Em discurso diante de médicos, enfermeiros, dependentes químicos e seus familiares ontem à noite, o papa Francisco criticou os projetos de liberação das drogas na América Latina e chamou os traficantes de "mercadores da morte". Na primeira vez em que falou publicamente sobre o problema, o pontífice argentino deu as primeiras indicações de que, se seus gestos são novos e sua simpatia o transformou em ícone global, ele não está disposto a mudar posições tradicionais da Igreja.
Francisco tocou no tema enquanto visitava o Hospital São Francisco de Assis, no Rio de Janeiro, e depois de se reunir com cinco pacientes tratados por dependência química. "Não é deixando livre o uso de drogas, como se discute em varias partes da América Latina, que se conseguirá reduzir a difusão e a influência da dependência química."
Recado indireto
Países como o Uruguai já liberalizaram o consumo de maconha. Políticos como os ex-presidentes do Brasil, Fernando Henrique Cardoso; da Colômbia, Cesar Gaviria; e do México, Ernesto Zedillo, defendem a liberalização de drogas leves, como a maconha. Os ex-líderes argumentam que a política de repressão ao tráfico adotada pelo continente, e impulsionada, sobretudo, pelos Estados Unidos, não está funcionando. A ênfase deve ser, segundo eles, na prevenção.
Para o papa, a solução não vem da liberalização, mas de uma estratégia para "enfrentar os problemas que estão na raiz do uso das drogas, promovendo uma maior justiça, educando os jovens para os valores que constroem a vida comum, acompanhando quem está em dificuldade e dando esperança ao futuro". Na avaliação de vaticanistas, Francisco começa a revelar com esse discurso que, apesar de ser tido como reformador, adotará posturas tidas como conservadoras em diversos setores sociais e desafios.
O pontífice não deixou também de atacar o narcotráfico. "São tantos os mercadores da morte que seguem a lógica do poder e do dinheiro a todo custo. A chaga do tráfico de drogas, que favorece a violência e semeia a dor e a morte, exige da sociedade inteira um ato de coragem."
Não é a primeira vez que um papa ataca de forma frontal os narcotraficantes. Em 2007, quando Bento XVI esteve no Brasil, ele alertou que essas pessoas "teriam de enfrentar a Deus no juízo final".
Egoísmo
Francisco atacou o egoísmo da sociedade por não dar atenção suficiente aos dependentes de drogas. "Precisamos abraçar quem tem necessidade. Há tantas situações no Brasil e no mundo que reclamam a nossa atenção, cuidado, amor, como a luta contra a dependência química", declarou. "Frequentemente, porém, nas nossas sociedades, o que prevalece é o egoísmo."
Na avaliação do papa, porém, parte da responsabilidade em se recuperar é do próprio dependente. "Você é o protagonista da subida. esta é a condição imprescindível, Você encontrará a mão estendida de quem quer lhe ajudar. Mas ninguém pode fazer a subida no seu lugar. A travessia é longa e cansativa, mas olhem para a frente."
Pacientes de hospital ganham bênção especial
Folhapress
Depois de ser recepcionado por frades na capela do Hospital São Francisco de Assis, o papa abençoou dez pacientes internados na unidade. Entre eles, Natalia Mozinho, 16 anos, internada desde o início desta semana, tratando de uma doença renal. "Não cheguei a dizer nada, mas ele tocou minha mão, olhou para mim", disse a menina. No grupo de pacientes também estava Maria da Conceição de Souza, 49 anos, que é cega. "Não vejo o papa com os olhos da carne, mas o vejo com os olhos do coração."