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Fora da ordem
Corregedoria diz que prática da "investigação preliminar" é irregular
Enquanto não existe inquérito, o delegado faz o que no meio policial se chama de "investigação preliminar" prática que, oficialmente, não é permitida. R.C.G. foi assassinado a tiros no Parolin em 31 de julho de 2010. Quatro dias depois, a Delegacia de Homicídios (DH) disse ter descoberto um suspeito. O caso (nº 14.730/10) foi remetido para o 2º Distrito Policial. Pela regra do jogo, a Homicídios fica apenas com os casos em que não se sabe quem matou. Quando sabe a autoria, a DH remete o caso a uma das 13 delegacias situadas nos bairros da capital.
No entanto, o 2º DP disse que não poderia continuar a investigação, pois a Homicídios havia interrogado um suspeito e por isso foi considerado que o inquérito havia sido iniciado.
O caso voltou para a DH, que apresentou uma justificativa: os interrogatórios vinham sendo feitos mesmo sem a oficialização do inquérito para "facilitar" o trabalho das distritais. E que, se isso não fosse permitido, "é evidente que se deixará de fazer o interrogatório". No fim de novembro de 2010, o corregedor-adjunto da Polícia Civil, Sérgio Taborda, comunicou às delegacias que qualquer tipo de investigação preliminar é irregular pela lei brasileira, e não faz sentido indiciar alguém sem que haja um inquérito aberto. O caso voltou à DH, que abriu o inquérito em 29 de novembro, quatro meses depois do assassinato.
82
...dias foi o tempo médio para se ouvir a primeira testemunha.
20
...inquéritos tiveram demora de mais de dois anos para tomar o primeiro depoimento.
303
...casos só tiveram a primeira testemunha ouvida mais de um mês após o crime.
Os especialistas são unânimes: para resolver um homicídio, o mais importante é agir rápido, principalmente para ouvir as pessoas que possam saber de algo. Quanto mais tempo passa, menor a chance de descobrir quem cometeu o crime: testemunhas se esquecem de detalhes, o criminoso tem tempo para ameaçar aqueles que possam incriminá-lo e pode até fugir.
No entanto, o levantamento da Gazeta do Povo, feito com base em assassinatos cometidos entre 2010 e 2013 em Curitiba, revela que nem sempre a polícia agiu com a rapidez necessária. Em média, nas mil mortes analisadas pela reportagem, a polícia demorou quase três meses para instaurar o inquérito e ouvir a primeira testemunha.
Em 303 casos, o primeiro depoimento só aconteceu mais de um mês depois do crime. E em 20 desses casos, a testemunha inicial levou mais de um ano para ser ouvida. Há exemplos extremos, como o do Inquérito n.º 329/2010. O pedreiro S.S. foi assassinado em março de 2010, aos 25 anos, na Cidade Industrial, quando estava na companhia de amigos em uma calçada. Em agosto de 2012, 28 meses depois do homicídio, o delegado pediu que fossem localizadas a mãe da vítima e uma prima que presenciou o assassinato. A prima se tornou a primeira testemunha ouvida na delegacia, em janeiro de 2013, dois anos e meio depois da morte. A essa altura, o suspeito do crime havia sido assassinado.
"Ouvir testemunhas meses depois é a decretação da falência da polícia. Não há a menor justificativa para isso", diz José Vicente da Silva Filho, professor do Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar de São Paulo.
Exceção
Em apenas um terço dos casos (344 investigações), o primeiro depoimento foi tomado nos três primeiros dias depois do assassinato. Em outros 105 homicídios, a polícia ouviu pelo menos uma pessoa antes de o crime completar uma semana.
De acordo com o promotor de Justiça Marcelo Balzer Correia, da 1.ª Vara do Tribunal do Júri, o delegado não tem de finalizar o inquérito no prazo de 30 dias, mas precisa ao menos ouvir as testemunhas. "É necessário ouvir as pessoas rapidamente, porque caso contrário elas vão se mudar, até mesmo por medo do que viram. E aí não vão ser mais localizadas", afirma.
Após dois anos, polícia não acha casa da vítima
Em 31 de maio de 2012, dois investigadores da Delegacia de Homicídios apresentaram o relatório de uma diligência no bairro Tatuquara. Eles foram à invasão conhecida como Terra Santa para tentar encontrar testemunhas do Inquérito n.º 2.277/10, sobre uma morte ocorrida em janeiro de 2010. Até então, 28 meses depois do assassinato, o único depoimento colhido pela polícia era o da esposa da vítima, que pouco soube dizer sobre o caso.
Encontrar outras testemunhas era fundamental, mas os policiais não tiveram sucesso. Motivo: os moradores haviam sido realocados pela Companhia de Habitação Popular de Curitiba, a Cohab. Sem saber como chegar ao assassino, o delegado responsável pediu o arquivamento do caso.
Não se trata de uma situação exclusiva. Em novembro de 2012, outra dupla de investigadores foi ao Sítio Cercado para tentar encontrar testemunhas. Eles trabalhavam no Inquérito n.º 11.447/10, da morte de A.C.N. O assassinato tinha ocorrido mais de dois anos antes, em agosto de 2008, e novamente a resposta dos policiais foi de que os moradores que podiam informar algo haviam sido removidos. Nem mesmo a casa da vítima foi encontrada. A antiga "Rua Oito", depois de tanto tempo, ganhou outro nome, e ninguém mais sabia onde ficava a residência.
Inquérito é aberto mais de mil dias depois do crime
Às dez e meia da manhã de 16 de fevereiro de 2010, bombeiros retiraram um corpo do Rio Atuba. A Criminalística compareceu ao local e o cadáver, com quatro perfurações de bala, foi encaminhado para necropsia no Instituto Médico Legal. Desde então, não houve qualquer avanço na investigação. A própria portaria de instauração do inquérito (n.º 2.232/13) é um sintoma da lentidão da polícia neste caso: o documento está datado de 7 de janeiro de 2013, 1.056 dias após a localização do corpo. Neste período, não foi ouvida nenhuma testemunha nem foram solicitados outros exames para descobrir a identidade da vítima.
Situação semelhante ocorreu no inquérito n.º 3.428/10. C.P. foi morta em abril de 2010. Ao lado do corpo, havia um celular que poderia ter sido analisado para se obter telefones de parentes ou amigos. Mas, no inquérito, não há informação de que a perícia tenha sido feita. Em maio, um dos investigadores fez um relatório com informações repassadas pela irmã da vítima sem informar nome ou telefone de contato dela. O delegado determinou então a abertura do inquérito. A primeira intimação, só emitida em novembro de 2012, não foi cumprida. Com isso, o primeiro depoimento foi registrado em 20 de março de 2013, quase três anos após a morte da vítima.
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