Alexander, Jean Carlos, Gustavo e Daniel não se conheceram, mas partilharam uma história em comum: tinham entre 21 e 30 anos quando foram assassinados por traficantes de drogas, de acordo com testemunhas. Conforme o levantamento feito pela Gazeta do Povo com mil mortes ocorridas em Curitiba entre 2010 e 2013, homens nessa faixa etária e com algum tipo de envolvimento com entorpecentes são as vítimas mais comuns de homicídios.
Nem sempre as drogas estão por trás da motivação dos crimes, mas a maioria das vítimas é usuária ou comercializa droga essa situação foi verificada em 562 dos mil homicídios. No geral, esses inquéritos seguem o mesmo padrão que os demais, mas há algumas diferenças que fazem com que a taxa de resolução das mortes relacionadas a drogas seja inferior.
Quando a morte tem relação com entorpecentes, a polícia tem mais dificuldade para ouvir testemunhas, por causa do medo que elas têm de sofrer represálias. Em média, são apenas 3,5 depoimentos nesses casos, contra 4,1 quando não há drogas envolvidas. Outra barreira que dificulta a resolução do homicídio é o tempo decorrido entre o crime e a primeira vez que uma pessoa depõe que pode ser de forma anônima. Nos casos em que há alguma relação com drogas, o primeiro depoimento ocorre, em média, 97 dias após o crime. Nos demais, o prazo é bem menor: 63 dias.
A utilização de provas técnicas, como balística, exame papiloscópico ou análise de celular, também é inferior nos casos com entorpecentes: só 13% dos 562 inquéritos. Nos inquéritos em que não há registro de drogas, as provas técnicas estão presentes em 20% dos casos.
Indiciamento
Por esses e outros motivos, dentre os homicídios relacionados a drogas, em apenas 9,2% a polícia indiciou algum suspeito. Considerando os demais casos, essa taxa sobe para 15%.
Os inquéritos das mortes dos quatro rapazes citados no início do texto continuam em andamento e em nenhum deles há indiciados, apesar de a polícia ter ouvido várias testemunhas que apontaram nomes suspeitos. Daniel devia para traficantes, e a mãe dele e um denunciante anônimo indicaram o nome do suposto assassino. Gustavo foi morto cerca de um mês após ter sofrido tentativa de homicídio. Em depoimentos, foram citados nome e sobrenome de criminosos envolvidos na morte. Jean Carlos era usuário de drogas, e por várias vezes seu pai pagou a dívida que tinha com traficantes. O pai de Alexander relatou que o filho usava e traficava, e citou o nome de três homens que teriam assassinado o filho.
Falta investigação
Segundo o pesquisador Luís Felipe Zilli do Nascimento, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, não é possível tratar da mesma maneira todos os crimes relacionados a drogas. "Debaixo desse grande guarda-chuva de tráfico de drogas ocorrem desde crimes passionais até guerras de gangues, por disputas comerciais de ponto de drogas. É preciso separar e aprofundar cada caso." Na avaliação dele, é preciso investigar mais a fundo esses casos, pois a resolução deles vai contribuir para diminuir o número não só dos homicídios como de outros crimes que atingem toda a cidade.
Estado precisa estar presente em áreas violentas, dizem policiais
A análise da geografia do crime é uma das estratégias utilizadas pelas autoridades policiais. O comandante-geral da Polícia Militar do Paraná, coronel Roberson Luiz Bondaruk, especialista no assunto, confirma que nas áreas com pouca iluminação, terrenos abandonados e sem conservação há mais chance de acontecerem crimes mais violentos. "Nas áreas menos cuidadas, seja pelos moradores, seja pelo poder público, o criminoso sabe que há menos risco de ele ser denunciado."
Na opinião de Bondaruk, as áreas mais carentes precisam ter mais acesso a todo tipo de serviço público. "A criminalidade crônica não é decorrente do policiamento menos ostensivo. Ela tem uma relação forte com o ambiente." Mas, diz ele, enquanto não há uma reestruturação urbana, a polícia precisa atuar de forma intensa nessas áreas mais pobres, e por isso são feitas batidas policiais com frequência.
Em março de 2012, o governo estadual criou as Unidades Paraná Seguro (UPS) com o objetivo de levar mais segurança e serviços públicos nas áreas com maior criminalidade. Hoje há dez unidades em Curitiba, próximas dos locais com maior número de ocorrências. "A intenção é estabelecer um sistema de sustentabilidade social. Primeiro levamos o policiamento, e depois todas as esferas do poder público precisam prover os serviços básicos, criando na sociedade um sentimento de pertencimento", explica.
Problema nacional
O delegado Rubens Recalcatti, que comandou a Delegacia de Homicídios nos últimos dois anos, afirma que é necessária uma ação mais efetiva do poder público para que ocorra a diminuição no número de assassinatos.
Segundo ele, este é um problema nacional. "O país não avança nas questões básicas, como educação, saúde. Na verdade está até regredindo."
Avaliação semelhante é feita pela promotora Marcela Marinho Rodrigues, da Promotoria de Inquéritos Policiais de Crimes Dolosos Contra a Vida. Segundo ela, a repressão é importante, mas sozinha não resolve o problema da criminalidade. Para ela, é fundamental que o Estado atue para estruturar uma rede social estável para dar suporte a todas as famílias.