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Infância esquecida

Por que a “conta” da adoção não fecha

Demora da Justiça em fazer a destituição familiar prejudicou adoção dos seis irmãos | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Demora da Justiça em fazer a destituição familiar prejudicou adoção dos seis irmãos (Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo)
Alberto e Aristeia com os filhos Lucas, André, Mateus e Daniele |

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Alberto e Aristeia com os filhos Lucas, André, Mateus e Daniele

A esperança de crianças e adolescentes que vivem em casas de acolhimento diminui à medida que o tempo avança. Essa realidade se opõe aos números que, à primeira vista, formariam uma equação perfeita: o Paraná tem 653 jovens aptos a ir para uma nova família e quase 3 mil acolhidos em abrigos. Enquanto isso, há cerca de 5 mil pretendentes habilitados a adotar. Então, por que a conta não fecha? Entre as respostas, estão o perfil buscado pelas famílias e a demora em habilitar as crianças à adoção. O acolhimento – definido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) como medida protetiva provisória – acaba se tornando algo permanente.

Nos abrigos, a maioria absoluta é de acolhidos que não são mais crianças. Em Curitiba, 84% dos aptos à adoção têm mais de 11 anos. Os que têm entre 11 e 15 anos correspondem a 66% do total, e 18% têm mais de 15 anos. São meninos como Roberto*, 13 anos. Filho de uma usuária de crack, ele vive em uma instituição de acolhimento de Curitiba desde que se conhece por gente. Louco por futebol, o garoto de poucas palavras perdeu a esperança de conseguir um lar. "É mais fácil eu ser atacante de time grande do que ser adotado", resumiu.

Apesar de os índices curitibanos serem maiores que as médias nacionais, a rejeição aos adolescentes abrigados não é exclusividade. Dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) ajudam a entender por que essas moças e rapazes lotam as unidades de acolhimento. Menos de 1% das famílias habilitadas no Brasil têm interesse em ficar com uma criança que tenha mais de 8 anos. A possibilidade de um jovem com idade entre 13 e 16 anos ser adotada é próxima de zero.

Outras condicionantes também têm peso. Das famílias pretendentes brasileiras, 80,5% não aceitam adotar irmãos. Quase 30% só aceitam crianças ou adolescentes da cor branca. Na Região Sul, a restrição é ainda pior: 41% querem apenas filhos adotivos brancos. "Os casais ainda desejam uma menina loira e de olhos azuis. É incompatível", resumiu o desembargador Fernando Wollf Bodziak.

Mas não é só o perfil que explica o fenômeno. Um aspecto do próprio ECA contribui para o grande índice de abrigamento: a prioridade deve ser sempre tentar a reintegração familiar, ou seja, viabilizar o retorno das crianças às famílias biológicas. Só depois de esgotadas as possibilidades é que elas podem ser encaminhadas à adoção. Quando isso ocorre, já é tarde. Elas já estão "velhas".

Para a psicóloga e pesquisadora Lídia Weber, falta agilidade do Judiciário em localizar na fila os interessados em adotar os mais velhos. "Existe universo para adotar todos. Mas é preciso que as autoridades façam uma busca ativa, que localizem esses interessados no cadastro. O que não pode é cruzar os braços e manter esses adolescentes num limbo", disse.

*Nomes fictícios

Apesar da idade, Mateus e Daniele foram adotados

Em agosto de 2011, quando o casal curitibano Alberto e Aristeia Rau entrou em uma instituição no Rio de Janeiro, foi recebido pelos sorrisos dos irmãos Mateus, então com 13 anos, e Daniele, com 10. Foi paixão à primeira vista. Dias depois, os meninos embarcaram para Curitiba. A adoção dos dois fugiu à tendência observada em todo o Brasil. Os irmãos são negros e tinham idade considerada avançada.

Os irmãos adotados se adaptaram à rotina da casa de Alberto e Aristeia. Mateus e Daniele se dão bem com os novos irmãos, Lucas, 21 anos, e André, 15 anos, filhos biológicos dos Rau. O flamenguista Mateus tem se inclinado mais ao esporte e à informática. Daniele, às artes: toca violão e se arrisca na pintura.

Nos fins de semana, os dias são de casa cheia, churrascos e gargalhadas. "A adoção tardia exige força e dedicação integral, porque os jovens já vêm cheios de hábitos e de experiências. Mas o amor compensa tudo", finalizou Aristeia.

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