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 | Tatiana Ozores
| Foto: Tatiana Ozores

Eu lia manchetes na banca da Santos Dumont quando o vi chegar, mais imundo que o petit-pavé, ambos os tênis desamarrados. Um perigo naquela idade, foi o que pensei. E pior: a calçada ainda úmida da garoa da tarde, um deslize e lá se vão o fêmur, a tíbia, o úmero — qualquer osso, vocês sabem, é mais vital que a dignidade humana.

Só depois fui perceber o grau da sua bebedeira. O passo de ganso, a mancha secando no peito da camisa, o casaco de malha pelo avesso. Tudo errado. De certo mesmo, só o desequilíbrio do homem, que vinha pela Saldanha Marinho mal sustentando as culpas e a mochila de náilon na corcunda — e o que de tão pesado traria consigo, pedras, armas, livros?

Pois ergueu o chapéu de peninha, os caracóis brancos ali, pedindo tesoura e xampu, e se atrapalhou ao coçar a cabeça, curvado. Trombou com a única araucária da praça, árvore triste, que já nasceu mirrada. Ele a mediu com o olhar, meio enojado, e pareceu considerá-la um adversário insignificante. Sorte dela, que ganhou um abraço cordial; podia ter apanhado, mas não era com um pinheirinho daqueles que o homem iria brigar.

Sua bronca era com o céu. Furioso, mirou as nuvens, querendo enxergar através delas. Impossível, é claro: esta cidade já deu 320 voltas ao redor do sol, e ele continua a nos esnobar. Somos mansos e deixamos quieto — o velho não. Era uma fera sem forças, mas empanturrada de fé e de vontades. Assim, tomou coragem, ou simplesmente fôlego, e gritou para o alto:

— Ei!

Esperei que um trovão lá em cima respondesse, que sobreviesse uma tempestade ou algo do gênero, mas pena, não registrei qualquer reação celeste. Tudo o que o homem conseguiu foi chamar a atenção de um maconheiro distraído, um guri sem maldade, que queimava seus problemas num banco da praça. Com o susto, o moço trancou a fumaça no pulmão e se pôs a avaliar, com temor, a qualidade do céu sobre sua cidade. Não era boa.

— Ei!

O velho gritou de novo e, dessa vez, o esforço fez com que largasse a araucária e, perdido o apoio, caísse sobre o joelho esquerdo. Nem gemeu. Aproveitou a posição súplice e suspendeu as mãos abertas, como se fosse recitar um pai-nosso. Os postes quiseram fazer bonito e foram se acendendo aos poucos, enquanto o homem permanecia ajoelhado, em silêncio. Acho que buscava a melhor maneira de dizer o que queria, era fácil notar que não possuía uma estratégia, apenas um desejo de luta e resistência.

— Dinheiro eu tenho — berrou, finalmente. — Só preciso saber onde aplicar!

O maconheiro deu uma de dragão e, numa gargalhada, expeliu toda a fumaça que havia engolido. Confesso que também achei engraçado, embora desrespeitoso. Rimos os dois e, sim, isso seria tudo, ponto final, caso encerrado, nada mais que uma ligeira anedota de bêbado, se o velho, de repente, não tivesse começado a chorar.

Suas mãos agora eram punhos fechados. Os dois joelhos no chão, ele se preparava para falar qualquer outra coisa. Escondemos os dentes, o maconheiro e eu, quase solenes, e o ouvimos gritar ainda mais alto, com raiva e alguma razão, corrigindo sua queixa, ou aprimorando seu pedido:

— Amor eu tenho, só preciso saber onde aplicar!

E aí, puxa, não achamos mais graça nenhuma. Isso não é uma piada, são graves questões de economia, investimento, salvação. Aqui, todos sabemos o quanto nos custam os desperdícios, tanto os financeiros como os amorosos. E, principalmente, sabemos o quanto nos dói uma rejeição. A nossa, por exemplo, é uma dor solar, iluminada, astronômica. Ah, o astro-rei — rei do quê, de quem? Nosso, não é. Um dia, talvez ele aceite a nossa corte. Até lá, em Curitiba, ele continuará bancando o invisível. Entre nós, quem reina é o bolor.

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