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A diretora Maria Cristina (ao centro) e equipe com alunos da Germano Paciornik: reunião com os pais criou pacto de trabalho conjunto. | Henry Milleo / Gazeta do Povo
A diretora Maria Cristina (ao centro) e equipe com alunos da Germano Paciornik: reunião com os pais criou pacto de trabalho conjunto.| Foto: Henry Milleo / Gazeta do Povo

Virou rotina chegar ao sexto andar das “torres” da prefeitura de Curitiba, na Avenida João Gualberto, e achar um grupo de professores em pé, em meio a uma reunião relâmpago. Há barulho. No grupo está sempre a educadora Letícia Mara de Meira, uma das diretoras do setor, partilhando as últimas diretrizes. “Em educação, é assim que funciona”, resume. Não raro, algumas participantes vestem uma camiseta na qual se lê “Equidade” – nome do projeto que beneficia 26 mil crianças e motivo da conversa.

Teste

Quatro questões sobre o Equidade:

Convencimento

Firmar a ideia de “equidade” foi o primeiro passo do projeto, o que implicou em muitas peregrinações às escolas, um sem números de mesas redondas, relatórios e seminários, à maneira do que fazem organismos internacionais como a ONU quando precisam firmar, democratizar e popularizar um princípio. Foi assim com a “sustentabilidade”.

Resistência

O termo “equidade”, grosso modo, enroscava numa palavra sólida no campo educacional – a “igualdade”, com a qual se confunde. O esforço é mostrar aos professores que a educação igualitária continua sendo o princípio do ensino de qualidade, mas que a equidade é um degrau para chegar lá. Cartuns e charges, ilustrando situações escolares, ajudaram nos debates. Outro obstáculo foi desconstruir a palavra “meritocracia”, verbete solúvel que acaba sendo usado para justificar a desigualdade entre as escolas.

Políticas

O Ideb continua sendo uma boa régua, dizem gestoras do projeto. Corre em paralelo ao Projeto Equidade, cuja inspiração são as políticas reparadoras ou afirmativas, como o sistema de cotas. “Não aprender é um direito violado”, lembram. Na prática, a atual fase do Equidade inclui reforço pedagógico, apoio aos professores, conversas com a comunidade e empenho para aumentar a vida cultural dos alunos e oferta de cursos para os pais. “Descobrir o que cada escola precisa é o mais difícil”, diz a gerente de Gestão Escolar Marilene Zampiri.

Percepção

um dos erros crassos mais comuns – dentro e fora do sistema de ensino – é achar que todas as escolas de periferia são iguais. Esse raciocínio funciona como um rolo compressor, nivelando todas as instituições, impedindo ver que são únicas. Mapear a singularidade é agora a palavra de ordem. Uma escola com clientela beira-rio – como acontece às margens do Rio Belém; a que atende a clientela de uma favela histórica, como o Parolin; ou a que fica em Curitiba e tem mais de 60% dos alunos vindos de Almirante Tamandaré, na região metropolitana, entre tantas outras variantes, são mais díspares do que possa parecer. O “Equidade” está forçando a quantificar e analisar o DNA de cada instituição.

No dicionário, “equidade” remete à arte de bem julgar, a avaliar com justiça e a se comportar com lisura. Até pouco tempo, a expressão era usual só no vocabulário do Direito, no movimento social, nas políticas reparadoras; ou na Bíblia. Seu desembarque tardio nos círculos educacionais tem sido recebido como a invenção da caravela. Significa que não basta promover a igualdade, é preciso criar condições para que todos a alcancem, o que exige estratégias de guerra. “Quando o estado não admite a desigualdade, ajuda a produzir resultados desiguais. Medida igualitária não é o suficiente porque não diminui a desigualdade”, reforça Letícia.

“Eu já sabia”

As reações à proposta são dúbias – para alguns, era de “equidade” que sempre falavam quando afirmavam que o ensino não podia acontecer da mesma forma para estudantes em condição de desigualdade extrema. Para outros, o termo leva a puxar o freio. Praticar essa virtude na escola seria uma questão de caráter do professor. Para além do foro íntimo, contudo, a equidade só se realiza com um projeto coletivo. Executá-lo mexe de alto abaixo na cultura escolar.

O tal projeto agora existe, deixa o ensino municipal de canelas para o ar, e não foi feito nem a duas nem a quatro mãos. Começou a ser gerado há dois anos, quando diretores e professores de escolas deixaram de esconder seu descontentamento com a “supremacia do Ideb”, o Índice de Desenvolvimento da Escola Básica. Questionavam a serventia da divisão das escolas entre as de maiores e as de menores notas na avaliação, e a crescente ansiedade de figurar no topo do ranking.

Um dos sinais de que tinham razão veio com um estudo da própria Secretaria Municipal de Educação, mostrando a) que havia progresso entre as escolas de notas baixas; b) que esse progresso se deu em situações desfavoráveis, logo não era desprezível; c) que passava da hora de entender como escolas em áreas pobres, carentes de infraestrutura e frequentadas por filhos de adultos pouco escolarizados avançavam até três décimos por período, mesmo com 60% de alunos integrados ao Bolsa Família.

Desafio é “ler” a comunidade

Escola de educação integral é acolhida pelos pais e cresce no Ideb. Está entre as “47” também pelo que tem a ensinar

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Numa etapa “pré-histórica” do projeto Equidade, técnicos se ocuparam da última questão. Surpreenderam-se com o que encontraram em escolas pouco visíveis no Ideb. Tinham algo a ensinar. A garantia de algumas condições, como baixa rotatividade de professores, gestão e acompanhamento individual de alunos alteravam, para melhor, o expediente desses locais. Mais. As que ofereciam Educação de Jovens e Adultos, à noite, se destacavam: quem sentava na carteira era um pai de aluno, que tendia a se tornar mais sensível à condição do filho. A questão é que muitas dessas iniciativas dependiam do heroísmo de um ou de outro profissional. A proposta agora é transformar essas experiências isoladas em política de governo.

O “núcleo duro” do Equidade é formado por 62 educadores da secretaria e dos núcleos de educação, 14 em dedicação exclusiva ao projeto. Uma centena de pedagogos e licenciados foi convocada. Esses profissionais se viram divididos em 47 escolas da rede municipal, 25% do total de instituições, escolhidas a partir de critérios técnicos. Cada uma recebeu uma média, a média cluster, a partir da qual se fez a nota de corte.

Cálculo

A média cluster é calculada com base em um extenso banco de dados – em que são cruzadas informações do Ideb, do Bolsa Família, IBGE, Ipardes... Esse trabalho levou à lista dos espaços de ensino mais vulneráveis, pelo que se entende aqueles que, pelo princípio da equidade, precisam de “espinafre” para estarem de fato em igualdade de condições com as demais escolas. Analfabetismo ou alfabetismo funcional no entorno da escola pesa? Pesa. Mais do que a nota do Ideb – entre as 47, algumas têm média 6 –, pois incide sobre o valor dado à educação entre os que convivem com as crianças.

Cada uma das escolas selecionadas ganhou dois profissionais de educação a mais, por turno – em especial para dar apoio pedagógico e interagir com a comunidade. A rotina mudou. O senso comum sobre a realidade dessa escola ou daquela, não raro usado como pretexto para justificar o baixo desempenho, agora é confrontado com um extenso estudo, que nem sempre legitima o que se pensava.

Os planos de trabalho devem ser traçados, agora, a partir da análise desse material. O efeito? Potencializa o professor como um dos narradores e intérpretes dos locais onde atua. Em vez de listar as escolas que estão no topo do ranking e as que amargam a base, prática comum desde que o Ideb começou, em 2005, educadores passaram a uma tarefa mais difícil: a de perguntar aos dados além de simplistas contas de mais e menos.

Não é a única quebra de rotina. Uma causa rebuliços em especial: reunir os pais num salão, aos sábados, para explicar o sentido da palavra “equidade”. Como parte da estratégia, são convidados a integrar o projeto e a se comprometer com ele. Os malabarismos dos professores são motivo de conversas no cafezinho. A Equidade pede criatividade.

A escola que é a praça da comunidade

E.M. Germano Paciornik trabalha, em parte, com população que mora nas margens do Rio Belém. Desafio é cativar pais para o “Equidade”

Um pesquisador que se disponha a estudar o impacto de um centro educacional na comunidade, em Curitiba, tem paragem obrigatória na Escola Municipal Germano Paciornik, no Boqueirão. Somando todos os equipamentos públicos ao seu redor, o conjunto soma um quarteirão. Estão ali as quadras de esporte – únicas na região –, a unidade de saúde e os ateliês usados pelo contraturno. A ação integrada é facilitada – basta atravessar as portas.

Se a estrutura de serviço à comunidade é boa, o impacto social é ótimo. Fundada há pouco mais de 30 anos, a “Germano” atende à faixa de crianças que moram às margens do Rio Belém – incluindo as da Vila Icaraí e Iguape. É lugar pobre – com renda média de R$ 539, taxas de analfabetismo na casa dos 4%, duas vezes o verificado em todo o Boqueirão. São 460 alunos, 240 em contraturno; 38,3% são beneficiários do Bolsa Família, sendo que 12,5% deles têm baixa frequência escolar. O Ideb estacionou em 5,6 – mas era 4,3 em 2005, um dos orgulhos da equipe da diretora Maria Cristina Andrade, com duas décadas de serviços prestados à “Germano”.

Há pouco mais de uma semana, diretora, vice, pedagogos e os reforços enviados pela Secretaria Municipal de Educação fizeram uma reunião com os pais. Decifraram com eles a palavra “equidade”. O projeto lhes parece “a mão e a luva”. “Não somos cegos à região. Tínhamos proposto à secretaria ações semelhantes”, comenta, ao fazer uma radiografia do trabalho informal e do baixo compromisso dos pais com a escola. Todo esforço para trazê-los é pouco. No encontro com eles, o pedido de compromisso teve aquela ênfase que só os professores sabem dar.

Eis o nó. A falta de eco junto aos pais está entre os obstáculos da escola, à revelia de muitos virem até ali para pedir conselhos. A escola é o centro das vilas. Há uma relação cordial, mas rarefeita. As mães, muito jovens, saídas dali mesmo 4-5 anos antes, estão conectadas à internet, mas são elas mesmas, muitas vezes, que perguntam aos filhos “para quê?”, quando convidadas a ajudar na pesquisa de um conteúdo.

“Sentimos as mudanças dos alunos a cada ano. É muito rápido. O que a gente lecionou numa ocasião não tem como ser repetido do mesmo jeito”, comenta, sobre os impasses pedagógicos que se avolumam numa escola que vive frente a frente com todos os dilemas de zonas favelizadas. “Já começamos. Para a mãe que me disse que o filho não fala com ela, sugeri que lavassem louças juntos. Já pensou? O Equidade está nos levando a pensar táticas de aproximação entre pais e filhos. É um bom começo”, diz a pedagoga Roseli Barbaresco.

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