Outro lado
"Não há laudo atrasado no IML ", diz diretor da Polícia Científica
Segundo o diretor-geral da Polícia Científica, Leon Grupenmacher, que assumiu o cargo em abril, hoje os laudos de necropsia não levam mais que 30 dias. Ele garante ainda que os exames de local de morte ficam disponíveis em dez dias. "Não há nenhum laudo atrasado no IML", afirma. Quanto aos inquéritos que seguem sem esses dois exames, Grupenmacher afirma que foram feitos e provavelmente não chegaram ao inquérito por falha de comunicação.
Ele afirma ainda que a Polícia Científica tem condições de fazer diversos tipos de exames de provas técnicas basta a Polícia Civil requisitá-los. Para o delegado Rubens Recalcatti, que comandou a Delegacia de Homicídios de Curitiba nos últimos dois anos, a explicação para o baixo índice de provas técnicas é simples: nem todos os crimes deixam pistas. Para ele, o ideal seria os peritos trabalharem na própria delegacia.
Com relação ao número de peritos, o diretor-geral afirma que o ideal, seguindo padrões americanos, seria a contratação de pelo menos 260 peritos para atender à demanda hoje há 118 profissionais para Curitiba e região.
Concurso
Segundo o secretário de estado da Segurança Pública, Cid Vasques, a abertura de concurso público para contratação de novos profissionais já foi determinada e o processo está tramitando na Secretaria de Planejamento para a escolha da instituição responsável pelo processo seletivo.
O secretário afirma ainda, por e-mail, que com novos procedimentos operacionais, os laudos estão sendo encaminhados mais rapidamente. Grupenmacher acrescenta que até o fim do ano será implantando um sistema para integrar as polícias e o Judiciário, e laudos estarão disponíveis para acesso neste sistema. "O delegado que está investigando vai poder consultar o laudo e agilizar todo o processo", conclui.
Quais as provas?
Veja casos com e sem provas técnicas analisados pela reportagem:
Jan 2010: P.M.N. foi morto em 26 de janeiro de 2010. Segundo a única testemunha ouvida pela polícia durante as investigações, a vítima pode ter morrido por uma dívida de um cachorro-quente. O inquérito foi aberto em 5 de abril daquele ano, e o laudo da necropsia é de 24 de janeiro de 2012 quase dois anos após o crime.
Mar 2012: A.S.P. foi baleado na Cidade Industrial. Chegou a ser levado para o hospital, onde morreu. Ninguém sabe o motivo do crime. Além de o caso não contar com nenhuma perícia que possa ajudar a identificar o criminoso, o laudo da necropsia levou seis meses para ficar pronto e ser anexado ao inquérito policial.
Mar 2012: J.A.U. foi morto em frente de um bar. O suspeito inicialmente negou o crime. A polícia fez exame de balística, perícia em celular e exame no sangue encontrado na cena do crime. O inquérito evoluiu e levou o Ministério Público a fazer a denúncia. O réu atualmente responde a processo no Tribunal do Júri.
Base de dados
Acesse informações sobre os inquéritos de mil homicídios ocorridos entre 2010 e 2013 e que foram analisados pela Gazeta do Povo www.gazetadopovo.com.br/crimesemcastigo
Todo crime deixa rastros. Nem sempre, porém, a polícia vai atrás deles. Quando consegue coletar provas técnicas, elas fazem toda a diferença. Mudaram, por exemplo, a investigação da morte da adolescente Tayná Adriane da Silva, ocorrida em junho deste ano, em Colombo, e foram decisivas na condenação de duas pessoas pelo assassinato de Isabella Nardoni, em março de 2008, em São Paulo. As análises especiais presentes nesses casos como exames de sangue, de DNA e imagens de câmeras corroboram o trabalho policial ou apontam linhas a ser seguidas. E mais importante: não deixam dúvidas.
Os exemplos citados acima, porém, são excepcionais: na maioria das vezes, a polícia não conta com provas desse gênero para descobrir quem é o culpado. Levantamento exclusivo da Gazeta do Povo com base em mil assassinatos ocorridos entre 2010 e 2013 em Curitiba revela que somente 19% dos casos contavam com provas técnicas excetuados os dois exames mais básicos, a necropsia e o exame do local do crime. São perícias de telefones celulares, confrontos balísticos, imagens de câmeras de segurança, análises de impressões digitais e testes de DNA, por exemplo.
A maioria das investigações, porém, se baseia apenas nas declarações de testemunhas. "Não que a testemunha não seja importante, mas às vezes é a palavra de um contra o outro", avalia o sociólogo Pedro Bodê, coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná. Para o presidente da Associação Brasileira de Criminalística, Iremar Paulino da Silva, por mais que um crime seja bem investigado, é preciso provar. "Se não houver prova material, todo o trabalho do investigador, do delegado, quando chegar à Justiça será derrubado", completa.
Além de poucas provas técnicas, a reportagem da Gazeta do Povo constatou que nem os exames obrigatórios constavam em todos os mil inquéritos analisados pela reportagem. Em 11% dos inquéritos lidos não havia o laudo de necropsia que serve para determinar a causa da morte e tem prazo de dez dias para ser feito, segundo o Código de Processo Penal. Já o laudo sobre o local de crime estava de fora de 50,4% dos inquéritos.
Prova fundamental
Quando existem, as provas técnicas podem levar um suspeito ao júri. Foi o que ocorreu em um triplo assassinato cometido em janeiro de 2011, na Cidade Industrial de Curitiba. Dois homens invadiram uma casa, se passando por policiais civis. Quando os moradores pediram para ver se havia um mandado de segurança, eles passaram a atirar. Apenas uma das quatro pessoas que estavam na casa sobreviveu. Um exame de balística conseguiu comprovar qual arma havia disparado um dos tiros. Com isso, a polícia indiciou o suspeito, que hoje responde a um processo no Tribunal do Júri pelas mortes das três pessoas.
Suspeito de estrangular a mulher é solto por falta de laudo
João (nome fictício) vivia aos gritos com a mulher, Rosimeire. Na madrugada de 9 de dezembro de 2010, ele chamou o Siate, e foi constatada a morte da mulher por estrangulamento. Ele negou o crime. João foi preso em flagrante, mas após dois meses a Justiça concedeu o alvará de soltura por um simples motivo: a necropsia não estava pronta. Sem isso, segundo o juiz, não havia prova de que Rosimeire tinha sido assassinada.
A demora na conclusão dos laudos de necropsia foi constatada pela reportagem. O levantamento feito pela Gazeta do Povo revelou que a Polícia Científica demora em média quatro meses para redigir o laudo do exame que constata a causa da morte de uma pessoa. A reportagem também encontrou pelo menos 36 casos de inquéritos abertos em 2013 e que, 30 dias após a ocorrência da morte, ainda não tinham o documento anexado. Em cinco deles a necropsia não havia sido incluída no inquérito após 90 dias. É possível que os laudos tenham sido feitos, mas ainda não faziam parte oficialmente da investigação.
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4 meses foi o tempo médio para produção do laudo de necropsia, que analisa o corpo da vítima para descobrir a causa da morte. Em 2013, a média caiu para 24 dias.
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