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 | Ilustração: Osvalter Urbinati e Robson Vilalba
| Foto: Ilustração: Osvalter Urbinati e Robson Vilalba

Sem pistas

A cada 11 crimes, um fica sem depoimento

Um catador de papel morto com 13 tiros em abril de 2010. Uma jovem agredida até a morte no Parolin em dezembro de 2010. Um andarilho assassinado em julho de 2010 no Uberaba. As in­vestigações desses homicí­dios têm algo em comum: nenhu­ma testemunha foi ouvi­­da. Não se trata de algo raro. Nos inquéritos analisados pela Gazeta do Povo, referentes a mil assassinatos acontecidos em Curitiba entre 2010 e 2013, há 89 casos em que a polícia não tomou um único depoimento. Ou seja: a cada 11 crimes, um fica sem nenhum depoimento.

Em algumas situações, a polícia nem consegue intimar testemunhas pois não consegue nem identificar a vítima -- situação que ocorre quando é encontrado um corpo carbonizado, por exemplo. Em outros casos, no entanto, a pessoa assassinada tinha documentos, sabe-se quem são os parentes e mesmo assim não se ouve ninguém.

É o caso do catador de papel. O irmão dele esteve na cena do crime, forneceu documentos e até o número do celular para a polícia. A ex-mulher foi contatada por telefone. Mas nenhum deles depôs na delegacia.

O corpo da jovem do Parolin foi recolhido do local do crime pelo Siate. A polícia foi informada do homicídio por familiares dela. No entanto, nenhum dos parentes foi ouvido. No caso do anda­rilho, uma denúncia anônima informava os apelidos de dois possíveis criminosos. A polícia não tomou depoimentos nem localizou os supostos autores.

Dois anos e três meses após a morte do marido, L.R. foi intimada a depor na Delegacia de Homicídios de Curitiba. Ao contrário de tantos familiares, que pedem mais agilidade na investigação, ela solicitou à polícia que não buscasse mais informações sobre o crime. "Eu pedi para eles pararem com a investigação porque ela não vai trazer meu marido de volta. E, se eu ficar falando com a polícia, o pessoal do bairro não vai gostar, e eu tenho que proteger meu filho adolescente", disse ela à Gazeta do Povo. Esse é um dos casos em que a "lei do silêncio", vigente em comunidades mais pobres de Curitiba, impede a elucidação de um crime.

O marido de L. foi morto em 13 de março de 2010, em uma festa do bairro, quando tentou proteger as pessoas do ataque de um rapaz que chegou ao local atirando – havia uma rixa entre gangues da região. Muitas testemunhas presenciaram o crime, mas ninguém forneceu pista alguma. No mesmo mês, um investigador relatou no inquérito: "Diligenciamos a região, conversando com moradores a respeito do caso, sendo demonstrado claramente por moradores o medo em tocar em assuntos relacionados a crimes no bairro, devido ao que impera a dita ‘lei do silêncio’, vindo a prejudicar o andamento das investigações relacionadas". Esse inquérito tramitou até agosto de 2012. No mês seguinte, foi arquivado.

A justificativa do investigador aparece, palavra por palavra, em outros inquéritos analisados pela reportagem. Mesmo com essa dificuldade, as investigações continuam tramitando, ainda que a passos lentos. Entretanto, quando se passam mais de três anos e a investigação ainda não conseguiu indicar a autoria, tanto policiais como promotores chegam à conclusão de que não há muito mais o que fazer.

Arquivamento

C.E.P.M., por exemplo, morreu em agosto de 2010. Não houve testemunhas do crime, e os únicos depoimentos tomados não revelaram nenhuma informação pertinente ao caso. Em 25 de junho de 2013, o delegado Rubens Recalcatti informou ao Ministério Público (MP) que a investigação não apontava nada e que considerava finalizada sua atribuição.

A promotora Marcela Marinho Rodrigues acatou a argumentação e, dez dias depois, encaminhou à Justiça pedido de arquivamento do caso, pela falta de provas. Na justificativa – que segue um padrão utilizado pelo MP – consta que "a maioria dos crimes ocorre em regiões periféricas da capital, bairros em que a violência é fator cotidiano na vida das pessoas, sendo que em tais locais impera a chamada ‘lei do silêncio’, fazendo com que faltem provas e autoria que comprovem e solidifiquem os autos". Depois de arquivado, qualquer caso pode ser reaberto novamente.

Nem todos são iguais perante a investigação

Em janeiro de 2011, a Polícia Civil se viu às voltas com uma série de crimes que chamou a atenção dos curitibanos. Vários assassinatos foram cometidos em um curto período no Boqueirão. O caso ganhou manchetes e os policiais se sentiram pressionados a dar respostas. Em 29 de janeiro, um documento anexado ao inquérito afirma: "Diante da repercussão do caso na imprensa, expeça-se nova ordem de serviço visando ao levantamento de testemunhas ainda não ouvidas".

Declarações que comprovem que a polícia dá mais atenção a alguns casos são raras. Mas, analisando os inquéritos, é possível perceber que se trata de uma realidade. Enquanto alguns casos ficam sem testemunhas, outros têm mais de 20 pessoas ouvidas.

Duas histórias que ocorreram ao mesmo tempo ilus­tram isso. O empresário L.H.W. foi assassinado em 15 de janeiro de 2012 no Portão. Um dia antes, o ex-presidiário L.F.B. havia sido morto no Cajuru. O caso ocorrido no Portão teve 19 depoimentos colhidos. Além disso, a polícia solicitou informações de radares da região, imagens de câmeras de segurança, periciou o celular da vítima e fez exame de balística. O caso do Cajuru teve três testemunhas e nenhuma prova técnica. Já o inquérito das mortes em série no Boqueirão continua em aberto, sem solução.

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