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Transporte pelo Rio Paraná é uma das rotas mais usadas | Albari Rosa/ Gazeta do Povo
Transporte pelo Rio Paraná é uma das rotas mais usadas| Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo

Obstáculos

Rotas têm dois "triângulos da fumaça" onde o risco de apreensões é maior

Existem duas principais zonas de risco para os contrabandistas. São onde as apreensões se concentram. A primeira está no Paraná e forma um triângulo entre Foz do Iguaçu, Guaíra e Cascavel. O cigarro passa pela faixa fronteiriça que se estende entre as duas primeiras cidades e desemboca em Cascavel, um entroncamento rodoviário que permite diluir as cargas por diferentes rotas. Dali em diante, os riscos de confisco das cargas vão se reduzindo à medida que o cigarro se aproxima dos maiores mercados consumidores, São Paulo e Rio de Janeiro.

A segunda zona de risco também forma um triângulo, desta vez no Mato Grosso do Sul. As rotas de entrada vão de Mundo Novo a Porto Murtinho, até desembocar em Campo Grande. Nessa região se concentra o maior volume de apreensões no estado, com destaque para a cidade de Naviraí, perto da divisa com o Paraná.

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A logística do contrabando de cigarro muda conforme a repressão policial e a geografia da fronteira do Brasil com o Paraguai. A partir de 2005, o governo brasileiro jogou luz sobre as rotas clandestinas nas adjacências de Foz do Iguaçu, ligada a Ciudad del Este pela Ponte Internacional da Amizade. Traficantes e contrabandistas buscaram os pontos obscuros da fronteira. Foi bom para os negócios. Eles encontraram uma área carente de controle nos 150 quilômetros do Lago de Itaipu e nos 1,3 mil quilômetros de fronteira seca com o Paraguai.

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No Paraná, a transposição se dá pelo Rio Paraná e pelo Lago de Itaipu, com a maior parte das caixas de cigarro seguindo em veículos pequenos pelas estradas vicinais que desviam os controles policiais na BR-277 até chegar aos depósitos em cidades ao longo da rodovia, onde carretas são abastecidas para seguir viagem.

No Mato Grosso do Sul, as cargas entram em carretas pela fronteira seca. Uma variação é o transporte em barcos pelo Rio Paraná, muitas vezes contornando o Parque de Ilha Grande, para descarregar em cidades paranaenses e sul-mato-grossenses que servem de entreposto.

A usina hidrelétrica de Itaipu, empreendimento conjunto dos dois países, contribuiu de maneira involuntária para o fluxo ilegal de cigarros. Abaixo dela, 11 portos clandestinos se estendem nos 18 quilômetros do Rio Paraná até o final da fronteira entre os dois países. Acima, o problema é complexo.

O lago formado pelo reservatório da hidrelétrica tem 180 quilômetros em linha reta de Foz do Iguaçu a Guaíra, de um extremo a outro da fronteira do Paraná com o Paraguai. Porém, as muitas reentrâncias do lago formam 1,35 mil quilômetros de margens.

Nessa miríade de vãos encobertos por vegetação, portos de atraque se multiplicam às centenas de um lado e de outro da fronteira. O vaivém de embarcações é constante. A Polícia Federal (PF) patrulha dia e noite o Rio Paraná e as águas mansas do reservatório, mas o contrabando persiste.

"Eles não têm burocracia, são muito rápidos e operam com celulares e radiocomunicadores", diz o policial Celso Calore, do Núcleo Especial de Polícia Marítima (Nepom), em Foz do Iguaçu. Ainda assim, o arsenal logístico dos contrabandistas tem sofrido baixas.

Só o Nepom de Foz apreendeu 200 embarcações usadas pelos contrabandistas entre 2011 e 2013. Já o Nepom de Guaíra confiscou outros 300 barcos de janeiro de 2009 a junho de 2012, dos quais 90% usados para transportar cigarros e o restante para maconha e cocaína.

Por causa da repressão policial, os contrabandistas mudaram o perfil das embarcações usadas na travessia do rio com contrabando. Trocaram barcos grandes por outros menores, uma forma de dar aos seus pilotos mais agilidade na hora da fuga e para diluir os prejuízos no caso de apreensão.

De Guaíra (PR) a Ponta Porã (MS), os contrabandistas usam a Linha Internacional, uma estrada de chão ao longo dos 1,3 mil quilômetros da fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai. A falta de fiscalização permite o tráfego nos dois sentidos, tornando a via um território livre para o transporte de ilícitos.

As pistas paralelas limitam a ação policial. Em caso de operação de repressão, basta transpor a fronteira e passar para o país vizinho. Ultrapassada a Linha Internacional, as cargas avançam Brasil adentro por diferentes rodovias sul-mato-grossenses.

Quadrilhas agem como empresas, com recursos até para pagar fiança

O contrabando de cigarros do Paraguai para o Brasil funciona como uma empresa, com uma cadeia hierárquica de comando e a terceirização de alguns setores. A divisão de trabalho inclui um sistema de administração e regras, com um fundo de reserva para as perdas eventuais em apreensões e o pagamento de fiança dos funcionários pegos pela polícia. A contabilidade inclui ainda recursos para subornar servidores de diferentes escalões do Estado, uma rubrica necessária para um negócio que tem a corrupção como combustível.

Em dois meses de trabalho de campo nos principais trechos da fronteira do Paraguai com os estados do Paraná e Mato Grosso do Sul, a reportagem da Gazeta do Povo constatou que as quadrilhas paraguaio-brasileiras atuam em parceria nos dois países. O contrabando de cigarro se caracteriza ainda pelo uso de tecnologia sofisticada, pela divisão funcional de atividades, cooptação de agentes públicos, poder de intimidação e conexão entre organizações similares. A estrutura é elaborada. A logística é aprimorada e parte dela, terceirizada.

As quadrilhas têm muito dinheiro, estrutura sofisticada e muita gente trabalhando. No cume da pirâmide, os fabricantes fogem à responsabilidade alegando que apenas vendem o cigarro e o que acontece depois não é problema deles. Logo abaixo vêm os operadores do contrabando, que negociam grandes volumes nas fábricas e fazem girar a roda do contrabando. Eles têm em seu staff equipes encarregadas da logística de distribuição, que inclui os retirantes, batedores de caixa, pilotos de barco, pilotos de carro, espiões, batedores e olheiros (ou bandeirinhas).

A atribuição do retirante é buscar o cigarro na fábrica e levá-lo até a margem paraguaia do Rio Paraná, onde os batedores de caixa fazem a baldeação dos veículos para os barcos já atracados nos portos clandestinos. Dali, os pilotos das embarcações precisam driblar a fiscalização da Polícia Federal no rio e entregar a mercadoria aos batedores de caixa na margem brasileira, onde as cargas são baldeadas para os carros. Vencida essa etapa, é preciso passar pelas barreiras da Polícia Rodoviária Federal (PRF) nas estradas do Paraná e do Mato Grosso do Sul.

Entra em cena outra classe de operários da indústria do contrabando, contratados pela destreza ao volante. Eles vão conduzir os carros lotados de cigarro por estradas vicinais para contornar os postos de controle da PRF. São precedidos de batedores que seguem à frente com celulares e radiocomunicadores para informar sobre a fiscalização. Mais adiante, em outra cidade, outro motorista levará o carro por novos desvios. Olheiros ficam posicionados em locais estratégicos ao longo das rotas para avisar pelo celular ou pelo rádio sobre a presença da polícia.

Os operários do contrabando são recrutados em meio a uma legião de desempregados, além de pescadores e agricultores que vivem em cidades às margens do Rio Paraná. Muitos até alugam suas casas ou barracões para armazenar o cigarro. No destino final, as cargas são armazenadas em casas ou barracões na periferia das grandes cidades, de onde são distribuídas para a venda no varejo em feiras, em pequenos comércios ou por ambulantes nas ruas.

Esta reportagem foi produzida com apoio do Instituto Prensa y Sociedad, do Peru, com a colaboração dos jornalistas Martha Soto, do jornal El Tiempo, da Colômbia, e Ronny Rojas, do jornal La Nación, da Costa Rica.

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