Loira, elegante, desbocada. Atriz, mãe, apresentadora, engraçada. Avó, impaciente, cantora, namorada. Hiperativa. Palavras para definir Laís Mann são limitações que não se enquadram na história da mulher que marcou época na vanguarda da tevê no Paraná. Uma eterna estudante de si mesma, a guria autodidata ultrapassou seis décadas de vida com uma certeza: quer descobrir ainda mais sobre a menina que nasceu na Água Verde.
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Pouco antes dos 20 anos, Laís já era alvo fácil do imaginário masculino e do ódio feminino quando seu "boa noite" era entoado na TV Iguaçu, Canal 4. No célebre programa Show de Jornal, ao lado de Jamur Junior, João José de Arruda Neto (JJ) e Haroldo Lopes, a belle de nuit falava sobre política. Assunto que rendeu status de celebridade pelas ruas e salões de beleza e que a levou diversas vezes à Polícia Federal, graças à ditadura militar.
Sem se levar a sério, foi catapultada à profissão de cantora, atriz e radialista e com louvor. Entre uma mentirinha para fugir dos castigos da mãe e as festas na vida noturna curitibana, Laís se casou três vezes, teve quatro filhos e quatro netos. Com uma biografia que não caberia nesta página, uma verdade inconteste: Laís Mann permanece no posto de diva ele lhe pertence.
Você é loira legítima?
[risos] Sou loira. É uma loucura. E sabe, né, qualquer mancada eu falo que sou loira. Ainda mais depois da música do Gabriel, O Pensador. Acho bárbaro.
Quando descobriu que era bonita?
Ah, desde pequena. Eu não sabia das diferenças sociais e lia as histórias das princesas. E a Cinderela sempre era linda. Sempre a pobre era linda e casava com o príncipe. Achava que eu era pobre porque era bonita e as ricas eram todas feias. Até quando comecei a ter contato com as meninas ricas e vi que elas eram muito bonitas. Aí não entendi mais nada. [risos]
Você tinha noção do que seria estar na televisão?
Não. Era mais um emprego. E eu só comecei lá após um trato com minha mãe. Trabalharia de manhã em uma loja de roupas femininas e à noite na tevê. Mas ninguém me levava a sério. Nem eu mesma. Aquilo era um trabalho qualquer. Não tinha vaidade.
Você estava interessada no dinheiro?
Mas é claro.
O que o dinheiro lhe deu?
Minha vida mudou. Ajudei minha família. Comprei uma casa. Um carro. Vivia bem com a família. Pagava os melhores médicos para meus irmãos. Tinha dinheiro para acudir meu pai com o problema da bebida.
Como era fazer parte do Show de Jornal?
A gente não podia sair na rua. Era um jornal político. Era tempo de ditadura e éramos celebridades. Nós trabalhávamos no canal do Paulo Pimentel, que ao lado do Cecílio Almeida derrubou o Aroldo Leon Peres, que era o governador do estado. Um inferno. A gente ia todo dia para a Polícia Federal.
E no cotidiano?
Nem no salão conseguia ir. Até porque as mulheres não viam telejornal. Não queriam saber disso, mulher assistia à novela. Até aparecer uma menina de 19 anos que apresentava assuntos que os maridos gostavam.
Todos esperavam pelo seu "boa noite".
Só para descobrir como eu iria falar o "boa noite" demorou uma semana na produção. Eu dava "tchau" e fazia algo com meu nariz e os homens gostaram. Virou até um fetiche.
Como lidava com o assédio num ambiente masculino?
Ah, me defendia legal. Isso sempre me incomodou muito. Eu me sentia diminuída e vulgar com o assédio masculino. Quando um homem vinha me cantar eu tratava logo de dizer uma grosseria.
Você também fez horóscopo no rádio. Fazia o texto?
Sim, fazia tudo. Ficava até as 3 horas da manhã com minha mãe escrevendo. Minha mãe era meio feiticeira e entendia desse assunto. Ela jogava búzios... E era tudo mentira. Tudo inventado. E o povo ainda falava que a gente tinha acertado as coisas.
Em que momento se descobriu cantora?
Quando estava na tevê, o Paulo Vítola e o Adherbal Fortes escreveram uma peça de teatro chamada Cidade sem Portas, em 1972, acho. E eles me convidaram para fazer. Claro, eu estava na moda e ia garantir bilheteria. Foi nela que comecei a cantar. E eu adoro, mas é uma das coisas que mais me atemoriza. Morro de dor de barriga. Gente, é um inferno quando vou cantar. Porque não fiz escola. Tenho complexo. Estou contando isso pela primeira vez na minha vida.
Complexo do quê?
Quando vou cantar, qualquer insegurança em relação à música já me dá um complexo. Eu digo "tá vendo, imbecil, se fosse lá aprender a cantar ia saber o que é uma oitava, meia oitava, dois terços, não sei o que lá". E penso nisso, que na verdade é uma bobagem. Porque se a gente vir as cantoras Angela Maria, Elis Regina e Elizete Cardoso, elas nunca fizeram escola. Elas foram a escola.
Você acompanha as novas cantoras que surgem na cena local?
Ah, sim. Adoro a Ana Cascardo, a Rogéria Holtz, a Gisele Oliveira. Essa nova geração é um espetáculo.
O que diria para elas?
Cantem. Cantem muito na vida, se divirtam. Sem complexos. Acho que nesse ponto essa geração é muito bacana. Fazem legal. Nem vou falar da Thaís [Gulin], aquela desgraçada... [risos].
A Thaís Gulin...
Tá com o Chico [Buarque]. Será que tá mesmo? Que preguiça dessas meninas... O Chico é uma entidade. Sinceramente: se eu fosse uma cantora talentosa, bonita... você acha que eu ia *** pro Chico? Ah, por favor, ela nem precisa disso. É rica e faz o que quer. Deve ser um horror, gente. Eu seria a última a ter preconceito de velho, mas não quero namorar velho [risos]. Porque eles tomam aqueles "viagras" e fica uma coisa tão esquisita [risos]. Tem gente que acha que ela está com o Chico por interesse. Eu não acredito. Ele faz tudo porque está absolutamente apaixonado. A prova está aí, esse CD que fez agora. Está babando de amor. Nós temos que endeusar a Taís. A santa Taís, que contribuiu pro Chico fazer esse trabalho lindo.
Como foi sua infância?
Nasci em uma família muito pobre no bairro Água Verde. Meu pai era funcionário público e minha mãe dona de casa. Nossa vida era um horror, porque meu pai era alcoólatra. Mas a gente era feliz. E desde cedo minha mãe me fez estudar e trabalhar.
Gostava da escola?
Detestava. Reprovei 10 anos no ginásio. Tinha pavor daquilo. Era hiperativa e não conseguia ficar na sala de aula sem conversar. Achava tudo desinteressante. Que horror.
Como era a sua mãe?
Com ela era? "Escreveu, não leu, o pau comeu." Uma sargentona. E eu mentia muito. Aprontava mesmo. O nome dela era Altina. Ela me chamava de "barata descascada". [risos]
Essa é a mesma relação com sua filha?
Com minha filha há um diálogo absolutamente aberto. Ela sempre soube que o nome daquilo é vagina, não perereca. Minha mãe chamava de miçanga. E eu fui saber que miçanga não era vagina quando eu já era grande. Estava assistindo à televisão, um programa da Linda Saparoli, e ela falou que o vestido era todo bordado de miçangas e eu gritei "mãããee". [risos]
E os seus netos...
É bárbaro. Eu tenho quatro netos. A minha neta com quem convivi mais foi um espetáculo na minha vida. Eu digo "foi" porque hoje ela é pré-adolescente e não quer saber de mim. A não ser pra levá-la à ginástica. E eu aproveito para fazer uma chantagem danada. Digo "vamos jantar?". "Não vovó, eu tenho que estudar". "Gabriela, quer saber de uma coisa, vai ...." É uma delícia essa relação.
E na sua juventude, Curitiba tinha coisas melhores para se fazer?
Era uma maravilha. Tinha a Zimbaloo, a Gogó da Ema, a Jackie O. Eram boates bacanas. Hoje, frequento muito pouco a noite. Eventualmente, vou ao Kapelle, um bar que tem uns 200 anos a minha idade [risos]. É mais um bar cabeça. Às segundas-feiras, vou ao Tatára, que é um hippie remanescente dos anos 70, compositor, cantor, um maluco, um agitador cultural.
O que tem lá?
Às segundas tem a chamada "Segunda Autoral", quando os jovens artistas, e velhos também, se reúnem para apresentar música. As pessoas estão aprendendo a cultuar os nossos artistas, o que não acontecia antes. Ninguém queria dizer que era fã do cara que morava em cima do seu apartamento. Curitibano é uma coisa absurda. Não adianta.
Mas você é curitibana...
Sou... Mas é por isso que eu falo. As pessoas dizem pra mim: "Mas você não é de Curitiba, né?". Digo "ai, eu sou". Porque tem autofagia mesmo. Curitiba tinha uma coisa muito cafona: só era bacana o que vinha de fora. Mas está mudando. Estou percebendo na música, por exemplo, essa coisa de ser bacana o que é daqui. "Você vai gravar um CD? Legal, o que você vai gravar?" "Vou gravar compositores curitibanos." "Pô, que tesão." É um aspecto bem positivo. A coisa está mudando porque hoje você nem acha mais curitibano. Não sei pra onde foram. Devem ter se desintegrado [risos]. Porque curitibano não sai daqui, né.
Como é envelhecer?
É difícil. Nosso país não está preparado para isso. Há muito preconceito. A vantagem está em ter mais conhecimento. A parte boa é a falta total de pudores e limites. "Não vou dizer isso porque vou ofender a pessoa". Paciência... Pelos menos disse o que eu queria dizer. Não é uma coisa de querer agredir... O velho é cruel, gente. É como uma criança.
E a solidão...
Tem uma solidão voluntária, porque aprendi a me gostar. Adoro a minha solidão, pois posso ficar mal-humorada quando quiser, dou risada de mim mesma... Já tive vários casamentos [três] e acho que não vim dotada deste talento de manter relacionamentos. Minha vida sentimental está uma porcaria. [risos]
E como é conviver contigo?
Sem bom humor não tem salvação. Adoro essa coisa de dar risada. Senão fica muito sem graça. E detesto pessoas mal-humoradas e pessoas mais ou menos. Tem de ser uma coisa ou outra. A base de todas as relações, profissionais, afetivas, conjugais é o bom humor.
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