Investigação vazia
O caso da morte do pedreiro Gilson mostra que muitas vezes nem o básico é feito pela polícia. Os investigadores se esqueceram até mesmo de ver se a vítima havia morrido.
De norte a sul
Cinco homicídios ocorreram em 20 de janeiro de 2013. Todos foram assumidos pelo mesmo delegado, embora tenham acontecido em lugares distantes.
Santa Felicidade - M., de 55 anos, foi morta por asfixia. O autor seria um ex-namorado. Em poucos dias foram ouvidas 17 testemunhas e feito exame grafotécnico, mas a investigação ainda está em curso.
Santa Cândida - W., 30, foi encontrado morto em um rio. Ele era foragido da Colônia Penal Agrícola. Três pessoas da família deram depoimento, mas tinham pouco contato com ele e a investigação pouco avançou.
Cidade Industrial - J., 50, era andarilho e foi encontrado morto no Rio Barigüi. Foram ouvidas três pessoas. Ele teria brigado com outra pessoa e morreu com uma paulada na cabeça.
Parolin - C., 17, foi morto a tiros dentro de casa. Era catador de papel. As quatro testemunhas do caso indicaram a possibilidade de ele ter sido morto por engano, por pessoas que pretendiam executar uma outra pessoa que tinha apelido semelhante.
Umbará - J., 28, foi assassinado em um lugar conhecido como "corredor da morte". Estaria devendo mais de R$ 30 mil a traficantes, segundo o pai da vítima.
A estrutura da Delegacia de Homicídios de Curitiba é insuficiente para resolver o grande número de mortes que ocorrem na cidade. Pressionados pelo descompasso entre a ocorrência de centenas de assassinatos por ano e as condições de trabalho, os próprios policiais afirmam em documentos oficiais que é "humanamente impossível" dar conta de todo o serviço. O resultado: inquéritos incompletos e que ficam anos nas gavetas e mesas da delegacia, sem que o criminoso seja descoberto.
Os problemas começam com a falta de pessoal. Além do delegado titular, encarregado da gestão da unidade, há apenas quatro delegados que atuam na investigação dos crimes. Como aconteceram 597 assassinatos na capital em 2012, de acordo com a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), cada delegado ficou responsável por 120 inquéritos ao longo do ano. Isso significa que cada um teria de resolver um homicídio no prazo de três dias sem contar os períodos de férias, licença e recesso de cada profissional e sem levar em consideração todas as investigações pendentes de períodos anteriores.
Os delegados da Homicídios também precisam se desdobrar para investigar mortes na cidade inteira. Sem uma divisão por bairros, o policial acaba não conhecendo a região e as disputas que acontecem na área. A delegacia, por falta de gente e pela troca constante de pessoal, não consegue fazer isso. Como resultado, entre fevereiro e abril de 2013, por exemplo, um único delegado assumiu nove inquéritos em oito bairros distantes entre si: Centro Cívico, Prado Velho, Bom Retiro, Uberaba, Campo de Santana, Sítio Cercado, Pinheirinho e Cidade Industrial.
Para especialistas em segurança pública, as distâncias dificultam a investigação. "O correto é que a delegacia mais próxima corra ao local. Não pode deixar para a especializada. Ela deve assumir só em seguida", afirma José Vicente da Silva Filho, professor do Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar de São Paulo.
Troca permanente
A eterna ciranda de delegados é outro problema. Das mil mortes analisadas pela Gazeta do Povo entre 2010 e 2013, apenas 35,1% tiveram um único delegado investigando o caso desde o início. Dos 649 casos restantes, 166 passaram pelas mãos de quatro a sete delegados.
Na avaliação do promotor de Justiça Marcelo Balzer Correia, da 1.ª Vara do Tribunal do Júri, a rotatividade prejudica a investigação. "Não que derrube, mas enfraquece. Isso não só na polícia, mas em qualquer equipe. Se sai uma pessoa e entra outra, já muda tudo."
Ideal não é ter mais gente, mas menos mortes
Uma semana depois de assumir o comando da Polícia Civil do Paraná, o delegado Riad Braga Farhat afirma que a melhora nos índices de investigação de homicídios não virá necessariamente com mais estrutura na delegacia especializada, mas com um trabalho que envolva a redução do número de assassinatos. E para isso, segundo ele, o fundamental é investir na apuração de outros crimes. "Não adianta ter uma Homicídios gigante e uma Narcóticos pequena. Porque você pode melhorar a investigação do número de homicídios, mas ao mesmo tempo ter um aumento no número dos assassinatos", diz.
Apesar disso, Farhat não nega que seja necessário ampliar a estrutura atual. Para o delegado-geral, com mais gente e a consequente redução da criminalidade, cada delegado terá de atuar em menos inquéritos e a qualidade do trabalho tende a melhorar.
A redução dos indicadores de homicídio doloso (quando há intenção de matar) é uma das metas do governo do estado. O objetivo é atingir a taxa de 21,5 homicídios a cada 100 mil habitantes em 2015 no ano passado, o índice era de 30. Segundo os dados oficiais, o número de homicídios dolosos caiu 27% no Paraná nos primeiros seis meses do ano, na comparação com o mesmo período de 2010.
Divisão de Homicídios
Existe um projeto para que a Homicídios se transforme em uma Divisão que na hierarquia policial é um órgão com mais funcionários e melhor estrutura. O secretário de Estado da Segurança Pública, Cid Vasques, porém, afirma que é preciso respeitar prioridades. Atualmente, 33 comarcas estão sem delegado em "decorrência do descaso histórico em relação à implementação de políticas de segurança", disse o secretário, por e-mail.
A criação de uma Divisão de Homicídios vem sendo cogitada há tempos. O delegado Rubens Recalcatti, que comanda o setor desde 2011, diz que a criação da nova estrutura facilitaria bastante o trabalho. Mas essa não seria a única providência necessária. Recalcatti alega que um dos problemas graves é a troca constante de delegados. "Havia uma divisão da cidade em quatro setores", diz ele. Cada delegado ficava com um grupo de bairros e podia entender melhor a região. Mas, como sempre havia trocas, o sistema não pôde ser mantido.
Farhat concorda que a estabilidade é necessária e afirma que agora a separação da cidade em setores será feita sob o comando da delegada Maritza Haisi, que substituirá Recalcatti a partir desta semana. Já com relação à criação de uma Divisão, Farhat não adianta números e ressalta que é preciso fazer estudos antes de tomar uma decisão.
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