Quem passa a pé ou de carro ao longo da Rua Presidente João Goulart, no bairro Tatuquara, em Curitiba, logo percebe algo diferente naquele emaranhado de casas parecidas. Há três semanas, as fachadas de três moradias do conjunto Boa Esperança 1 se transformaram em uma espécie de painel ao ar livre. Os grafites feitos por artistas da cidade, em parceria com a Fundação Cultural de Curitiba (FCC), não economizam nas cores e no tamanho. Por isso, viraram atração entre os moradores que chegaram ali há cerca de um ano, por meio do programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal.
SLIDESHOW: Veja fotos da grafitagem no Tatuquara
No local vivem 720 famílias. A aceitação do grafite parece ter sido unânime, embora o significado das imagens varie entre os moradores. Os mais velhos dizem que "ficou bonito". Os jovens, mais descolados, recorrem a um "da hora" para elogiar as figuras, desenhadas durante um fim de semana pelos grafiteiros Adriano Japem, Silvio Rodolfo e Paulo Auma.
Vivian de Fátima Kuwaki é uma das moradoras que tiveram a fachada da casa pintada por Japem, sem custo algum, na Rua Padre Alcides Zanella. A prefeitura se responsabilizou por conseguir a autorização. O artista ficou com a missão de "não deixar" Vivian se arrepender. Passou no teste. "Não tem quem chegue e diga que ficou feio. Todo mundo gostou. O pessoal passa de ônibus e fica olhando. Impossível não chamar a atenção", diz a dona de casa. Assim como os outros proprietários, a moradora apoia a iniciativa não só pelo "exotismo", mas também para impedir que pichações se espalhem pelas moradias aqui e ali, os rabiscos se fazem presentes.
O mesmo raciocínio se estende a moradores de outros bairros. O número de grafites autorizados por proprietários de comércios e casas quadruplicou de janeiro a abril deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado.
Mobilização
A Fundação Cultural não entra na discussão sobre a diferença entre grafite e pichação e afirma que a iniciativa no Tatuquara tem o objetivo de envolver a comunidade e trazer arte para cotidiano dos moradores. A grafitagem na fachada das casas era um desejo antigo, compartilhado pelos artistas e por integrantes da FCC. "A aceitação foi muito bacana. Existe um grande interesse da comunidade por manifestações dessa natureza. Há um sentido de embelezamento, que é compartilhado por todos", diz a diretora de Patrimônio Cultural da FCC, Marili Azim.
Mão na lata
Tinta, café e conversa fiada
Morador da Cidade Industrial de Curitiba, Paulo Auma é um dos grafiteiros mais atuantes da capital. Grafita há 11 anos, "por lazer" e não profissionalmente, como frisa. Auma foi um dos três artistas que deixaram seus traços em casas do conjunto de moradias Boa Esperança 1, no Tatuquara. A experiência não foi inédita em sua carreira, embora seja um pouco diferente de tantas outras vividas no Centro de Curitiba e de outras cidades: dessa vez, conta com a aceitação da comunidade.
"No Centro, as pessoas têm mais medo de se relacionar com quem está na rua, fazendo o grafite. Na periferia é o contrário os moradores querem te acompanhar, te agradar, ajudar de alguma maneira", comenta Auma. Durante o trabalho, não lhe faltaram convites para um cafezinho, ajuda com a tinta e o spray e uma mão amiga na hora de segurar a escada e o andaime. A criançada, na plateia, se responsabiliza pela animação e pela conversa fiada. São indícios de que grafitar no Centro pode trazer mais visibilidade ao trabalho, mas nem sempre consegue transformá-lo de fato em uma arte coletiva. "A ideia é produzir imagens que possam afetar essas pessoas de alguma forma, envolvendoas durante e depois da pintura", resume o grafiteiro.
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