Você acredita que o substitutivo ao Código Florestal será aprovado pelo Senado?

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Por trás desse debate está a disponibilidade de terras no Brasil para investidores estrangeiros. E a colocação do agronegócio brasileiro no mercado internacional. Para tanto, desregulamentar a atividade agrícola é essencial. A curto prazo, o que interessa é ter terras para negociar, sem restrições para usá-las. A desregulamentação é um sonho do mercado. Representa o Estado mínimo, a ausência de regras para o setor econômico. É um sonho de consumo que cabe nas urnas dos capitalistas.

Quais as qualidade do código atual?

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O que o Código Florestal faz é considerar o bem comum acima do direito privado. Isso o torna uma peça pioneira na legislação brasileira. Diz, claramente, que o bem de todos está acima do interesse individual e que a propriedade privada tem de ser regida pelo bem comum. E o bem comum no código é algo muito simples, como garantir que as nascentes sejam protegidas, que as encostas não deslizem... É uma peça notável do ponto de vista das ciências da natureza e, ao mesmo tempo, um manual de boas práticas na agricultura.

Você vê qual jogo de interesses...

O que está por trás dessa conversa é a demolição do sistema sobre o uso da terra. Vai custar muito caro, porque a natureza tem uma lógica da qual a gente não consegue fugir. Exaure-se o solo com práticas inadequadas e vai ser preciso suprir essa exaustão com insumos cada vez mais complexos, mais dependentes de tecnologia que vem de fora. Não é uma escolha inteligente. É a recuperação dos velhos procedimentos do Brasil Colônia, das Capitanias Hereditárias. O curioso é que isso tudo vem na contramão das tendências internacionais de estabelecer alguns limites. As cidades também já aceitaram uma série de limitações em nome da necessidade do convívio comum.

Quais as implicações do debate?

Neste momento, o mercado precisa colocar o agronegócio na roda da fortuna. O tal substitutivo do Aldo Rebelo cumpre esse papel, de uma forma meio capenga. Hoje, do jeito que está, o código já oferece condições no mercado internacional para a certificação de produtos. A existência de normas para questão de margens de rio, nascente, encostas, reserva legal é o suficiente para o governo brasileiro ter certificação internacional. À medida em que isso caia, pode ser que esses produtos não se deem tão bem lá fora, mas tampouco isso parece preocupar o agronegócio, porque a coisa vai bem enquanto a gente tiver água e biodiversidade o bastante para garantir um produção barata.

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O debate sobre código é a questão ambiental mais urgente para o Brasil hoje?

O código é a prioridade, a começar porque você ignora o cumprimento da lei de 65 pra cá. Uma coisa que eu gosto de lembrar é que em 91, quando foi aprovada a Lei Nacional de Política Agrícola, havia uma disposição transitória que estabelecia que os proprietários de áreas agrícolas se comprometiam a recuperar a reserva legal na base de um e trinta avos por ano. Ou seja, se isso tivesse sido cumprido, nós teríamos dois terços das reservas legais recuperadas até agora e isso foi solenemente ignorado. No período do regime militar isso era ignorado porque interessava o máximo de incentivo à extensão de área. O Brasil expandia suas fronteiras agrícolas e modernizava a agricultura, começando pelo Sul, acabando com as culturas tradicionais e expulsando as populações locais.

O Paraná é o caso...

Na década de 1960, o Paraná perdeu 1 milhão de habitantes, porque a agricultura do estado não tinha condições mais de abrigar tanta gente, porque estava se modernizando, a soja ocupava o lugar do café. Toda esse gente foi obrigada a procurar oportunidade fora do estado. É bom lembrar que o capitalismo exaure as duas coisas: o trabalho e a terra. E então a gente se questiona: quem ganhou com a modernização da agricultura do Paraná e com a saída destas milhares e milhares de pessoas do estado? Ganharam aqueles que eram detentores de grandes áreas e de capital para investir em máquinas agrícolas e tecnologias modernas.

A sociedade paranaense não ganhou, não ficou mais rica, a renda per capital não mudou. Na época não havia interesse em aplicar o Código Florestal, que ficou na gaveta. E parte do plano de expansão era justamente você ir, desbravar, ocupar e havia incentivo pra isso. Era quase como está na Bíblia: ide e dominai a terra.

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Agora, em 91, eu fico mais um pouco indignada, porque as circunstâncias eram outras. Foi uma lei feita dentro de um regime de recuperação da democracia. Ou seja, não houve nenhuma imposição de colocar na legislação essa obrigação de recuperação da reserva legal. E, com certeza, o lobby dos agricultores era bastante forte no Congresso Nacional. Aliás a lei é cheia de recomendações de caráter ambiental. Agora passam mais 20 anos e recomeça essa lengalenga das limitações ambientais. Não são limitações ambientais, mas racionais, relacionadas com a lógica da terra, que qualquer agricultor que vive diretamente da terra sabe. Quem produz para o mercado internacional, de olho na bolsa de Chicago está pouco se lixando em quanto tempo vão durar os recursos naturais.

Há um movimento na sociedade em prol da natureza. Que força ele tem?

A humanidade tem, em algum lugar, escondido no cérebro ou no coração, um instinto de sobrevivência. É possível que reaja diante do risco de escassez de bens essenciais. Mas até que ponto isso é suficiente para conter o modelo, não sei. Há uma disposição em ouvir, mas não é ainda uma disposição de agir. As pessoas ainda delegam para os outros o dever de proteger. É complicado. O nosso padrão de consumo não é compatível com a conservação dos bens. Estamos consumindo o planeta rapidamente, sem respeitar a capacidade da natureza de repor aquilo que se consome.

Já existe a percepção de que algumas coisas não podem ser privatizadas, mas até onde a sociedade é capaz de cobrar isso, não sei. Não temos nenhuma experiência recente sobre a vontade coletiva prevalecer. Tenho medo do caminho que a gente está começando a trilhar, o do pagamento pelos serviços ambientais. Temo que isso se transforme numa seleção de quem pode e quem não pode ter. Até que ponto estamos caminhando pra uma situação em que o direito à água vai ser de quem pode pagar por ela. O direito ao ar menos poluído, aliás, já é de quem pode comprar uma casa no meio de um bosque no Ecoville.