conhecesse. Infelizmente, confiou na pessoa errada”, complementa Nagib.
Além dos imbróglios políticos, o ESP enfrentava outros desafios na esfera judicial. O anúncio do fim do ESP ocorreu logo após o STF declarar a inconstitucionalidade de uma lei estadual de Alagoas, baseada nos ideais do movimento. Diante dessa situação, Nagib viu-se sem saída para continuar com a proposta. A decisão do Supremo embasaria ainda mais os processos judiciais de professores contra o movimento, tornando cada vez mais raras as vitórias judiciais do Escola Sem Partido.
Os três pedidos para que o STF analisasse a constitucionalidade da lei estadual foram feitos por dois grandes sindicatos da educação, Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), além do Partido Democrático Trabalhista (PDT). A época, apenas o ministro Marco Aurélio foi favorável à lei.
Voto de Barroso defendeu “liberdade de ensinar”
O voto ganhador, do ministro Luís Roberto Barroso, apontava que o assunto era de competência da União e não dos estados. Além disso, a Corte defendeu o “pluralismo de ideias” para promover o “pleno desenvolvimento e a tolerância à diferença” e a valorização do profissional de educação escolar que possui a “liberdade de ensinar” como um mecanismo “para provocar o aluno e estimulá-lo a produzir seus próprios pontos de vista”.
Em uma entrevista à Rádio Guaíba em agosto de 2020, Nagib considerou a decisão do STF sobre a lei de Alagoas como “a pá de cal” nas atividades do Escola Sem Partido, já que tantas outras já minavam a atuação do movimento. “O Supremo declarou a inconstitucionalidade, por exemplo, de uma norma que diz que professores não podem fazer propagandas políticas-partidárias em sala de aula. Ou seja, ao dizer que esta norma é inconstitucional, o Supremo praticamente reconheceu o ‘direito constitucional’ dos professores de fazer propaganda política-partidária em sala de aula”, se manifestou.
Na mesma entrevista, Nagib afirmou que “se nós tivéssemos o apoio da sociedade, que só pode ser mobilizada por essas grandes lideranças políticas, essas decisões do Supremo teria tido pouca influência”.
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